sábado, 28 de dezembro de 2019

Domenico Losurdo: Assassino de memórias

dezembro 28, 2019


O CASO TUKATCHEVSKI

Em 12 de junho de 1937, era executado o marechal Mikhail Tukatchevski, grande herói da Guerra Civil. Era acusado de conspiração “fascista-trotskista-direitista”. Iniciavam-se fatos de consequências terríveis para a URSS. Losurdo resolve a questão dramática em sete parágrafos, sobre a execução de Tukatchevski e de “numerosos outros” oficiais. E bota “numerosos” nisso, Losurdo! Dois outros marechais, oito dos nove almirantes, uns setecentos generais, em geral membros do Comitê Central. Mais de 15.000 oficiais assassinados e talvez 40 mil na prisão! Onda de suicídios varreu a oficialidade do Exército Vermelho quando dos sucessos.

Losurdo banaliza o tragédia, dedica-se a inocentar Stálin e a sugerir responsabilidade política de Trotsky!

Segundo ele, em 1937, o presidente da Tcheco-Eslováquia informara os franceses de conspiração de Tukatchevski com a Alemanha nazista. A GPU informara Stalin, que ordenara, em um vapt-vupt, o desventramento do Exército Vermelho. Losurdo apoia a tese da conspiração em declarações de Churchill e Hitler! E balbucia que “dúvidas permanecem” sobre ter ela ocorrido, o que justificaria a carnificina! E já zombando de seus leitores, afirma que os oficiais restantes “expunham com franqueza as suas opiniões […] sem hesitar em contradizer o líder supremo […].” Ninguém temeria terminar no círculo ártico ou com um tiro na nuca!

Abertos os arquivos soviéticos e alemães, neca sobre a conspiração multitudinária: apenas informações documentais sobre a falsificação nazista de documentos relativos à “traição”, ao igual do também feito pela polícia política estalinista. Cada um por suas razões.

Losurdo maravilha-se que não foi a sede de sangue de Stálin que levou à mortandade, mas razões políticas: possivelmente eliminar oficiais bolcheviques de prestígio que combateram sob as ordens de Léon Trotsky. Oficiais que, entre eles, sussurrariam críticas, que não podiam discutir em um partido comunista aterrorizado. A sorte da família Tukachevsky foi sinistra, como a de tantos outros oficiais.

Oito décadas passadas, nossa homenagem a esses soldados da revolução proletária, que não merecem ter suas memórias enxovalhadas por um assassino de memórias.


Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Domenico Losurdo: Um farsante de sucesso no país dos Tabajaras

dezembro 27, 2019


Domenico Losurdo e sua biografia “Stalin: história crítica de uma legenda negra” foram consagrados no Brasil, o primeiro como intelectual marxista iconoclasta e a segunda como  sua brilhante obra revisionista de mitos históricos consolidados. Não era para menos. O homem propôs fatos totalmente desconhecidos, todos contribuindo para resgatar o papel gentil e progressista do “Pai dos Povos”.


Propõe ou sugere, por exemplo, campanha terrorista contra a URSS -assassinatos, sabotagens de trens, etc.- organizada por Trotsky desde o exterior. Nada, portanto, mais justo do que o massacre de comunistas internacionalistas na URSS pelo estalinismo!

Em quem o homem apoia essa revelação capaz de lançar por terra tudo que já foi até hoje escrito? Nos arquivos do PCUS, agora à disposição dos historiadores? Nos papéis de Trotsky, depositados na Universidade de Harvard? Em algum fundo documental apenas descoberto? Não. Nesse caso, Domenico Losurdo apoia-se essencialmente em um livro do jornalista italiano Curzio Malaparte, Tecnica Del Colpo di Stato, publicado em 1931, em Florença, na Itália fascista! E se esquece, sobretudo, de dizer que o autor, um oportunista e farsante de sucesso, como “fascista della prima ora”, participara da Marcha sobre Roma, e prestara a seguir importantes serviços aos camisas negras italianos.

E o uso oportunista de fontes tão confiáveis como bilhete premiado vendido na porta do banco, não é um deslize [nesse caso gravíssimo] na biografia escrita por Losurdo, espécie de lixeira historiográfica. É a norma. Se a moda pegar, mui logo teremos trabalhos, citando o Olavinho, reconhecidos como obras historiográficas em nosso cada vez mais triste país!

Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Breves reflexões sobre a contrarreforma da previdência de Camilo Santana

dezembro 23, 2019



As lições de Maquiavel e a luta política

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O presente texto constitui um esboço de reflexões pessoais sobre a atual conjuntura e suas conexões com a defesa da Universidade Pública.

Luciano Gruppi (1980), em texto clássico, afirmou que Nicolau Maquiavel (1469-1527) estabeleceu as coordenadas da ciência política entendida como disciplina autônoma, separada da moral e da religião. Nesse sentido, para Maquiavel, o Estado não tem mais a função de assegurar a felicidade e a virtude, como indicava Aristóteles. E, também, não é como afirmava o pensamento medieval, uma preparação dos homens para Reino de Deus. Em Maquiavel, o Estado passa a ter suas próprias características, faz política e segue suas próprias leis.

