quarta-feira, 29 de abril de 2020

Eu que apenas me contradigo

abril 29, 2020


Não tinha percebido que o tempo havia decorrido tão rapidamente. E nestas noites de forte calor, tenho refletido sobre coisas que absolutamente ainda me incomodam. Mesmo que eu tivesse usufruído o sabor do último beijo, nunca imaginaria que a primeira despedida seria o fim do que nunca tinha começado. Começado a lhe amar. Qual amor que não se realiza por falta de coragem em dizer: te quero. Isso seguramente, não faz mais nenhum sentido, e ainda que fizesse, para mim seria cheio de vazio e incertezas. Procuro me acostumar com sua ausência, embora minha necessidade de solidão seja mais pungente do que sua lembrança mórbida. E assim, passei o resto da semana subjugado a um passado que se petrificou numa amarga saudade impertinente. Tenho lutado desesperadamente para superar essa aflição, mas toda vez que tento resistir, inevitavelmente, saiu derrotado. Já não consigo mais lutar. Tudo torna-se uma inglória aspiração por uma paixão morta.
         Ando escarnecendo de mim mesmo para aplacar a desolação de minha consciência pesada. Não cometi crime algum, mas padeço de minhas próprias angústias intermitentes. E neste tormento de furor e cansaço, mal vislumbro meu futuro já derrogado. Eu sempre insisti em me manter sóbrio para pensar nas minhas insistentes desilusões. Ainda assim, depois de naufragar num fosso raso, eu me refaço em gestos e atitudes incomuns. Incomuns com o destino e os desafetos. Mas muita coisa pode mudar daqui pra frente, sobretudo com relação àquilo que me faz falta. Na verdade tento me acostumar a não viver exausto de mim mesmo. Em muitas ocasiões prefiro me sentir como se outra pessoa ocupasse meu lugar. Lugar não delimitado onde as fronteiras entre o pensar e o sentir se misturam indistintamente, e isso, decerto, me causa sensações de regozijo e desânimo.
         Nenhuma paz é suficiente para suplantar minha inquietude essencial, meu desejo de discernimento é voraz e não cabe em meias palavras de silêncio ou solidão. Eu mesmo às vezes me sinto impelido a ter que aceitar que sou uma pessoa desprendida de detalhes. Digo o que penso apenas em situações nas quais percebo uma distância necessária entre eu, os outros e meus enganos. Ultimamente tenho me dedicado com afinco a pensar profundamente na imensidade do meu nada, ou seja, naquilo que talvez represente meu aspecto mais singular, meu êxtase em noites prolongadas. A bem da verdade, não suporto fingir meus fracassos. A razão maior que tem me levado a acreditar que nenhuma esperança é razoável, é o fato de saber lucidamente que não há esperança alguma. O universo é infinito, sempre existiu e só há um fim último para a humanidade, de resto, tudo é possível para quem não crê.
         De muitas maneiras obstrui meu destino. E o que posso afirmar é que até agora, minha desolação é um mal necessário. Não um mal que me destroça, mas um ocaso que me joga no covil comum da existência. Não quero uma disputa em vão com a vida. Quero acima de tudo me expressar numa linguagem verossímil. Não quero retardar o presente, quero resgatar um passado possível com todos os seus infortúnios, derrotas e redenções. Talvez tenha escolhido seguir pelos caminhos errados, mas encontrei em amplos desertos minhas veredas imprevistas. E como não me projeto em nenhum abismo visível, só encontro motivos para dizer que a última parada é a primeira estação de inverno. O frio e a saudade constitui uma sinfonia sem hora pra acabar.
         E assim, nada permanece como está. E eu que imaginei por vezes estar longe de toda obsessão de amar, me transcrevi numa tormenta de mil poemas. Rabisquei minha história no derradeiro sol poente, e nas águas turvas de minha memória subterrânea, aniquilei meu indesejável desgosto. Prefiro esquecer o que não me provoca dor. Tenho razões pra querer somente aquilo que suscita em mim paradoxos. E se ando assim meio perplexo, é porque a vida é melhor do que a solidão dos sábios. Eu é que não quero insistir naquilo que não me convém. E toda manhã eu subjugo a mim mesmo. Saboreio um café sem pensamentos e sinto o quanto a vida é fascinante e sem enigmas. Apesar de tudo, eu sinto que este descaso com minhas próprias ideias é uma necessidade inelutável de me reconfortar com o dia que apenas começa.


