sexta-feira, 11 de julho de 2025

julho 11, 2025





É PRECISO ROMPER COM OS GRILHÕES NEOLIBERAIS E MONETARISTAS PARA O BRASIL AVANÇAR


Numa primeira aproximação, pode-se dizer que a ideologia neoliberal é uma espécie de tentativa de superação da crise do “velho capitalismo” por uma nova e dinâmica corrente do pensamento econômico, gestada a partir da renovação da Escola Austríaca. Friedrich von Hayek (1889-1992), intelectual da Escola Austríaca e ganhador do Prêmio Nobel de 1974 em Ciências Econômicas, teve sua obra, O caminho da servidão (1944), transformada numa escritura sagrada para o neoliberalismo, ao lado do monetarismo moderno da Escola de Chicago e dos mitos que envolvem as teses da globalização e estabilidade.


No frigir dos ovos, a aplicação generalizada do receituário neoliberal desde a década de 1990, configurou, na dimensão teórica, os fundamentos do empobrecimento do debate econômico atual. Essa verdade única aplicada por governos neoliberais aprofundou a concentração de renda, o aumento da criminalidade, a precarização de empregos, a desintegração familiar, a queda de qualidade na saúde e educação públicas, a falta de horizontes e de empregabilidade para jovens, a concentração e centralização crescente do capital, a marginalização de faixas inteiras da população economicamente ativa em diversos graus, além do estímulo a guerras e alternativas políticas antidemocráticas (ditadura, fascismo, golpes de Estado). Em resumo, há uma grave crise social, cada vez mais aprofundada pelo credo neoliberal e suas políticas, e a resposta neoliberal para esta é o ajuste fiscal, privatizações, ataques às condições de vida dos trabalhadores e mais guerras. Não é à toa que Samir Amin (1931-2018), intelectual egípcio, caracterizou o imperialismo dos Estados Unidos de império do caos. É o que estamos presenciando na Líbia, Síria, na guerra da Otan e dos Estados Unidos contra a Rússia na Ucrânia, nos golpes na América Latina.


Desde 1999, após a crise cambial, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) substituiu a âncora cambial pelo regime de metas de inflação. As políticas neoliberais consubstanciadas no Consenso de Washington colocavam como centro das políticas macroeconômicas a estabilidade monetária substituindo o objetivo da busca do pleno emprego, nos países centrais, e a superação do subdesenvolvimento, nos países periféricos, por meio da intervenção e planejamento estatal. A inflação se torna o grande inimigo e o combate a esta foi o abre-alas para  privatizações, retirada de direitos sociais, abertura da conta de capitais, desindustrialização e financeirização da economia.  


Nessa perspectiva, o controle da taxa de inflação torna-se uma função da política monetária através de ajustes na taxa básica de juros. Logo, as autoridades monetárias guiam-se por metas de inflação para tentar manter a taxa de inflação em torno destas metas. Em termos de operacionalidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) é responsável por definir o valor da taxa básica de juros (a famosa taxa Selic) com base em uma meta para a inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e avaliada segundo a trajetória do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


A teoria monetarista afirma que a elevação da taxa de juros é um instrumento de controle inflacionário que produziria efeitos desestimulantes sobre consumo de bens duráveis, investimentos produtivos e investimento residencial, reduzindo a demanda agregada com o objetivo de diminuir a inflação e reequilibrar as contas públicas por meio das políticas de austeridade para retomar a confiança dos investidores.  


 A demanda agregada é um conceito da macroeconomia que representa a quantidade total de bens e serviços que todos os agentes econômicos (famílias, empresas, governo e setor externo) estão dispostos a adquirir a diferentes níveis de preços em um determinado período. É um indicador fundamental para avaliar a atividade econômica de um país e é frequentemente utilizado para guiar políticas públicas neoliberais que visam o crescimento econômico e o controle da inflação, que é um dogma. Pois, para que não haja inflação todo custo social é justificável. Por isso, a estabilidade seria central para combater a inflação e gerar crescimento interno. A ideia de estabilidade monetária e austeridade fiscal está vinculada à analogia dos gastos públicos ao orçamento doméstico. O que é algo completamente estapafúrdio pois, o Estado pode se endividar em sua própria moeda, imprimir dinheiro, e cobrar impostos dos mais ricos (taxação das grandes fortunas). 


