domingo, 10 de novembro de 2024

Bloco de Notas: estrutura social alienada e processo de aprendizagem emancipador

novembro 10, 2024



A afirmação de que o ser condiciona a consciência é uma das coordenadas fundamentais do materialismo histórico. Isso significa que a consciência é produto das relações sociais predominantes, que são históricas e contraditórias. A consciência é produto do ser social e, simultaneamente, é produtora da sociedade em seu processo de reprodução de relações sociais e instituições, pois os indivíduos são seres conscientemente ativos.


As relações de produção capitalistas estabelecem formas de existência, de subjetividade, de sensibilidade e de posturas sociais dos indivíduos, que são reificadas (coisificadas) sob a forma de ter, de consumir e de se apropriar como propriedade privada. Assim, determinando maneiras de pensar, de agir e de sentir alienadas e fetichizadas.


Essa totalidade influi, no contexto da educação, no processo de aprendizagem. 


Sob a pressão das relações sociais capitalistas, por exemplo, discentes assistirão a uma aula, ouvindo palavras e buscando compreender seus significados e estrutura lógica da melhor maneira possível. Inclusive produzindo anotações para melhor memorizar o conteúdo e, assim, tirar boas notas nas avaliações. 


O interessante, nessa postura é que o conteúdo se torna estranho ao sujeito do processo de aprendizagem porque não se converte em um momento do sistema subjetivo de ideias do discente, enriquecendo-o e ampliando-o na sua prática de intervenção no mundo. Pelo contrário, conceitos e palavras se tornam núcleos fixos e congelados, ou seja, tornam-se coisas armazenadas em teorias abstratas sem contato com a vida social e histórica.

 

Estudantes e conteúdos ministrados nas aulas e atividades pedagógicas apresentam-se estranhos (alheios) uns aos outros. Dessa maneira, cada discente se constitui como proprietário de uma coisa (objeto cultural) produzido por alguém (estranho). Então, nesse modo de aprendizagem, estudantes não precisam criar ou produzir algo novo como síntese do conteúdo apreendido e suas necessidades sociais, favorecendo estruturas de poder dominantes que não estimula novas ideias e novos pensamentos sobre determinados assuntos. Do ponto de vista dos estudantes, sua subjetividade é condicionada, pela ideologia dominante, a temer mudanças e questionamentos ao acervo fixo adquirido.


À situação exposta acima há uma alternativa. Noutras palavras, há uma postura emancipadora de aprendizagem. Nela, discentes não frequentam as aulas como seres sem história, sem saber. Anteriormente, como indivíduos em processo de construção de autonomia, necessitam pensar os problemas e questões próprias. Nesse sentido, eles não são simples receptáculos vazios. 


A aprendizagem emancipadora exige que os discentes não sejam passivos. Não basta ouvir ou prestar atenção. É preciso uma relação dialética de apropriação e reação ativa ao conteúdo de maneira produtiva, pois esse processo estimula o pensar crítico de alunos e alunas. Geram-se novas ideias, novas questões, novas respostas e novas perspectivas na subjetividade dos sujeitos do processo de aprendizagem. 


Nesse movimento, até a atenção necessária é algo vivo. Há interesse. Estudantes ouvem e anotam numa atitude espontânea de vinculação com sua ação na vida social. Na aprendizagem emancipadora (não alienada), quando discentes se apropriam de um conhecimento produzido historicamente, eles e elas se transformam e se desenvolvem como seres autônomos e críticos para intervir socialmente, inclusive no próprio processo de ensino-aprendizagem. 


 Frederico Costa, Professor da UECE


Foto: Getty Images

domingo, 3 de novembro de 2024

Estudar “O capital” de Marx para quê?

novembro 03, 2024




Vamos iniciar um grupo de estudos de “O capital”. O que buscamos com essa atividade? Não somos os primeiros nem seremos os últimos a mergulhar na crítica mais fundamentada e radical do capitalismo.