Por Antonio Marcondes
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A expansão do controle social e um novo ciclo de acumulação estão germinando da pandemia

abril 29, 2020


Estamos na transição para um outro ciclo de acumulação capitalista, um fenômeno relativamente novo, um ciclo que nasce através da maior catástrofe planetária desde a segunda guerra mundial. A impotência do capitalismo diante do Covid-19 vem criando muitas expectativas de que a tragédia seria um momento de renovação, que se abriria um período mais solidário, de capitalismo keynesiano, de estatizações, renda básica universal.     As ilusões na regeneração do capitalismo pós-coronavírus têm como base material as medidas emergenciais tomadas por uma série de governos.
Essa foi e continua sendo a euforia de amplos espectros da intelectualidade de esquerda. Acredita-se que tudo isso seria possível sem uma luta tenaz da classe trabalhadora para impor um recuo na ofensiva burguesa, ofensiva que tem na sua vanguarda uma série de governos de extrema direita e filofascistas.

Intensificação do Trabalho e a Compressão dos Salários

   Estabelecida a pandemia mundial, a lumpenização das camadas mais populosas do proletariado parece ter se tornado o plano das classes exploradoras. Os miseráveis pacotes de ajuda econômicas para trabalhadores informais, por alguns meses, apontam isso. Vale lembrar que a informalização é uma política predominante no mundo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (2015), 60,7% da força de trabalho mundial não possui vínculos trabalhistas. Em muitos países, como no Brasil, a informalidade chega a metade da força de trabalho. Em outros países da Ásia, Africa e América Latina, a informalidade é ainda maior.
   Durante a pandemia, o auxílio do governo Bolsonaro aos trabalhadores informais estabelecido foi de R$ 600,00, aproximadamente 100 dólares. Inicialmente Bolsonaro cogitou pagar 35 dólares, ou 200 reais. Em outros países, como a Tailândia, chega a 170 dólares por mês. O que é ainda muito pouco porque é bem menos que a média salarial dos próprios países. Por sua vez, essa própria média costuma ficar abaixo das necessidades vitais de uma família de trabalhadores. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Brasil, em março o salário mínimo necessário deveria ser de R$ 4.483,20 (aproximadamente 780 dólares).
   O desespero de amplas parcelas da classe trabalhadora por conseguir receber a miséria de 600 reais, supera em duas ou três vezes o número de inscritos esperado pelo governo. 600 reais é pouco mais do que a metade dos R$ 1.045,00 de salário mínimo obrigatório para os trabalhadores formais. Passada a quarentena, com desemprego e subemprego bem maiores do que os atuais, que atingem, respectivamente, 13 e 30 milhões de trabalhadores, a classe trabalhadora é induzida a acostumar-se a sobreviver com metade ou menos do salário que recebia antes da pandemia.
   Cria-se então um novo piso salarial mínimo, rebaixado, formal ou informalmente, porque em tempos de calamidade a anarquia capitalista aumenta. Os salários são comprimidos abaixo de seu valor, para o conjunto da classe e, em cada vez mais amplos setores, também pelos novos aplicativos tecnológicos.
   Mais uma vez, aprofunda-se a superexploração da classe trabalhadora, sobre a qual escrevera Ruy Mauro Marini, quando os salários pagos são inferiores ao valor da força de trabalho, impedindo que essa classe se reproduza em suas condições normais. Também se aprofundará o grau de exploração do trabalho por novas ferramentas tecnológicas que prolongam a jornada e ocupam ao máximo os momentos do dia e da noite dos trabalhadores, agora com o trabalho também em casa. A intensificação do trabalho e a compressão do salário abaixo de seu valor são duas causas contra arrestantes para a queda da taxa de lucros, já apontadas por Marx em O Capital, utilizadas pelos capitalistas para evitarem ou saírem das crises há mais de 120 anos. De lá para cá, mediada pelas conquistas e derrotas da maioria explorada, a exploração e seus mecanismos se tornaram mais complexos. Obrigada a sobreviver e se adaptar com rendimentos bem abaixo do mínimo vital, a barbárie conduz a maioria dos seres humanos a viverem como uma sub-raça humana.