Do ponto de vista, histórico, pode-se ver que o crescimento econômico de um país depende de inúmeras variáveis, não apenas da inflação. Um dos aspectos centrais do crescimento é o investimento em formação bruta de capital fixo. A China, por exemplo, investe mais de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) na produção de bens de capital (máquinas, equipamentos etc.). Ela não caiu no conto de fadas das políticas neoliberais e nem pratica uma política de austericídio.


Segundo a teoria monetarista, a inflação é causada por excessos de demanda, então a redução da demanda agregada acompanhada de aumento de desemprego possibilitaria o controle inflacionário. Isso explica por que após a adoção de políticas neoliberais, desde o governo FHC, o crescimento do Brasil é chamado de voo de galinha. Toda vez que o Brasil começa a crescer a taxas maiores, vem a pressão para aumentar as taxas de juros brecando o crescimento em nome do combate a inflação de demanda.


Mas algum setor social, ganha com os grilhões neoliberais que ainda amarram a política econômica do governo Lula?


Resposta, claro que sim. Porque uma parcela importante da dívida pública é composta de títulos indexados à taxa Selic, portanto, o gasto com pagamentos de juros é influenciado pelas alterações dessa taxa, o que mostra a conexão entre política fiscal e política monetária. Assim, a cada elevação da taxa aumentam os problemas da dimensão fiscal pelas consequências no custo da dívida pública, que favorecem frações das classes dominantes do Brasil. 


Como o Brasil é um país capitalista periférico de passado escravista e colonial, há profundas desigualdades de propriedade, de riqueza e, consequentemente de renda. A fração de burguesia (capital financeiro), que detêm a Dívida Pública Federal sob a forma da propriedade de títulos de dívida pública é o setor hegemônico no bloco de poder ao lado da burguesia agrária (agronegócio). Então, quando a taxa de juros se eleva o capital financeiro e as famílias de alta renda, milionários e bilionários ganham cada vez mais. Simultaneamente, as famílias mais pobres e endividadas enfrentam maiores dificuldades em quitar suas dívidas, elevando as taxas de inadimplência e de empobrecimento. Assim, a taxa Selic exerce um forte poder concentrador de renda por drenar recursos dos mais pobres para os mais ricos através de pagamento de juros. Eis a função classista das políticas econômicas neoliberais e monetaristas: concentração maior de riquezas nas mãos de uma minoria cada vez menor. Além da orientação monotemática no ajuste fiscal, nas políticas de austeridade e no teto de gastos para manter o parasitismo financeiro de uma ínfima minoria.


Por isso, é necessário que o governo Lula vire à esquerda, rompa com o arcabouço fiscal que privilegia o pagamento da dívida pública em detrimento do investimento em saúde, educação, e políticas que gerem emprego e renda. Urge a definição e mobilização de uma pauta que contemple: o fim do arcabouço fiscal e da autonomia do Banco Central; estatização do sistema financeiro para que este sirva ao desenvolvimento nacional; reforma agrária; reestatização das empresas privatizadas. Este é o único caminho para vencer a extrema direita e o imperialismo. Isto significa um rompimento com a política de aliança com as frações hegemônicas das classes dominantes (frente ampla) e as políticas econômicas que favorecem os interesses dessa minoria. Isso exigiria o apelo às grandes maiorias e às suas reivindicações. O futuro deve ser depositado nas mãos plebeias e trabalhadoras de diversas etnias, gêneros e singularidades que constroem o Brasil.


Frederico Costa, professor da UECE

Emmanoel Lima Ferreira, professor da URCA


segunda-feira, 7 de julho de 2025

julho 07, 2025

Hugo Motta, Davi Alcolumbre e Lula (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)


NÃO É HORA DE UM BALANÇO SOBRE A FRENTE AMPLA?