À tal perspectiva, é preciso acrescentar, que uma análise objetiva de uma situação política remete ao campo das relações de classe. O poder político está vinculado à reprodução de determinadas relações de produção e sua mudança é função da correlação de forças sociais em luta. Logo, a política concreta, não é como imagina a falsa ideologia liberal, um espaço público onde, dentro de normas pré-estabelecidas e respeitadas, as partes em conflito apresentam racionalmente seu ponto de vista na busca das melhores soluções. De fato, a política real e cotidiana é uma luta acirrada de interesses e valores enraizados em classes, frações de classes e camadas sociais.

Desde o golpe de Estado de 2016, passando pelo período Temer e chegando no atual governo neofascista de Bolsonaro, é mais do que evidente que a esfera política se apresenta como uma grande ofensiva contra os interesses e direitos do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras em toda sua diversidade. Nessa perspectiva, constitui-se uma crescente polarização social que distorcidamente se coloca como uma disputa entre o bolsonarismo e o petismo. Entre um projeto fascista e um bloco dirigido por uma estratégia frente populista, de aliança estratégica com setores da burguesia interna e de coexistência pacífica com o imperialismo.

Bem, aqui vem as contradições do petismo, em particular do governo Camilo. Em primeiro lugar, o PT não é um bloco homogêneo, há conflitos entre tendências e projetos.  Além disso, uma coisa é sua direção e outra são os milhões de filiados, ativistas e simpatizantes que estão em diversas frentes de luta. Em segundo lugar, o governo Camilo é petista-cirista. Embora seja um erro confundir Camilo com Bolsonaro, sua perspectiva não atende aos interesses das classes e camadas trabalhadoras. Sua aliança estratégica nunca foi com as necessidades da maioria dos cearenses. Ele governa para a minoria: banqueiros, industriais, latifundiários, burguesia de serviços, oligarquias regionais e alta esfera da burocracia estatal. Nessa perspectiva, Camilo e o bloco de forças que o apoiam vêm seguindo a orientação de Maquiavel: “Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só”. Daí os concursos minguados, o arrocho salarial para os servidores públicos, o sucateamento das universidades públicas, as promessas não cumpridas, a liberação seletiva de recursos. No entanto, para arrancar direitos dos servidores na “deforma da previdência”, o regime de urgência, a repressão, o rolo compressor de 36 votos contra 8.

Diante disso, o que fazer? Primeiro, entendo, que a luta não é moral, a questão não é se o governo e sua base parlamentar é composta de pilantras e canalhas; nem tampouco se são traidores. Camilo e sua base política nunca foi fiel à maioria dos cearenses. Segundo, e penso que é o mais importante, na luta contra a destruição do sistema previdenciário estadual, construiu-se uma unidade entre servidores públicos e vários setores sociais. Uma unidade na luta, diversa, plural, mas que esteve na mesma trincheira, no lado certo. Para 2020 é preciso avançar mais, saber o que queremos, termos uma pauta unificada, definir nossos inimigos e aliados, nos inserirmos no quadro nacional. Reajuste salarial, verbas para as universidades, concursos, revogação da “contrarreforma da previdência”, saúde, educação, moradia, reforma agrária, combate às opressões… tudo isso se entrelaça com a luta pelo fim do governo Bolsonaro e do regime golpista.

Por um 2020 de lutas e vitórias!

Frederico Costa
Professor da UECE - Universidade Estadual do Ceará
Diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-SN
Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário-IMO

Este artigo pode ser encontrado no site do SINDUECE.

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Referências Bibliográficas


GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. 12 ed. Porto Alegre: L&PM editores, 1980.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Miss Universo e a lógica dialética