 

Aqui pretendo apresentar alguns elementos norteadores para nosso estudo coletivo. Sem adiantar ou suprimir previamente a leitura e as reflexões necessárias sobre o texto que iremos realizar. Apenas procurarei indicar algumas coordenadas reconhecidas e aceitas por inúmeros estudiosos que já se debruçaram sobre essa obra seminal. Nesse sentido, eis algumas questões que buscaremos identificar a partir de nosso estudo:


1 – a estrutura do modo de produção capitalista e suas características universais como forma de entender o capitalismo contemporâneo e a situação de países periféricos como o Brasil;

2 – a diferença fundamental entre processos sociais aparentes e processos sociais essenciais, no geral e na sociedade brasileira em particular;

3 – a forma como no modo de produção capitalista se realizam os processos sociais e históricos de produção e reprodução da vida real;

4 – os fenômenos da exploração e da luta de classes imanentes ao modo de produção capitalista;

5 – o caráter próprio das relações sociais e ideológicas (culturais) na dinâmica do modo de produção capitalista;

6 – por último, os caminhos críticos e revolucionários que a crítica da economia política, realizada por Marx, vão abrindo no sentido de produzir uma compreensão da realidade no processo de transformação dela mesma.


Em nossos encontros, procuraremos desenvolver de maneira coordenada as seguintes posturas metodológicas: a) apresentar a temática referente ao livro, volume, seção e capítulo estudados para orientar os leitores; b) seleção ordenada de textos de apoio quando for necessário; c) dinâmica pedagógica para o trabalho coletivo de leitura, estudo e interpretação dos textos;  d) dimensionamento do tema principal tratados pelos textos lidos; e) levantamento de conceitos básicos; f) conexões possíveis dos temas básicos com outros momentos da obra de Marx; g) apresentação de problemáticas da realidade de países periféricos e do Brasil, em particular, refletindo sobre suas contradições estruturais, econômicas, políticas e ideológicas.


Essa proposta é uma dentre várias que serão desenvolvidas pelo caminhar de nossas reflexões.



Frederico Costa, Professor da UECE

 

 

 

sábado, 2 de novembro de 2024

BLOCO DE NOTAS: relação entre história e educação

novembro 02, 2024

Foto: radio.ufpa.br

 Frederico Costa, Professor da UECE


Nos estudos sobre educação, em particular no curso de pedagogia, uma pergunta se põe e impõe: qual a natureza da História da Educação?

Penso que o primeiro passo é analisarmos abstratamente (de forma separada) o que seria história e o que seria educação. Nessa ação analítica, temos como referencial teórico a dialética materialista, que procura compreender o mundo em sua totalidade como um conjunto de relações contraditórias e históricas.

A noção de História tem a ver com movimento, transformação e mudança constantes. Se observarmos bem, tudo muda. Os seres humanos, como qualquer ser vivo, nasce, se desenvolve e morre. Também, surgem, crescem e perecem cidades, reinos e civilizações, mas essa permanente mudança do mundo humano faz parte de um movimento muito mais amplo e belo que abarca o conjunto da realidade.

O Universo, de acordo com pesquisas científicas, tem provavelmente 13,7 bilhões de anos. Nosso planeta Terra possui 4,5 bilhões de anos e a vida originou-se há aproximadamente 3,7 bilhões anos. Já nossa espécie (Homo sapiens) emergiu em torno de 200 mil anos, na África, por meio de um processo de evolução biológica (mutações aleatórias e seleção natural). Noutras palavras, tudo o que conhecemos é histórico e mutável. Como disse o antigo filósofo grego Heráclito: “só a mudança permanece”. 

Agora, onde se localiza o processo social chamado de Educação?

Toda comunidade humana, seja na “Idade da Pedra” ou atualmente, precisa se manter e continuar no tempo, ou seja, precisa se reproduzir. Nesse sentido, necessita reproduzir suas relações sociais e instituições, como também, precisa reproduzir indivíduos aptos para viver na forma social historicamente determinada. 

Então, a reprodução social é composta de uma dualidade integrada: reprodução das relações sociais e reprodução dos indivíduos. Nesse movimento, são reproduzidas as classes sociais (nas sociedades classistas), as instituições, as ideias, os costumes, os conhecimentos, a divisão social do trabalho e os indivíduos que exercerão diversas funções sociais para a preservação e desenvolvimento de cada estrutura social específica.