Fatalismo e Intencionalidade de Classe

   Esse elemento perverso da superexploração do trabalho se combina com suspeitos procedimentos sanitários para o SARS-CoV-2. Por exemplo, o da suposta “imunização em massa”, adotado explicitamente pela Grã Bretanha até o momento em que o próprio primeiro ministro também contraiu a virose. A minimização da gravidade do problema, o descaso consciente, a negligência e o fatalismo com a perda de milhares de vidas, sobretudo da população trabalhadora, revela certa dose de intencionalidade. A pandemia, que vitima de forma desigual as classes sociais, é usada, objetivamente, como uma arma da guerra de classes. Se deseja sobreviver e viver, a classe trabalhadora de modo algum pode aceitar as previsões fatalistas de seus inimigos como “normal”, “inevitável” o elevado número de mortes. A classe não pode passivamente admitir seu padecimento e extermínio.
Falta razão e sobram ilusões nos que esperam que esses governos e Estados burgueses venham realizar medidas favoráveis a maioria da população. Essas ilusões se tornam verdadeiras alucinações diante do salve-se quem puder da nova crise financeira e da competição por quem parte na frente no novo ciclo de acumulação de capital. Foram esses governos e Estados que tornaram tão vulneráveis as condições de vida das massas laboriosas, com medidas ultraparasitárias contra as classes subalternas (eufemisticamente chamadas de neoliberalismo). A maior prova disso foi o colapso de quase todos os sistemas de saúde nacionais em menos de dois meses da nova virose.

Brutalismo, Coronocracia,...