Foi ainda durante a pandemia que a expressão frente ampla adentrou o vocabulário de uma parte expressiva da população brasileira. Outro ponto importante a ser notado é que a militância marxista, desde o princípio, se opôs a qualquer proposta direcionada a constituir algo com essa noção política como alternativa popular ao bolsonarismo.

Tampouco se pode esquecer que, ao fim e ao cabo, malgrado toda oposição da esquerda socialista, foi a tática da frente ampla que animou a formação de uma chapa que, tendo Lula da Silva como cabeça, derrotou o candidato neofascista, dando origem ao terceiro mandato do líder petista.

Traçadas essas linhas gerais, há que se problematizar,  pelo menos, incialmente, duas questões: i) o que é a frente ampla e qual o seu significado? ii) no caso da experiência concreta, iniciada em primeiro de janeiro de 2023, pode-se falar de êxito ou de fracasso? Enfim, o que pode ser dito da experiência de dois anos e meio de frente ampla?

A partir dessas perguntas inicia-se o debate que desenvolvo ao longo desta terceira carta sobre a conjuntura; essas são as questões e os fatos.


O QUE É A FRENTE AMPLA?


Arriscando-me a ser demasiadamente simples, diria que a frente ampla é um episódio piorado da frente popular, entendendo essa como a unidade política entre as principais organizações e lideranças da classe trabalhadora com sombra da burguesia. No Brasil, nunca me pareceu que a frente popular – expressão cunhada pelo stalinismo, quando girou do terceiro período “esquerdista” para defender a colaboração de classe com partidos burgueses – tenha se dado com a sombra da burguesia.

Para ser breve, diria que Lula iniciou o seu terceiro mandato muito mais comprometido e muito mais amarrado com a democracia formal da época da decadência capitalista imperialista e de seu receituário econômico, permeado de palavras trágicas para a classe trabalhadora, a exemplo de corte de gastos, do rigor fiscal e da austeridade.

Tal como se apresenta o problema, a frente ampla, diferentemente do que se observou com a frente popular no Chile, no começo da década de 1970, e mesmo de Lula 1 e 2, e esse talvez seja o detalhe significativo, implica  maiores dificuldades no sentido de que o governo possa desenvolver algumas reformas de conteúdo progressista. Disso decorre a compreensão de que a frente ampla é uma modalidade piorada de frente popular.


A FRENTE AMPLA FRACASSOU?


Aqui me parece que estou diante de uma coisa a que posso enquadrar na tal crônica de uma morte anunciada. Como a frente ampla poderia ter êxito, uma vez que faço referência a um fenômeno político no qual 100 pares de braços empurram a carroça em uma direção e 300 pares de braços empurram o coche em um sentido oposto?

Há quem recorde que a frente ampla teria sido um instrumento importante para i) eleger o Lula; ii) enfrentar o golpe bolsonarista; e iii) aprovar as medidas iniciais do governo. Responder a isso, contudo, só é possível no plano das suposições. E, nesse sentido, posso especular que Lula poderia ter efetuado acordos práticos no segundo turno sem se comprometer com o ideário embutido na frente ampla, e, por outro lado, mobilizar as massas populares para defender o governo e o programa eleito nas urnas sem, evidentemente, renunciar a acordos políticos pontuais e a unidade de ação contra os golpistas.

Posso concluir, desse modo, que era possível outro caminho, ainda que apenas me restrinja ao terreno das conjecturas.

É possível também supor que, caminhando nos passos determinados pela frente ampla, em algum momento,  Lula, para conseguir governar plenamente, pudesse desenvolver uma tática cujo centro se traduzisse em uma ruptura que, lentamente, se instalasse. O que se viu, contudo, não foi assim. Inversamente, o governo foi se enredando mais e mais nas armadilhas da frente ampla, partindo para uma política de concessões que entrava em uma trajetória de choque com o programa com o qual foi eleito. O arcabouço fiscal foi o golpe de misericórdia. E tudo isso apoiado em uma base parlamentar instável e com elementos profundamente reacionários, com reflexos catastróficos nos ministérios.