No processo constante da reprodução social, a educação ocupa um lugar especial, exercendo a função de gerar (formar) indivíduos conforme as necessidades, valores e conhecimentos de cada sociedade particular. Tal processo não é simples, principalmente em sociedades centradas no conflito entre classes sociais antagônicas.

Agora, o importante é destacar que a História da Educação trata de mudanças ocorridas  no processo de formação de indivíduos em sociedades concretas. No entanto, a História da Educação não é apenas uma disciplina descritiva, porque busca tornar inteligível as razões e os sentidos do processo educativo nas inúmeras sociedades humanas. Isso possibilita intervenções no presente com o objetivo de orientar  mudanças educacionais que favoreçam a maioria do povo brasileiro e uma estratégia de desenvolvimento nacional. 

 

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

BLOCO DE NOTAS: uma leitura histórica (cronológica) do Novo Testamento

outubro 23, 2024


Quais as vantagens de estudar a Bíblia? – Blog Gospel Goods


Frederico Costa, Professor da UECE


A ordem de leitura dos vinte e sete textos do cânon do Novo Testamento da Bíblia cristã   obedeceu a critérios ideológicos-teológicos. O objetivo foi consolidar ideias e práticas impostas pela autoproclamada ortodoxia dos primeiros cinco séculos do cristianismo (a chamada patrística) como, por exemplo: 1) a ideia de que Jesus morreu, foi sepultado e no terceiro dia ressuscitou; 2) a tentativa de harmonizar as diferentes percepções entre os próprios autores neotestamentários sobre quem teria sido Jesus; 3) identificar qual era a verdadeira mensagem de Jesus; 4) a visão de que Jesus foi amplamente citado pelos autores da Bíblia judaica (Antigo Testamento).

 

A leitura teológica da Bíblia é um fenômeno social ideológico porque visa apresentar uma visão da realidade e, com base nisso, induzir a certas formas de comportamento e de pensamento de indivíduos e comunidades. Essa perspectiva ideológica procura uniformizar as interpretações, alinhar as expectativas e as narrativas da experiência religiosa cristã com o objetivo de oferecer esperança e sentido de vida aos fiéis. Hoje há inúmeras leituras teológicas conforme a doutrina de cada corrente cristã, seja católica (modernista, conservadora, tradicional ou da libertação), seja protestante (luterana, calvinista, arminiana, pentecostal, adventista ou neopetencostal).

 

A ciência e a história, em particular, procuram compreender como e porque os processos reais que formaram o Novo Testamento ocorreram. Por isso, trabalham noutra perspectiva e utilizam uma leitura cronológica. Conforme  Chevitarese (2022),  a leitura cronológica do Novo Testamento:

 

1) Estabelece uma ordem cronológica dos textos, definindo quais seriam aqueles mais próximos e aqueles mais distantes de Jesus.

2) Reconhece que nenhum autor cristão do Novo Testamento foi testemunha ocular de Jesus.

3) Admite que entre a morte de Jesus, ocorrida na primeira metade dos anos 30 da Era Comum (EC), e o início da redação dos primeiros textos, que se deu nos anos 50 do século I, o Movimento de Jesus sem Jesus conheceu duas fases de produção de dados, que apesar de serem distintas, coexistiram entre si: a) as memórias de uma geração inteira de indivíduos que conheceram Jesus, e b) as tradições orais, que incluíam essas memórias, mas que englobavam também memórias de pessoas que nunca tiveram contato com Jesus;

4) Quanto mais antigo for um texto cristão, maiores serão as chances dele trazer narrativas que possam conter dados relacionados à vida de Jesus.

 

Essa postura científica de leitura dos textos do Novo Testamento em ordem cronológica possibilita o rompimento com as leituras teológicas, que distorcem a realidade dos fatos.

 

Eis o quadro de leitura cronológica do Novo Testamento publicado pela professora Juliana Cavalcanti.



Boa leitura.