   Achilles Mbembe, que cunhou o termo “necropolítica”, já apontava antes da pandemia que caminhávamos para regimes que ele chamou de “Brutalismo”. Esse é o título de sua obra lançada no início de 2020. Segundo o filósofo camaronês, o projeto final do “Brutalismo” seria a transformação da humanidade em matéria e energia, quando todas as esferas da existência são transpassadas pelo capital e o ordenamento da sociedade é definido por uma mesma orientação de computação digital. Se ele está correto, a pandemia representa um salto ou uma aceleração nesse estado de coisas. Muitos analistas em todo mundo, provavelmente entre os primeiros esteve o jornalista Eshrat Mardi, do Tehran Times, têm usado o termo “Coronocracia” para se referir as medidas repressivas e centralizadoras.
   O governo de Israel, no Estado que já possuía um caráter nazi-sionista contra os palestinos, encabeçado pelo o arqui-corrupto primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que enfrentaria julgamento por corrupção, aproveitou-se do momento para estabelecer medidas que ampliam a vigilância sobre os cidadãos, fechou, oportunamente, os tribunais (o Supremo Tribunal Federal israelense), ampliou a repressão sobre os palestinos, sem permitir qualquer ingerência, instituiu que o Exército sionista é a autoridade sanitária máxima, acima do Ministério da Saúde.
   Na Hungria, Viktor Orbán passa a governar por decreto, criou um estado de emergência por tempo indefinido e ameaça com prisão de até cinco anos a quem publicar informações que contrariem as orientações do governo, que “obstruam ou evitem a proteção eficaz da população”.
   No Peru, o Congresso aprovou uma lei que dá salvo-conduto a policiais e militares que ferirem ou matarem pessoas sob a justificativa de infração das ordens de isolamento social. Algo similar ao tal “excludente de ilicitude” para policiais, defendido pelo ex-ministro Sérgio Moro e por Bolsonaro. Os agentes da repressão teriam plenos direitos a executar a população sob justificativas subjetivas como a de “surpresa, medo ou violenta emoção”. Trump fez um giro de 180 graus, do desdém com a pandemia para definições como: “absolutamente crítico”, “inimigo invisível, incrível”. O presidente dos EUA recomendou uma injeção de desinfetante no corpo seria benéfica para matar o covid-19. Desesperadas e ignorantes, dezenas de pessoas seguiram a recomendação de Trump. O centro de controle de envenenamento de Nova York recebeu 30 chamadas relacionada ao uso de desinfetante nas 18 horas seguintes à sugestão do presidente.
   Quando trabalhadores se fragilizam, seus inimigos de classe, os patrões, arrancam-lhes o couro. Sem uma resistência organizada e vitoriosa dos povos oprimidos e da classe trabalhadora, as perspectivas apontam para um estágio severo da barbárie que vivemos. A situação da classe trabalhadora, que já era precária, agora é globalmente catastrófica. A “nova grande depressão” (terminologia do jornalista Pepe Escobar) vem fechando milhões de empresas. O desemprego disparou. Segundo as estimativas otimistas da OIT 25 milhões de empregos serão perdidos. Mas só nos EUA, cujo governo Trump comemorava o “pleno emprego”, já chega a quase 20% de desempregados. Se isso é assim no país mais rico do planeta, como será nos demais? Mesmo a França, representante do sexto poder econômico mundial, foi incapaz de defender seus cidadãos do vírus, já morreram 23 mil franceses, 10% de todas as mortes do mundo pelo covid-19 até o momento.
   Nesse quadro depressivo e de oferta da mercadoria força de trabalho há uma queda brutal dos salários dos trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos. Todavia, são muito, muito piores, as perspectivas de barbárie para os precarizados de toda ordem, imigrantes, mulheres.
   Os governos vêm se aproveitando da pandemia para impor verdadeiros estados de sítio contra as massas, para escraviza-las e para aumentar o controle social preventivo diante de rebeliões latentes. Todos sabem que o povo pobre e explorado está sendo arrastado rapidamente para uma situação de luta desesperada pela vida. Assim, as medidas populistas não regeneram os sistemas de saúde nem recompõem as condições de vida da classe trabalhadora. De fato, o capital se aproveita da queda brutal das condições de vida do trabalho para exterminar uma parte do exército de desempregados excedente, militarizar a vida social e ampliar o Estado policial.

O Manifesto “Antiautoritário” dos Neoliberais

   Nesse cenário, cerca de 150 intelectuais neoliberais, oportunistas de direita, em uma lista encabeçada por ex governantes, aspirantes a voltar ao governo de seus países na região ibero-latino-americana lançou o manifesto “Que la pandemia no sea un pretexto para el autoritarismo”, organizado pela "Fundación Internacional para la Libertad" (FIL), presidida por Mario Vargas Llosa, ex-escritor de esquerda, convertido em político neoliberal do Perú. O manifesto também foi assinado pelos ex-presidentes da Espanha (Aznar); Argentina (Macri), México (Zedillo e Vicente Fox); Colômbia (Uribe); Uruguai (Lacalle e Sanguinetti); El Salvador (Cristiani) e Paraguai (Franco). Segue-se uma lista de empresários, economistas, e instituições golpistas como o Instituto "Mises" do Brasil ou do venezuelano “Vente”, um partido de oposição que tenta sem sucesso dissociar sua imagem do narcotráfico.