Trata-se de um exemplo instrutivo no sentido de que uma força política A + uma força política B + uma força política C não significa a constituição de uma fortaleza governamental. Na razão oposta, pode ser a sua fraqueza.

Não surpreende, portanto, que o fato dominante nesses últimos dias foi a admissão que o governo de frente ampla não governa, salvo naquilo que interessa a Faria Lima, que, por seu turno, tem o parlamento em suas mãos. De resto, Lula está encurralado, e o programa ungido pelas urnas pode ser deixado para as calendas gregas. Se isso pode ser chamado de êxito de uma tática, o que seria a sua frustração e ruína?


UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL?


A história política tem seus meandros, seus segredos e o seu próprio tempo. O fato é que muita gente, finalmente, descobriu por si mesma que o país, e não apenas o governo Lula, está temporariamente à mercê dos humores de um congresso antipopular e cinicamente sintonizado com os interesses dos bilionários. Esse congresso, mais do que nunca, segue testando a força dos trabalhadores e do governo.

A partir disso a luta de classes escalou. Só quem toma a realidade como um esquema acha que a luta de classes sempre comparece. Não! Às vezes, ela se dissimula e ninguém a enxerga. Outras vezes, sai das sombras e mostra o seu rosto à distinta plateia. Não por acaso, a Globo sentiu o golpe e reservou quase 7 minutos do Jornal Nacional para acalmar a dona luta de classes.

Saberá o governo aproveitar essa oportunidade ou seguirá refém da moderação traiçoeira da frente ampla? O fato é: ou o governo derrota o restricionismo imposto pela pauta neoliberal ou, desde já, deve ser tomado como um condomínio governamental moribundo.

A felicidade passou duas vezes na janela de Luís Inácio Lula da Silva, primeiro, quando lhe deu o terceiro mandato; segundo, há pouco, dando-lhe a oportunidade, de apoiado na mobilização popular, lançar ao mar as algemas da frente ampla, para, afinal, lutar pelo fim da escala 6x1, pela taxação dos milionários e por outras bandeiras da classe trabalhadora.


REMATE PROVISÓRIO


Esta é uma discussão que apenas começa. De qualquer maneira,  parece-me nítido que não se deve naturalizar a frente ampla e, pior, tê-la como se não restasse às organizações da classe trabalhadora outro destino a não ser a fatalidade desse encontro miserável.

Uso aqui um vocabulário sem grande carga emocional porque o que almejo é a discussão política e não me apresentar, de antemão, como o ilusório vencedor de uma contenda.

O fato é que o balanço da frente ampla é o check-up de uma estratégia política que renuncia a luta em lugar de encorajá-la. Por isso, indago: que luz esses mais recentes episódios lançam sobre os apoiadores da política da frente ampla?

Posso apenas concluir que uma ruptura se instala lentamente, até porque o contraste entre os partidos, as suas personagens e as bases sociais que constituem a frente ampla, em algum momento, haveria de se manifestar com nitidez cristalina. A questão é: saberão os defensores da tática da frente ampla realizar o necessário balanço? Irão até o fim no embate que recém começa? Conseguirão, por fim, mudar o rumo do governo?

O ponto final a notar é: quem caminha sem nitidez não pode reclamar sob a hipótese de machucar o dedão na próxima pedra. Posto isso, a naturalização da experiência da frente ampla é o começo do fim.


                                                    Fábio José de Queiroz, professor da URCA

julho 07, 2025




Com nome, mas sem identidade


Há alguns anos, ao ler um livro, deparei-me na contracapa com a descrição de um físico doutor que era indicado apenas como Professor-Adjunto de Física na Washington University, St. Louis. Naquele momento, decidi descrever-me como Professor-Adjunto de Pedagogia na Universidade Estadual do Ceará.