Referências

CHEVITARESE, André Leonardo. Planejamento de leitura cronológica do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Menocchio, 2022.

 https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=uyFew9vGZ5Y, Canal de Juliana Cavalcanti no YOUTUBE

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Bloco de Notas: educação e revoluções burguesas

outubro 22, 2024



Da revolução francesa ao Império de Napoleão


Frederico Costa, Professor da UECE


A educação escolar foi um dos resultados do processo de transição do feudalismo ao capitalismo. As contradições entre as relações de produção feudais, que travavam o desenvolvimento das forças produtivas, abriram uma época de crise, inovações, novas ideias e revoluções. A Reforma Protestante, o Renascimento, as Grandes Navegações, a generalização das relações mercantis, o humanismo, o mercantilismo, o absolutismo, a revolução científica, o iluminismo, conformam o período de ascensão e conquista do poder político pela burguesia. 


Godechot (1969) indica a natureza revolucionária do período entre 1770 e 1850, que trouxe grandes aportes para a educação na modernidade. De 1770 a 1783: Revolução Americana, formação da República dos Estados Unidos com um governo constitucional, liberal e o mais democrático dos conhecidos, até aquele momento. 1780-1783: levantes revolucionários na Irlanda e Inglaterra, cujos objetivos eram, por um lado a autonomia da Irlanda, por outro lado a reforma parlamentar na Inglaterra. 1783-1787: revolução nas Províncias Unidas para impedir que o estatúder (cargo político com funções executivas) se convertesse num rei hereditário e para implementar medidas democráticas nas instituições do país. Somente a intervenção armada da Inglaterra e da Prússia impediram que o movimento revolucionário triunfasse. 1787-1790: revolução nos Países Baixos Austríacos. A vitória desse movimento, que, num primeiro momento, esteve dirigido contra as reformas ilustradas de José II, deu origem a um verdadeiro partido democrático. 1768 e 1782: revoluções democráticas em Genebra que fracassaram devido à intervenção armada estrangeira. 1781: movimento revolucionário em Friburgo, Suíça. 1772 e 1789: o rei da Suécia se aliou aos burgueses e camponeses contra a nobreza e transformou o regime numa forma mais democrática. 1787-1815: Revolução Francesa. 1788-1794: Revolução Polaca. 1792-1801: Revolução Belga com a ajuda da França. 1792-1801: revolução na Renânia com ajuda da França. 1795: entrada de tropas francesas na Holanda, que concluiu a criação da República Bávara. 1796-1799: revolução nos diversos Estados italianos. 1798-1799: revolução na Suíça e formação da República Hevéltica. 1797-1801: o exército francês leva consigo os grandes princípios da Revolução Francesa às Ilhas Jônicas e, desse lugar, aos Balcans, Malta, Egito e Síria. 1805-1815: os grandes princípios da Revolução Francesa alcançam, por meio do exército francês, Europa Central, Polônia e Rússia. 1807-1814: a invasão da Espanha traz como consequência a revolução nas colônias espanholas da América, entre 1810 e 1820. Apesar da derrota de Napoleão, em 1815, o processo revolucionário é retomado na Itália e Espanha, em 1820; na Grécia, em 1821; na França, na Bélgica e na Polônia, em 1830; e, em toda a Europa Ocidental e Central, em 1848, na chamada Primavera dos Povos.


No processo histórico e contraditório que acompanha a emergência do capitalismo como modo de produção hegemônico e a ascensão da burguesia como classe dominante, a educação, em seu caráter de ação sistemática, e as reflexões sobre ela não ficaram imunes à luta de classes que envolvia a nobreza, os burgueses, o campesinato e outras camadas populares. A crise da educação cavaleiresca, os problemas da aprendizagem nas corporações, o surgimento da pedagogia humanística, as academias, as propostas da Reforma Protestante para as escolas, a reação católica da Contrarreforma para as escolas e o desenvolvimento da escola estatal colocaram questões sobre a organização escolar, o conteúdo curricular, a amplitude do sistema educacional, as formas de ensino, os objetivos da escola estatal, a formação de professores, o financiamento e relação entre escola e sociedade. Essas questões são respondidas de várias maneiras a partir de interesses de classes e frações de classes diferentes.


REFERÊNCIAS

 

GODECHOT, Jacques. Las revoluciones (1770-1799). Barcelona: Editorial Labor, 1969.