O manifesto critica:

   “En lugar de algunas entendibles restricciones a la libertad, en varios países impera un confinamiento con mínimas excepciones, la imposibilidad de trabajar y producir, y la manipulación informativa [...] han suspendido el Estado de derecho e, incluso, la democracia representativa y el sistema de justicia [...] en las dictaduras de Venezuela, Cuba y Nicaragua la pandemia sirve de pretexto para aumentar la persecución política y la opresión”.
   Obviamente que se trata de um clube de cartas fora do baralho. Macri, por exemplo, está muito longe de voltar a ser presidente da Argentina. Nessa e na próxima encarnação. Mas, quem sabe? Muita coisa tende a mudar (para pior) no pós-pandemia. Além do perfil dos assinantes, o texto não deixa dúvida de que não passa de um manifesto de capatazes dos EUA, e, mais provavelmente, da fração da burguesia imperialista enquadrada dentro do Partido Democrata. No texto do manifesto neoliberal, os governos nacionalistas como Venezuela e Nicarágua, e o Estado operário cubano são atacandos como ditaduras. Nenhuma citação as verdadeiras ditaduras, instituídas por golpes de Estado no continente latino americano, como recentemente ocorrido na Bolívia, onde as eleições presidenciais foram suspensas por tempo indeterminado muito antes do início da pandemia.
   Esses senhores, como Aznar, e seus partidos, como o PP, foram escorraçados do poder pelo desgaste político junto a população de seus países, devido as suas políticas de opressão neoliberal e de saqueio do Estado, privatizações e programas de desvios de recursos públicos para as máfias privadas, das quais eram representantes políticos. Foram os principais responsáveis por vulnerabilizar os sistemas de saúde e as condições de vida das massas laboriosas, agora semi-indefesas diante da pandemia. Agora, esses mesmíssimos senhores, tentam se apresentar como alternativa aos atuais governos, pegando carona na insatisfação popular que sabem que vai explodir em breve.
   A direita tradicional reorganiza-se em nome das liberdades democráticas e civis e contra o autoritarismo. O autoritarismo crescente de fato é um movimento oportunista de vários governos por centralizar poder político. Bolsonaro mobiliza sua base neonazista e ameaça com o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do parlamento (como Benjamin Netanyahu fez em Israel) mas por sua fragilidade política não vem tirando todo proveito possível do momento para suas aspirações ditatoriais. Assim como o manifesto, o bolsonarismo é contra a quarentena e acusa aos que a defendem medida contra a pandemia de "conspiradores para impor uma ditadura globalista comunista". Bolsonaro poderia tranquilamente também assinar esse manifesto neoliberal encabeçado por Vargas Losla. Mas, certamente a maioria dos assinantes não desejariam a adesão do neonazista brasileiro por não quererem ser rotulados de autoritários e porque exatamente ao executar o programa político e econômico do manifesto, tornou o Brasil o novo epicentro mundial da pandemia.
   Distintas frações burguesas disputam a barbárie que resultar da associação pandemia-crise econômica. Cada fração se relocaliza, elabora o programa estratégico que lhe for mais conveniente, move-se, rearticula-se e faz a agitação correspondente a sua estratégia. A maioria da população mundial, as principais vítimas desse processo, precisamos realizar movimentos semelhantes, mas no sentido inverso, contra as classes exterminadoras e pela humanidade.
   A tragédia já está acontecendo, dela não temos dúvida. A pergunta agora é o que fazer da tragédia que o sistema mundial do capital nos meteu. De um lado, a morte, a superexploração e a opressão brutais. Do outro lado, a luta revolucionária pelo socialismo, pela sobrevivência e por uma vida digna para a maioria.


Érico Cardoso
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A totalidade como um fundamento constitutivo do método de Marx: a interpretação de Lukács em História e Consciência de Classe

abril 29, 2020



Em História e consciência da classe, Lukács assinala de forma pontual que a categoria da totalidade constitui a essência do método de Marx. Posto que:

Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essência do método que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma ciência inteiramente nova (LUKÁCS, 2003, p. 105, em negrito nosso).