dezembro 09, 2019


Foto: Paras Griffin/Getty Images/AFP

No dia de hoje, venho falar sobre contradição. Por quê? Zozibini Tunzi foi escolhida Miss Universo, uma mulher negra que apresentou um breve discurso antirracista e feminista no concurso. Há algum tempo, debato-me com a lógica dialética – muito mais na prática do que na teoria, tendo em vista que teoricamente não é uma leitura fácil. Tive acesso a duas posições muito interessantes sobre o tema, uma de Jean Montezuma e outra de Sol Costa. Duas posições que apontam os elementos de contradição que quero colocar aqui. Quero dizer que as duas posições são corretas e que, com elas, tenho acordo.
De um lado, Jean assina uma postagem do Esquerda Online que destaca que, mesmo sendo um concurso de beleza fundamentalmente machista e capitalista, a vitória de Zozibini tem uma importância fundamental: a representatividade, que importa muito para as meninas, meninos, mulheres e homens negros que não se veem nas representações simbólicas do que é belo e bom. Jean tem razão. Por outro lado, Sol Costa, militante marxista e feminista para com quem tenho muito respeito e admiração, lembra que, apesar da significativa representatividade para o movimento negro, o concurso Miss Universo é essencialmente abjeto e, por isso, ninguém deveria ganhar esse concurso, pois ele nem deveria existir.
Acode que o Miss Universo existe, assim como existe o racismo, o machismo e o capitalismo. Espero que, no parágrafo acima, tenha ficado claro a contradição que percebo e sinto na pele, mas que tenho dificuldade de explicar em termos teóricos – ainda tenho muito que estudar para trazer Hegel e Marx e quem for necessário para discutir lógica e lógica dialética. (Quero abrir um parênteses: quando ouço sussurros sobre o academicismo, me revolto, me indigno porque, olha só, a teoria explica a realidade, esta é o critério de verdade daquela). As duas posições são corretas porque ambas são determinações da realidade concreta: se, por um lado, não podemos assumir o Miss Universo como uma trincheira justa para a luta antirracista, ela se tornou essa trincheira quando uma mulher negra, num contexto de avanço do fascismo no mundo todo, fala contra a discriminação em nome de todos e todas que foram e são violentados no mundo.
Independentemente de nossa vontade, o concurso tornou-se palco para isso e mobilizou consciências, se pessoas que o viram se sentiram empoderadas – para usar a palavra da moda. E, se incomodou o conservadorismo burguês e pequeno burguês que alimenta as fileiras fascistas, melhor ainda. Dito isso, pode parecer que estou concordando mais com Jean do que com a Sol, mas não, não é verdade. Porque, se é verdade que a realidade tem múltiplas determinações, é também verdade que há um momento predominante nessas determinações. Aí Sol tem toda razão: o momento predominante do Miss Universo é a objetificação da mulher, a reificação, então, ele nem deveria existir. Mas isso é a essência do Miss Universo, a aparência, em sua imediaticidade, no entanto, é sempre maior que a essência. Convivamos com a dor e a beleza de enxergar contradições.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Links:

sábado, 23 de novembro de 2019

Por que não dialogo com estalinistas?

novembro 23, 2019


Nunca li nada de Jones Manoel. Ao menos, não me lembro. Não opino, portanto, sobre sua produção e eventual adesão ao estalinismo, atualmente em discussão. Falo no geral.

Nos últimos tempos, no Brasil, conhecemos “revival” estalinista, não restrito à juventude. Algumas novas biografias de Stalin, de escassa qualidade, contribuem mas não explicam o fenômeno.

Levanto algumas conjeturas sobre essa tendência no Brasil.  Primeira, a necessidade de não-trotskistas de construirem uma “identidade política”, diante da proliferação de grupos que se reivindicam do marxismo-revolucionário. Alguns grupos, reconheço, com propostas de levantar o Velho do túmulo, de tão estapafúrdias e irresponsáveis.

Segundo e talvez mais determinante. No contexto do refluxo mundial do mundo do trabalho, proliferam as interpretações autoritárias, individualistas, aparelhistas, etc. da história. O “Pai dos povos” é visto como construtor do socialismo na URSS, como o vencedor do nazismo, etc. Nessas interpretações, desaparece o esforço hercúleo dos trabalhadores soviéticos, que carregaram nas costas, enquanto puderam, o peso da casta burocrática.

Contribui igualmente uma enorme - e não raro prepotente - ignorância da história da luta de classes e do comunismo no século 20. Para se informarem sobre essa realidade no nosso país, recomendo a magnífica biografia de Anita Leocádia sobre seu pai e o PCB, nesses anos. Essa brilhante historiadora não será acusada de trotskista!

Não é questão de sectarismo, de falta de espírito democrático. Dialogo com jovens e menos jovens que se reivindicam do estalinismo, ignorando o que defendem. Dou uma de Jesus Cristo e digo aos meus botões: - “Pai perdoai-os, não sabem o que dizem.”

Mas não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotskistas]. Nos últimos anos, Stalin andava mandando pra cova seus seguidores. Beria teria escapado por se adiantar.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que anti-fascistas se abracem a fascistas. Que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista.Nos últimos tempos, no Brasil, conhecemos “revival” estalinista, não restrito à juventude. Algumas novas biografias de Stalin, de escassa qualidade, contribuem mas não explicam o fenômeno.

Levanto algumas conjeturas sobre essa tendência no Brasil.  Primeira, a necessidade de não-trotskistas de construirem uma “identidade política”, diante da proliferação de grupos que se reivindicam do marxismo-revolucionário. Alguns grupos, reconheço, com propostas de levantar o Velho do túmulo, de tão estapafúrdias e irresponsáveis.

Segundo e talvez mais determinante. No contexto do refluxo mundial do mundo do trabalho, proliferam as interpretações autoritárias, individualistas, aparelhistas, etc. da história. O “Pai dos povos” é visto como construtor do socialismo na URSS, como o vencedor do nazismo, etc. Nessas interpretações, desaparece o esforço hercúleo dos trabalhadores soviéticos, que carregaram nas costas, enquanto puderam, o peso da casta burocrática.