Apesar de um colega também ser pedagogo, fui questionado por ele sobre essa "estranha maneira de eu me identificar". Desde então, comecei a refletir por que me nomear como professor de Pedagogia causava estranheza. Esse fato me remeteu ao tempo em que cursava Pedagogia, e lembrei-me da postura dos professores — fossem eles pedagogos ou não — quanto às suas identidades. Gostaria de delinear essa reflexão com base em alguns exemplos, mas de antemão observo que eram excelentes pessoas, por quem nutria profundo respeito e admiração.


Naquela época, tínhamos a impressão de que a professora de Sociologia era socióloga e a de Psicologia, psicóloga. Embora fossem pedagogas de formação, pareciam aceitar essas novas identidades. Formado em Pedagogia, o professor das disciplinas de Metodologia e Pesquisa, estudioso de György Lukács e Karel Kosik, era tido como filósofo marxista. Outro pedagogo que havia concluído mestrado em Educação não se via como pedagogo, mas sim como teórico marxista. Já a pedagoga que ensinava Estrutura e Planejamento detestava a ideia de associar Pedagogia a crianças. E a professora de Didática, por exemplo, ensinava mais sobre "tecnicismo" e "neotecnicismo" e menos sobre as nuances da relação entre ensino e aprendizagem. 


Quanto aos não pedagogos: o professor graduado em Letras, que lecionava Língua Portuguesa e Introdução à Educação, por seguir Marx e Bakhtin, era tido como marxista. O professor graduado em Ciências Econômicas, que ensinava os componentes de Economia, abominava os marxistas e demonstrava desprezo pela Pedagogia. A professora graduada em Filosofia ensinava Introdução à Filosofia e Filosofia da Educação como se estivesse em um curso de Filosofia. O professor graduado em Matemática lecionava Estatística e Medidas Educacionais como se estivesse ensinando em um curso de Matemática Pura. Por fim, o professor graduado em História lecionava pregando contra o marxismo e não fazia nenhuma conexão entre o que ensinava e os propósitos do curso.


Esses fatos servem para demonstrar que as professoras e os professores do curso de Pedagogia baseavam suas identificações docentes estritamente nas disciplinas lecionadas e em suas próprias autoimagens identitárias, falhando em integrar os conteúdos e os objetivos em uma unidade coesa que chamamos Pedagogia. Cada docente, em sua área, estava isolado, como uma ilha em um lago com densidade e margens difusas. Em suma, todos atuavam em um curso de graduação que possuía um nome, mas carecia de uma identificação unificada.


Ainda que esta seja uma análise do passado, ela pode nos revelar muito sobre as implicações que a falta de uma identidade unitária de um campo do conhecimento pode ter, impactando negativamente os estudantes em sua formação e os egressos em sua atuação profissional.


Carlos Bonfim, professor da UECE.



sábado, 5 de julho de 2025

julho 05, 2025



Os memes e a luta política


Tudo a favor de bons memes, usando a ponta da tecnologia digital.


Mas dizer que foram os memes que melhoraram um pouco a posição da esquerda no tabuleiro é esconder o que realmente é fundamental e que deve ser aprofundado. 


A saber, a reação, o enfrentamento, limitado mas real, à direita e ao golpismo, por meio de propostas e medidas claras.


A óbvia (mas até aqui ignorada) explicação bastante pragmática de que a fortuna dos ricos se fundamenta na miséria dos  pobres que os memes fazem é um instrumento muito bom, mas só funciona porque expressa esta mudança política. 


Para os memes seguirem dando certo é necessário ir em frente em medidas assim. Por exemplo, o governo se pondo na primeira linha da taxação dos Super Ricos e do fim da escala 6x1.


Neste sentido, é preciso passar da Internet para as ruas pois os meios só engajam se refletirem a vida real.


Na batalha a frio no Congresso, não temos chance. Se pudermos transferir a guerra pras escolas, pras empresas, pras universidades, pra periferia, pras ruas, teremos uma boa chance...inclusive em 2026.


Virar à esquerda é uma questão de vida ou de morte neste momento.