            O método dialético de Marx é concebido, dessa forma, em oposição à “ciência burguesa”. O primado da totalidade sobre as partes que a compõem é o exato oposto desta ciência que apreende os fatos sociais apenas em seus aspectos fenomênicos fragmentados. Nesse sentido, a possibilidade de apreender a totalidade em seus fundamentos concretos resulta do ponto de vista da classe com base numa dialética materialista. De acordo com Celso Frederico (2013, p. 64) esta foi a solução encontrada por Lukács para dirimir a questão “filosófica do sujeito do conhecimento”, que não se refere mais ao “sujeito transcendental” de Kant, “[...], expressão teórica da divisão do trabalho que manterá irresoluta a antinomia entre o sujeito e objeto, e nem do místico Espírito Absoluto de Hegel, que ‘resolve’ as contradições no plano abstrato”. É o proletariado, portanto, o sujeito coletivo capaz de engendrar uma verdade que não se coaduna mais com a “contemplação” e “exterioridade” em seu processo de movimento revolucionário histórico-concreto.
            O fundamento do argumento de Lukács está pautado na premissa de que “a ciência proletária é revolucionária”, não apenas por contradizer a sociabilidade burguesa com conteúdos revolucionários, mas, principalmente em virtude da “essência revolucionária” do método do materialismo histórico. Porque, assevera Lukács: o domínio da categoria da totalidade é o portador do princípio revolucionário da ciência. Isso é um princípio revolucionário da dialética hegeliana, mas que só vai se tornar efetivamente revolucionária com Marx. Todavia, essa transformação revolucionária da dialética hegeliana, não se deu apenas nos termos de uma “inversão materialista”. Pelo contrário diz Lukács, “o princípio revolucionário da dialética hegeliana só pôde se manifestar nessa inversão e por meio dela porque a essência do método, isto é, o ponto de vista da totalidade”, bem como a consideração de todos os fenômenos parciais como aspectos do todo, “do processo dialético”, que é assimilado como unidade do pensamento e da história, foi conservado (LUKÁCS, 2003, p. 106, itálico nosso). Com efeito, o método dialético em Marx busca o conhecimento da sociedade como totalidade.
            Assim, o tratamento que o filósofo húngaro dedica à questão da totalidade encontra substrato na crítica da “ciência burguesa”, enquanto um campo científico que confere a realidade um certo “realismo ingênuo”, baseado em abstrações que não pertencem ao cerne da filosofia, são necessárias apenas do ponto de vista metodológico e são resultados, de uma lado da “separação prática” dos objetos da pesquisa e, de outro, “da divisão do trabalho” e da “especialização científicas”. O marxismo, afirma Lukács, “supera” essas divisões e separações “elevando-as” e “rebaixando-as” à condição de categorias dialéticas. No âmbito do marxismo, não existe uma “ciência jurídica”, “uma economia” ou “uma história” autônomas, mas propriamente, uma “ciência histórico-dialética”; uma unidade de pensamento e história; de sujeito e realidade pautada na compreensão da sociedade como totalidade. Sujeito e objeto estão constituídos numa interação dialética; determinados de forma recíproca pelo ponto de vista da totalidade. A “ciência burguesa” costuma considerar, de maneira “ingênua”, “consciente” ou “inconscientemente” os fenômenos sociais a partir da perspectiva do indivíduo, tão somente. Essa perspectiva não consegue atingir nenhuma totalidade. E quando muito só pode alcançar aspectos de um domínio parcial e fragmentário, desconexo e leis abstratas. Mais uma vez aqui podemos compreender o quanto Lukács começa avançar a partir de História de consciência de classe rumo a uma concepção de totalidade no sentido objetivo (ontológico). Fica patente aqui também a dupla determinação desta categoria.
            A totalidade para ser determinada, precisa também que o sujeito que a determina, seja “ele mesmo” uma totalidade. E para que o sujeito consiga compreender a si mesmo, nesse sentido, ele tem que fundamentalmente, pensar o objeto de sua investigação como totalidade. E no contexto desse postulado teórico-metodológico, são as classes que configuram esse ponto de vista da totalidade como “sujeito da sociedade moderna”. Lukács toma como referência para refutar a vulgarização do marxismo, o pensamento de Rosa Luxemburgo, em A acumulação do capital. E ele discute a questão nos seguintes termos: “[...] Essa banalização do marxismo, sua inflexão num sentido ‘científico burguês’ encontraram sua primeira expressão clara e aberta nos Pressupostos do socialismo, de Bernstein” (LUKÁCS, 2003, p. 109, itálico no original). Esse livro de Bernstein destaca Lukács, começa desferindo um ataque ao método dialético em favor da ciência exata, e finaliza com uma acusação atribuindo à Marx o erro de ter incorrido no blanquismo.
            Para Lukács isso não é um mero acaso:
[...], pois tão logo se abandonam o ponto de vista da totalidade, o ponto de partida e o termo, a condição e a exigência do método dialético, tão logo a revolução deixa de ser compreendida como um momento do processo para ser vista como ato isolado, separado da evolução global, o aspecto revolucionário de Marx deve necessariamente aparecer com uma recaída no período primitivo do movimento operário, no blanquismo (LUKÁCS, 2003, p. 109)
             O oportunismo e o reducionismo de Bernstein desfiguram o caráter dialético da história em Marx. Lukács afirma que isso se torna perfeitamente compreensível por se tratar do próprio método da economia vulgar. E nesse contexto, ao se referir aos debates teóricos travados em torno do problema suscitado em Acumulação do capital de Rosa Luxemburgo:

Discutia-se, ao contrário, se existia realmente um problema e contestava-se com extrema energia a existência de um problema efetivo. No que se refere ao método da economia vulgar, isso é perfeitamente compreensível e até necessário. Pois, se a questão da acumulação, por um lado, é tratada como um problema particular da economia política, por outro, do ponto de vista do capitalista individual, percebe-se que não existe um verdadeiro problema (LUKÁCS, 2003, p. 111).

            O problema central, todavia, adverte Lukács é que: “[...] Essa recusa de todo o problema está estreitamente ligada ao fato de que os críticos de Rosa Luxemburgo ignoraram a parte decisiva do livro As contradições históricas da acumulação (LUKÁCS, 2003, p. 111, em itálico nosso) e, consequentemente, formularam uma questão que se configurou da seguinte maneira:

[...] são corretas as fórmulas de Marx, que se baseiam no fundamento de uma hipótese metodologicamente isolante de uma sociedade composta apenas de capitalistas e proletários? Qual a melhor maneira de interpretá-los? Os críticos ignoravam por completo o fato de que essa hipótese, em Marx, era apenas uma hipótese metodológica para compreender o problema de maneira mais clara, antes de avançar para a questão mais abrangente, que situava o problema em relação à totalidade da sociedade (LUKÁCS, 2003, p. 111).

            Aqui Lukács destaca que os “oportunistas pragmáticos” ignoraram a questão fundamental trata por Marx em O capital que foi a “acumulação primitiva”. Precisamente em relação ao fato de que todo O capital constitui apenas “um fragmento incompleto” que foi interrompido no exato momento em que tal problema poderia ter sido dirimido. Nesse sentido, o papel de Rosa Luxemburgo, diz Lukács, foi fundamentalmente, “retomar o fragmento de Marx e completá-lo conforme seu espírito”. Rosa Luxemburgo, ao retomar os fundamentos da crítica de Marx à economia política clássica visa refutar a apologia ideológica tecida pelos economistas burgueses ao capitalismo. Os “economistas burgueses” identificavam “as leis naturais” descobertas por Ricardo e Smith com o conjunto da realidade social e, assim, justificavam a sociedade capitalista como a única sociedade possível e eterna conforme a “natureza do homem” e sua racionalidade.
            Conforme ressalta Lukács: assim como as “leis naturais” de Ricardo (que se identificam com a realidade social) se constituem como uma justificação ideológica de “autodefesa” para o capitalismo ascendente, a interprestação de Marx e a identificação de suas “abstrações” com a totalidade da sociedade, também, configura uma autodefesa para a “racionalidade” do capitalismo decadente. “E do mesmo modo”, confirma Lukács,