Contribui igualmente uma enorme - e não raro prepotente - ignorância da história da luta de classes e do comunismo no século 20. Para se informarem sobre essa realidade no nosso país, recomendo a magnífica biografia de Anita Leocádia sobre seu pai e o PCB, nesses anos. Essa brilhante historiadora não será acusada de trotskista!

Não é questão de sectarismo, de falta de espírito democrático. Dialogo com jovens e menos jovens que se reivindicam do estalinismo, ignorando o que defendem. Dou uma de Jesus Cristo e digo aos meus botões: - “Pai perdoai-os, não sabem o que dizem.”

Mas não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotskistas]. Nos últimos anos, Stalin andava mandando pra cova seus seguidores. Beria teria escapado por se adiantar.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que anti-fascistas se abracem a fascistas. Que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista.

Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Sobre a violência policial na UECE

novembro 20, 2019


Foto: ev

Nos últimos meses, casos de violência policial foram registrados dentro e nos entornos da Universidade Estadual do Ceará contra os estudantes e moradores/as da comunidade. Importante afirmar que a universidade, está localizada no bairro Serrinha, um dos bairros de menores IDHs de Fortaleza, onde o Estado penal atua de forma irrestrito. No entanto, é nesse espaço, também, onde se constrói formas de resistência e de lutas contra tais violências, tornando-se um território de inúmeras potencialidades para a construção de novas formas de relações sociais.

É nessa tensão que a universidade deveria se inserir enquanto espaço de princípio ético norteador, que paute a liberdade, a participação popular e o direito ao espaço múltiplo de formação humana. Mas, tendo em vista a realidade concreta em que a mesma se encontra percebemos como é marcada por forte movimento discriminatório racial, geracional, capacitista, patriarcal, onde alguns podem entrar e permanecer na universidade e outros não, dialogando com uma falsa lógica meritocrática onde fortalece a não ocupação da comunidade nesses espaços. Aqui, é interessante ressaltar,  que o outro está fortemente atrelado a uma ameaça ao patrimônio, como foi repetidamente dito, escrito e analisado no fórum de segurança universitária.

No mês de junho, depois de um São João autorizado, realizado pelo Centro Acadêmico de Educação Física, os guardas que fazem a segurança patrimonial do campus Itaperi usaram da intimidação e força física para coagir estudantes que aguardavam o transporte para casa, dentro dos Centros Acadêmicos. O uso da força foi tamanho que promoveram danos aos patrimônios dos Centros Acadêmicos de Educação Física, Computação e Pedagogia. Além disso, estudantes foram ameaçados de sofrerem processos administrativos, sendo criminalizados por, de acordo com a segurança, “infringir as regras”, estas que foram reforçam estigmas sobre determinados sujeitos.

Na universidade enquanto espaço social, não deixaria de manifestar violências de gênero, de raça e classe, assim como aconteceu no último dia da Semana Universitária, após o fim de um Sarau Estudantil, duas estudantes foram absurdamente agredidas pela segurança, causando danos físicos e psicológicos.

O caso de agressão contra as estudantes deve ser duplamente repudiado, visto que se trata de violência contra mulheres, praticado por homens. Não é de hoje que as estudantes vêm sofrendo diversos tipos de violência nos campi Itaperi e Fátima, sendo este último prejudicado pelo distanciamento físico do Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência, localizado no Itaperi. Este núcleo, inaugurado em 2017, até hoje não conta com o suporte necessário para a realização de suas principais atividades, como equipe exclusiva para plantão de acolhimento às vítimas e orçamento para eventos, palestras, seminários, minicursos e afins. É preciso que a Administração Superior desta universidade entenda que violência contra as mulheres no campus é uma questão de segurança e de assistência estudantil e que política pública não se faz apenas com boa vontade.

O conjunto de medidas de exceção a fim de estabelecer a segurança interna se manifesta também dentro das atividades culturais que estão dentro universidade. A abertura de processos administrativos contra as entidades estudantis e estudantes, com caráter punitivo, para estabelecer exemplaridade, se direciona para um caminho autoritário e seletivo, com o intuito de estabelecer um controle coercitivo sobre os estudantes. Essa política fere diretamente os princípios de autonomia dos Centros Acadêmicos e Diretório Central dos Estudantes, que há anos lutam por respeito e espaço político nas decisões da Universidade, através de representações democráticas. A determinação da Reitoria da UECE de proibir os saraus e afins, para nós, representa uma medida autoritária e vertical, que não contou com a consulta dos estudantes para a aprovação do documento.

Tais medidas como o fim da política de eventos culturais enquanto um dos eixos centrais e ainda a criminalização de qualquer espaço de integração, fere o direito de acesso e produção de cultura de estudantes e moradores da comunidade. Vale ressaltar que a cultura tem suas múltiplas determinações e não cabe a Reitoria da Universidade definir o que é cultura e proibir as manifestações presentes no espaço acadêmico. O funk, o reggae, o forró assim como outros gêneros musicais fazem parte da cultura de resistência da periferia, e nós devemos reconhecer que a Universidade Estadual do Ceará além de estar localizada na periferia, também é lugar de Ensino, Pesquisa, Extensão, mas também de promoção de cultura de resistência, a exemplo dos projetos de extensão desenvolvidos na Universidade, a partir das relações culturais, desenvolvidas no bairro Serrinha.