 Eudes Baima, professor da UECE

quinta-feira, 3 de julho de 2025

julho 03, 2025




A linguagem do suborno: onde as palavras da mercadoria atacam o pensamento anticapitalista


“Todo documento de cultura é também um documento de barbárie.”

 — Walter Benjamin, Teses sobre o conceito de história


“A linguagem serve hoje não para revelar, mas para encobrir a realidade.”

— Herbert Marcuse, O Homem Unidimensional


“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a linguagem do poder.”

— Pasolini, “Ensaios”


“A linguagem política é projetada para fazer as mentiras parecerem verdades e o assassinato respeitável.”

— George Orwell, “Política e a Língua Inglesa”


“A escola, ao mesmo tempo que ensina, inculca. A inculcação ideológica é a sua verdadeira função.”

— Althusser, “Aparelhos Ideológicos de Estado”


O tempo das ideias não é o tempo das palavras que circulam como mercadorias do capital. As palavras foram seccionadas em prateleiras, gôndolas de prova social, engendrando efeito manada de tribos segmentadas.


Deixemos esclarecido o que está em jogo. As ideias são forjadas numa temporalidade não verborrágica. Seu paradigma não é a velocidade do mercado, com aparentes desacelerações comunicativas. A tradução de ideias em palavras exige um trabalho plástico, artístico, mediado pelo pensamento como potência descodificada, que recusa sua apreensão no cardápio dos símbolos mercantis. 


Mas, no interior da esfera da circulação das mercadorias, o que ocorre é o oposto. Trata-se de embargar o pensamento, impedir que sua existência temporal seja parte da livre circulação das palavras, a não ser na forma específica de sua falsificação. Há todo um cordão de isolamento discursivo, o qual propõe o ocultamento, o apagamento da singularidade do pensamento como potência antimercantil, não mediada pela lógica da monetização discursiva.


Trata-se de algo que tem causado impactos perversos no interior de questões clássicas como a do "conhece-te a ti mesmo". Lá onde se tratava de autoconhecimento, emerge no lugar a dinâmica da sonegação de si. Uma bipartição, uma fuga de si (o que permanece aniquila o melhor lado daquilo que se foi). O eu cindido transborda então como forma de indexação das subjetividades ao ridículo espetáculo do pertencimento mercantil. Emerge assim a linguagem do suborno subjetivo. 


Especificando a abordagem, educar se transforma em meio de barganha escolar. Assim, ressalta-se que, infelizmente, a educação escolar opera apenas neste segundo nível. Por isso, é hoje em dia oclocrática (voluntarista-demagógica), intrinsecamente não democrática.


Eis o caso: discentes-clientes, consumidores tacitamente sequestrados de si mesmos ao endossarem a dinâmica de que seus interesses "inatos" estão acima de tudo e todos, mesmo lá onde suas demandas já estão a priori forjadas pelo artifício utilitário da compra e venda de suas demandas. 


Mesmo que através delas seja enunciado aquilo que se chama "inclusão", trata-se de pertencimento mercantil, ou seja, de plasmar "eus" artificiais amputados subjetivamente, sob a tutela das autarquias que operam como sucursais do capital.


Portanto, a educação em jogo não é marcada pelo tempo de desenvolvimento das ideias, mas pela lógica abstrata das mercadorias linguísticas como extensão do orçamento escolar (discentes-orçamento como parte do cálculo do suborno), tanto quanto reconhecimento dos sujeitos como reflexos estritos das gôndolas simbólicas.


Aqui não custa uma breve remissão. Trata-se de trazer à tona a lembrança das análises críticas de Althusser a respeito dos aparelhos ideológicos de Estado. Não custa lembrar que a escola já era por ele evidenciada como um desses aparelhos. De todo modo, intui-se um avanço analítico. 


As enunciações que Althusser apenas esboça em termos filosóficos (epistemológicos) podem ser melhor especificadas a partir de mecanismos atuais de gestão educacional, concretizados nos processos orçamentários que vocalizam e cadenciam a forma pela qual a “linguagem-capital” é atualizada nas escolas enquanto aparelho ideológico complexo (aparelho que estrutura e enrijece palavras de ordem no estabelecimento do clima e da cultura escolar). 