Acreditamos que a criminalização dos Saraus e Eventos Musicais contribuem para o adoecimento físico e mental dos estudantes, que sofrem com a rotina exaustiva de produtivismo e exigências curriculares, como demonstram pesquisas sobre saúde mental de estudantes universitários.

Outro eixo que a Pró-Reitoria de Administração tem utilizado como finalidade para a proibição dos eventos é o uso de álcool e outras drogas dentro do campus. Ora, não é nítido para a Administração Superior que, historicamente a proibição e a criminalização das drogas têm inviabilizado o acesso dos usuários às políticas de assistência e saúde, além disso, essa política pouco contribui para o não uso, mas contribui diretamente para o aumento da violência e da marginalização da população que faz uso recreativo de substâncias. Acreditamos que essa política de ostensividade policial e/ou penal, adotada pela Administração superior, também é direcionada às camadas mais pobres, marginalizadas e racializadas, partindo de forma racista a juventude negra de periferia. Nos questionamos se a Pró-reitoria de Administração consultou as pesquisas sobre o uso de drogas ou redução de danos para a construção dessa norma da UECE, e a falta de diálogo com estudantes, docentes e profissionais que trabalham/pesquisam na área para elaboração da portaria.

Acreditamos que seja preciso partir da prevenção com formações continuadas e ou núcleos que facilite de forma técnico-teórica sobre o consumo de drogas e de redução de danos, de maneira ética e emancipatória, longe da forma punitiva que contribui e reforça populismos penais.

Por esses motivos, nós, estudantes de diversos cursos e representantes de Centros Acadêmicos, exigimos um pronunciamento oficial da Reitoria, bem como um modelo de segurança universitária que respeite os estudantes e moradores da comunidade, diferente do modelo adotado pela Pró-reitoria de Administração, que autoriza a criminalização, a violência, a coerção e a retirada da autonomia dos Centros Acadêmicos e estudantes em geral da Universidade Estadual do Ceará. Nós, estudantes, consideramos inadmissível que um espaço como a universidade seja reprodutora de tanta selvageria e desrespeito para com as pessoas que ocupam esse espaço: sejam elas estudantes ou moradores da comunidade, que também são impedidos de transitarem pelos campi.

Diante disso, o movimento estudantil da UECE reivindica:
- A revogação do documento que proíbe a realização de festas, saraus e afins sem autorização prévia da PROAD.
- Uma alternativa à política de criminalização e coerção de estudantes e da comunidade, proferidas pela guarda da segurança, autorizada pela PROAD, que respeitem dos direitos humanos e o livre trânsito e permanência de pessoas dentro de seus próprios territórios.
- A construção de Grupos de Trabalho sobre drogas e redução de danos, assim como um equipamento dentro da universidade onde tenha a realização de pesquisas e instrumentais técnicos-operativos humanizados para dar trato a questão, com equipe multidisciplinar de psicólogos/as, assistentes sociais e profissionais da saúde.
- Ampliação do Núcleo de Acolhimento Humanizado às mulheres em situação de Violência - NAH UECE, com a contratação de profissionais com dedicação exclusiva para as atividades de acolhimento, de modo que estes possam ser realizados também no Centro de Humanidades, no Campus Fátima.
- A participação popular nas decisões que dizem respeito ao espaço da universidade, construindo um espaço não alienado do povo, bem como seu acesso não só nas entradas, como também em suas estruturas internas de permanência.

sábado, 2 de novembro de 2019

Há um sentido na vida?

novembro 02, 2019

silhouette photography of person
Foto: Greg Rakozy

A vida não possui um sentido. Melhor, o sentido da vida é viver. Se algum poeta já tiver feito alguma construção desse tipo, perdoem-me, leitores, mas é isso que quero dizer nesse texto desabafo. Como somos seres pensantes, seres de finalidade, queremos encontrar um sentido em todas as coisas. Esquecemos que esse sentido não é anterior, mas é construindo na nossa ação de viver. Nossa vida é o sentido de nossa vida. Não há nada a se encontrar para além daquilo que construímos na nossa jornada. É um grande consolo, porém, pensar que existe outro mundo depois desse – seja ele como for, de acordo com cada crença transcendente.
Estou falando disso porque pensei muito sobre a morte nesses últimos dias. Pensei nela do lado de cá, de quem fica na saudade, mas foi inevitável pensar na minha própria morte e no sentido da minha própria vida. Chico Anysio disse, certa vez, que não tinha medo de morrer, tinha pena de morrer. Concordo demais com essas sábias palavras. A morte significa mesmo o fim; o fim das possibilidades, o fim do sentido da vida. Talvez seja esse o sentimento que temos, mas que não conseguimos colocar em palavras como o brilhante cearense Chico Anysio. Temos medo da morte porque gostaríamos de continuar vivendo, de permanecer convivendo com aqueles que amamos, de seguir errando e acertando na nossa jornada de vida.
Superar a pena da morte não é fácil. Estar diante da possibilidade real de perder alguém que amamos é uma das maneiras mais cruéis de encarar a finitude da vida porque, na verdade, a dor é de quem fica, pois, quem vai não sente mais dor. Se compreendemos que o sentido da vida está na própria vida, poderemos viver mais plenamente e tentar esgotar as máximas possibilidades de nossa existência, assim, encontraremos em cada uma de nossas escolhas, em cada minuto de nossas vidas o sentido de existir que nos é negado.
Nunca dei tanto valor às palavras do barbudo do que quando precisei pensar sobre a morte. O sistema capitalista nos nega o direito à vida e ao sentido dela porque, se não nos vemos seres humanos no nosso cotidiano, nas pequenas coisas do nosso dia-a-dia, nas relações que estabelecemos com os outros, vamos precisar procurar por uma razão de viver que não está no nosso horizonte: um cargo de sucesso, um diploma de doutorado, um casamento milionário, um carro do ano. O sistema capitalista torna nossas vidas um campo de batalha pelo mínimo necessário para viver, assim, transforma a vida numa luta extenuante na qual não vemos sentido porque não nos sentimos felizes.
A possibilidade de poder fazer essa reflexão aqui não é também acessível a todos os seres humanos. Estou nessa posição por uma série de fatos, escolhas, lutas e acasos que me permitiram um nível de consciência para elaborar tais pensamentos. Eu sei que, para a maior parcela da classe trabalhadora, não é possível encontrar o tão desejado sentido da vida, por isso somos presas tão fáceis de todos os tipos de alienação religiosa que nos convence de que não somos donos do nosso próprio destino. 
A tarefa revolucionária tem um papel fundamental nisso, na possibilidade de que possamos encontrar sentido nas pequenas coisas de nossa vida, no fato de sermos seres humanos, no fato de existirmos e de construirmos o sentido de nossa própria existência.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A história não tem fim

outubro 17, 2019



70 ANOS DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA E O SOCIALISMO COMO HORIZONTE CIVILIZATÓRIO

A queda do Muro de Berlim em 1989 – fato histórico que inspirou os Scorpions a escreverem “Wind of Change” [1] – assim como o último suspiro da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) deram substância para que Francis Fukuyama, democrata liberal convicto, publicasse em 1992 o livro “O Fim da História e O último Homem”. Na coesão do texto, Fukuyama postula que a democracia liberal oxigenada pelo capitalismo seria a única alternativa para as sociedades humanas. Por conseguinte, não haveria mais no mundo espaço para países coletivistas que fundamentam a sua economia na planificação e no controle social da produção. Triste engano.

Quando o mundo assistiu na noite de 25 de Dezembro de 1991 a troca das bandeiras da URSS pela da atual Rússia – reportagem que no Brasil foi transmitida pelo Jornal Nacional, cujo o correspondente em Moscou era, na época, Pedro Bial – enquanto a democracia burguesa, alicerçada na exploração do homem pelo homem, se mostrava como única alternativa viável à civilização, de alguma maneira a mídia global deixou de perceber que, apesar da queda da muralha de Moscou, a estrela de Pequim brilhava incandescente e que, naquele passo, fazia a economia chinesa crescer em, média, 10% ao ano: uma conquista revolucionária de todas as perspectivas possíveis.

E foi no último dia 01 de Outubro de 2019 – data em que também se comemora o Dia Nacional da China – que a China comunista completou 70 anos da revolução liderada por Mao-Tsé Tung em 1949. Naquela quadra histórica, o processo revolucionário chinês contou com o indispensável apoio do gigante soviético então liderado pelo, outrora Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Joseph Stálin. Inclusive, o apoio soviético à China de Mao garantiu a realização do primeiro projeto nuclear chinês, conquista imprescindível para quem acabara de fazer uma revolução social e estava sob a mira de lobos imperialistas.

A despeito disso, toda revolução é única, tem suas idiossincrasias e carrega consigo o presente histórico nacional, o desenvolvimento das forças produtivas e se materializa como uma autêntica luta de classes. Nessa perspectiva, tanto Lenin como Mao foram iconoclastas no que diz respeito à interpretação das condições materiais e históricas para a eclosão da Revolução do Proletariado. Enquanto o Mouro [2] Marx defendera no século XIX que a Revolução só triunfaria com o esgarçamento do modo de produção capitalista via o avanço das contradições das forças produtivas, portanto em condições de pleno desenvolvimento econômico, Vladimir Lenin e Mao-Tsé Tung foram a ponta de lança de revoluções operárias em dois países marcados pelo atraso. E o custo disso foi considerável.