Sendo este o caso, a escola capitalista já não se limita a interpelar os sujeitos e forjar estruturalmente a subjetividade mediante uma linguagem genérica; ela os interpela sob o cálculo de sua quantificação orçamentária, vinculando a existência discente e suas formas de expressão à matemática financeira do repasse de recursos públicos. O ser estudantil é configurado no entorno de uma forma bastante precisa, pela qual a circulação da mercadoria-dinheiro anexa em seu entorno as individualidades escolares, sobrecodificando-as financeiramente e, consequentemente, determinando o modo pelo qual as palavras e demandas devem ser proferidas. 


Trata-se de algo que se segue à exata medida em que se cria um hiato entre a forma pela qual os enunciados são expressos e o modo como as ideias, o pensamento, deve ser cerceado, posto à distância de sua visualidade simbólica, intrainstitucional. É dessa engrenagem que nasce o léxico do cerceamento e das barganhas simbólicas, produzindo performances e fabricando um jogo de cena cotidiano. No limite, os docentes são constrangidos, ou melhor, esmagados pelas pressões orçamentárias do estado e desejos estudantis modulados pela linguagem do capital. 


Levando em consideração tal sequestro do jogo de enunciações e determinação de palavras de ordem, a linguagem esvaziada de pensamento se diferencia como expressão das trocas das mercadorias e, no limite, é depurada. Consequentemente, se lumpemproletariza nos marcos de fortes tendências protofascistas. A linguagem do suborno é essencialmente lumpemproletária e fascista. 


Sob esse registro, o véu mercantil das enunciações é expresso pedagogicamente através dos códigos que atravessam as escolas. Enquanto departamento capitalista especial, fabrica indivíduos-capitais lumpenizados, discentes formados para delatar, perseguir e auxiliar como espiões de professores dissidentes, que atuem em dissintonia com o processo descrito: o da mais-valia da fabricação estudantil segundo mecanismos de recompensa por esforço nos marcos da tarefa da implosão de ideias anticapitalistas impossibilitadas de nomeação (cuja função é problematizar a dinâmica das escolas como empresas peculiares convenientes ao capital, as quais engendram a fascistização estudantil e, posteriormente, catapultam tal comunidade ao mercado de trabalho, mediante consciência humana rebaixada). 


Com tal sofisticação técnica, a linguagem do suborno, longe de ser neutra, apresenta-se em alinhamento com práticas de fascitização social à brasileira. A domesticação da linguagem é proporcional às práticas de espionagem e embargos de divergências. Não é por acaso que o número de professores medicados e com patologias psíquicas é alarmante. 


Portanto, eis então a atualização dos aparelhos ideológicos do Estado de Althusser sob o signo da chantagem discursiva, onde o processo formativo se transfigura em administração de expectativas fabricadas e em supressão orquestrada da potência crítica. Por meio de um léxico monetarizado, todo pensamento complexo é impossibilitado. O rebaixamento do aprendizado e embargo das críticas ao atual modelo escolar acima expresso é parte de uma economia política que se realiza como projeto capitalista intraescolar. Cumpre a tarefa de formatar sujeitos lumpenizados e protofascistas, aptos para inserção na lógica capital-trabalho: uma blitzkrieg burguesa que se atualiza através da administração da gestão e do corpo estudantil.


A fala-mercantil é uma ofensa ao desenvolvimento das ideias na esfera da educação. Não custa dizer que no tocante à linguagem do amor tem sido a mesma coisa, assim como nas famílias e no amplo e diversificado mundo do trabalho. Há uma discussão milenar a respeito disso, e ela já estava pautada entre os Gregos. O que nos leva a pensar no grau de primitividade e torpeza que continua a dar o tom acerca do que significa falar sem pensar, educar sem humanizar, ensinar a desaprender, orientar com ardil para fugir de si (desaprendizado do pensamento e assimilação pelo mercado como forma de lobotomia social).


Leonardo Lima Ribeiro, professor