Na República Popular da China (RPC), com o intuito de dinamizar a economia, Mao arquiteta o “Grande Salto Adiante”, projeto que realizou uma plena Reforma Agrária no território chinês que logrou grande custo humano. O baixo desenvolvimento das forças produtivas dali fez com que a produção agrícola não fosse suficiente para alimentar toda a população, causando o que ficou conhecido como “Grande Fome”. O cenário muda quando em 1978 Deng Xiaoping, então Secretário Geral do PC chinês, se torna o presidente da China continental e dá fôlego ao programa “Reforma e Abertura”, que legalizou a presença de Investimento Externo Direto (IED), da iniciativa privada no país e de relações capital-trabalho. O modelo ficou conhecido como Socialismo com Características Chinesas e assim continuou sob o comando dos dirigentes posteriores a Xiaoping: Juane Zemin, Hu Jintao e, o atual presidente, Xi Jinping.

Com essa forma de conduzir sua Revolução, a China apresentou taxas de crescimento formidáveis durante três décadas e hoje é a segunda economia do mundo. Com altos níveis de exportação de produtos ricos em tecnologia, no presente momento o país desenvolve políticas voltadas para a expansão do seu mercado interno por meio, principalmente, da valorização da produtividade do trabalho. Outro legado da Revolução Chinesa foi a capacidade que a mesma teve de alfabetizar a sua população que, em 1990, já contava com 90% da nação alfabetizada. A China também conseguiu tirar da pobreza mais de 800 milhões de pessoas, o equivalente a 57,72% da sua população atual. No campo militar, a China caminha para ser a maior potência bélica do mundo já em 2025, ano em que também supera a economia dos EUA, completa 76 anos de Revolução e se torna a Revolução Proletária mais duradoura da história.

Apesar de ter colaborado com a vitória do Vietnã e da Coréia do Norte durante a Guerra Fria, no momento a China não tem interesse de exportar sua Revolução, o que paradoxalmente lembra a política encabeçada por Stálin do socialismo num só país. No campo externo, a RPC tem estreita relação com a Rússia de Putin tanto no que diz respeito ao fornecimento russo de equipamento bélico quanto no que se refere às estratégias geopolíticas [3]. Com desenvolvimento cada vez mais palpável, o gigante asiático é hoje o centro das atenções e qualquer alteração da sua dinâmica econômica pode instabilizar o sistema capitalista global. Com mais de um quinto da população mundial, a RPC tem garantido condições dignas de vida para o seu povo com direito à educação, saúde e segurança.

Além da China, outros cinco Estados adotam uma práxis socialista. São eles: Cuba, Coreia do Norte, Vietnã, Laos e Transnístria. Para a América Latina, a Cuba de Fidel representa, até hoje, um símbolo de resistência contra o imperialismo Yankee [4]. O legado da Revolução Cubana de 1959 contempla desde a alfabetização da população à exportação de médicos para causas humanitárias além de apresentar consideráveis taxas de desenvolvimento humano. Mesmo com dificuldades econômicas em grande parte provocadas pelo embargo norte-americano de 1962 sancionado pelo então presidente John Kennedy, Cuba segue resistindo as ofensivas imperialistas. Atualmente, Cuba é presidida por Miguel Díaz-Canel, primeiro presidente nascido após a Revolução de 1959 – mesma singularidade de Xi Jinping na China.

Dadas as considerações supracitadas, apreende-se que a esperança no socialismo não foi de nenhuma maneira ofuscada, o que impele a reflexão sobre uma alternativa econômica para o Brasil que se encontre para além do capital.

Ao contrário do que pensa a ofensiva conservadora oriunda de setores da direita, o Brasil nunca viveu, nem remotamente, uma práxis socialista. Os ensaios revolucionários brasileiros nunca passaram de focos de guerrilha rural, duramente reprimidos pela Ditadura Militar, e de um movimento urbano que pouco ganhou matéria além de alguns sequestros de embaixadores e do Manual de Marighella [5]. Passada a repressão, parte dos revolucionários dos Anos de Chumbo se enfileiraram no Partido dos Trabalhadores (PT) que, no seu estatuto [6], defende um Socialismo Democrático e de massas. Ao eleger dois presidentes – Lula, hoje preso político nos cárceres de Curitiba, e Dilma Roussef, destituída do cargo por um golpe parlamentar, jurídico e midiático – o PT ensaiou a sua proposta que resultou na democratização do ensino superior público, retirada de milhões de famílias da linha de pobreza e crescimento econômico com pleno emprego, o que dá margem para um resgate desse modus operandi nas próximas eleições.

Para todos os efeitos, além de continuar mais vivo do que nunca, o socialismo se apresenta como a única alternativa civilizatória para a humanidade. Enquanto a China cresce e Cuba resiste na América Latina, o horizonte operário se vislumbra num futuro de esperança. Nesse momento, a ordem é lutar contra todo ataque funesto das classes dominantes fascistas e seguir o exemplo dos camaradas do passado sempre lembrando que cada revolução tem sua particularidade e seu tempo de consolidação acompanhado de triunfo humanitário. Destarte, a esperança é vermelha.


Hasta la victória siempre!

Jackson Rayron Monteiro
Economista, músico e membro do
Diretório Municipal do PT, Pau dos Ferros/RN






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[1] Vide SCORPIONS. Wind of Change. Mercury Records, 1991.
[2] Pseudônimo pelo qual Karl Marx era chamado pelo seu círculo de amigos. Vide KONDER, L. Marx Vida e Obra. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
[3] Vide MARIGONI, G. Um século depois, para onde vamos? Jornal dos Economistas, 2017.
[4] Substantivo que faz referência ao imperialismo dos EUA. Vide TAIBO II, I. Hernesto Guevara, Também Conhecido como CHE. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
[5] Vide MARIGHELLA, C. Manual do Guerrilheiro Urbano. Lisboa: Assírio & Alvim, 1975.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Bolsonaro na ONU: Dez pragas da extrema direita brasileira

setembro 25, 2019



Foto: ONU

O dia 24 de setembro é um marco na luta de classes no Brasil. Bolsonaro vez um discurso a sua altura e de seu projeto político. A primeira impressão de sua fala: grotesca, insana, vergonhosa, incoerente, fanática, neofacista. Tudo isso é correto. Mas, é preciso ir além porque esse indivíduo tosco, que ganhou fraudulentamente as eleições, tem o apoio da cúpula das forças armadas, a maioria do Congresso Nacional, a estrutura do judiciário nas mãos, a complacência dos grandes meios de comunicação e ainda está com a iniciativa política e milhões de simpatizantes. 
Os trabalhadores encontram-se na defensiva, embora haja uma tendência crescente à polarização política devido ao aprofundamento da crise econômica e social. Daí as defecções e divisão entre as hostes bolsonaristas, o crescimento de golpistas arrependidos e a pressão por uma “frente ampla” até com o PSDB. 
Mesmo nesse contexto de disputa, Bolsonaro resolveu apresentar seu projeto que unifica o amálgama político que constitui seu bloco de poder. Aqui se destacam alguns pontos: 
1 – Ao afirmar um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo, Bolsonaro não identifica com isso os altos lucros alcançados pelas diversas frações da burguesia ou do imperialismo. “Socialismo” para o atual governo são as parcas conquistas para a maioria da população brasileira no ciclo petista de “neoliberalismo desenvolvimentista”: recuperação do salário mínimo, novas universidades e institutos federais, avanços na legislação para os setores mais frágeis da sociedade (mulheres, crianças, negros, indígenas, LGBTs). 
2 – A crítica a Cuba não é a uma suposta ditadura, mas à permanente lembrança dos resultados positivos trazidos pelo rompimento com o imperialismo estadunidense, pela expropriação da burguesia e do latifúndio. Cuba exporta médicos e possui um sistema de saúde e educação superior aos países da América Latina, em particular o Brasil. 
3 – Defendeu a Ditadura Militar (1964-1985) – civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade -, que torturou, assassinou, retirou direitos sociais e democráticos, semeou a corrupção e deixou o país em uma profunda crise econômica. 
4 – Atacou a Venezuela, como fiel mascote dos EUA: a Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo. Bolsonaro colocou-se como cúmplice do cerco e da pressão contra a soberania a nacional, por parte do imperialismo, do país que detém 17,9% das reservas comprovadas de petróleo no mundo. 
5 – Em relação ao meio ambiente e à Amazônia, mentiu descaradamente e criticou a ciência: É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo. 
6 – Revelou para todos a sua face genocida em relação aos indígenas: Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse. Indicando que o objetivo do seu governo é avançar sobre as riquezas presentes nas reservas indígenas: Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros. 
7 – O “patriota” de Trump afirmou-se como fiel guardião da posição subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho: Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor. 
8 – Alinhou-se com uma das maiores fraudes judiciárias do mundo, defendendo a prisão política do ex-Presidente Lula e o golpe de Estado: Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto. Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o Dr. Sérgio Moro, nosso atual Ministro da Justiça e Segurança Pública. 
9 – Sintonizou-se com a superexploração do trabalho e retirada de direitos sociais: No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo, diminuindo o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e, em especial, pelo exemplo. 
10 – Por fim, entre outros absurdos, revestiu seu projeto nacional e antipopular com as vestes surradas do fanatismo religioso e de uma mítica família patriarcal, identificando os direitos à educação e à cultura como “ideológicos”: A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas. A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família. Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica. O politicamente correto passou a dominar o debate público para expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação, pela repetição de clichês e pelas palavras de ordem. A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu. 
Eis uma síntese do que a permanência do governo Bolsonaro significa para a maioria da população brasileira. Uma verdadeira política de terra arrasada, ditadura, subserviência ao imperialismo estadunidense, superexploração, racismo, genocídio, preconceito e obscurantismo religioso. Não há alternativa: ou o Brasil, ou o Governo Bolsonaro!

Frederico Costa
Professor da UECE - Universidade Estadual do Ceará
Diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-SN
Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário-IMO

Este artigo pode ser encontrado no esquerdaonline e no site do SINDUECE.