[...] como a concepção da totalidade pelo jovem Marx havia iluminado nitidamente os sintomas patológicos do capitalismo ainda florescente, o último brilho do capitalismo adquire na perspectiva de Rosa Luxemburgo, pela integração do seu problema fundamental na totalidade do processo histórico, o caráter de uma dança macabra, de uma marcha de Édipo para seu inelutável destino (LUKÁCS, 2003, p. 114).
            A crítica de Rosa Luxemburgo[1] aos oportunistas da “economia vulgar marxista”, de acordo com Lukács, é rigorosamente fundamentada nos postulados do método e da exposição do próprio Marx. E acerca do método correto de exposição Lukács reporta-se à Miséria da filosofia[2] (1847) para salientar que “as categorias econômicas são apenas as expressões teóricas, as abstrações das relações sociais de produção” (LUKÁCS apud MARX, 2003, p. 115). As categorias expressam o movimento da realidade. E elas são “transitórias” e “históricas”. Nessa obra de Marx, Lukács captura a essência do método  dialético: a exposição histórica dos problemas sociais; a historicidade concreta da vida social.
            É nesse sentido, que Lukács aponta para o problema central do método dialético: a categoria da totalidade. E enfatiza que foi na Fenomenologia do espírito de Hegel que esse princípio categorial metodológico ganhou um aporte convincente e que “jamais foi abandonado por Marx”. Com efeito “[...] a unificação hegeliana – dialética – do pensamento e do ser, a concepção de sua unidade como unidade e totalidade de um processo, formam também a essência da filosofia da história do materialismo histórico” (LUKÁCS, 2003, p. 116, itálico nosso). Essa unificação hegeliana entre pensamento e ser; a unidade entre sujeito e objeto, é capturada por Marx de acordo com Lukács, em face do próprio Hegel e bem mais contra os seus “epígonos”. Para Lukács, o “idealismo absoluto” dos epígonos de Hegel redunda na dissolução da “totalidade primitiva do sistema”; na separação da dialética da história viva e, por conseguinte, da supressão da unidade dialética entre pensamento e ser. Dessa forma, para Lukács, a totalidade comporta uma dupla determinação pelo pensamento e pelo ser, constituídos enquanto uma unidade, mas onde o sujeito é o pressuposto efetivo da determinação categorial.
            Todavia ainda observa Lukács, que o dogmatismo materialista dos “epígonos de Marx”, reproduz a mesma desagregação da totalidade concreta da realidade histórico-social. E nesse aspecto:
 Se o método dos epígonos de Marx não degenera como o dos epígonos de Hegel num esquematismo intelectual vazio, ele se esclerosa, numa ciência específica e mecanicista, em economia vulgar. Se os primeiros acabaram perdendo a capacidade de combinar os acontecimentos históricos com suas construções puramente ideológicas, os segundos se mostram igualmente incapazes de compreender tanto o elo das formas ditas “ideológicas” da sociedade com seu fundamento econômico, como a própria economia como totalidade, como realidade social (LUKÁCS, 2003, p. 117, aspas no original e itálico nosso).

            Nesse contexto, o fundamento econômico se configura como a própria realidade social, como totalidade. Aqui se evidencia, portanto, o elemento central da discussão quando se pensa o método dialético: o problema do conhecimento da totalidade do processo histórico-social. Lukács entende que a realidade social só pode ser concebida e apreendida em suas determinações históricas intrínsecas. tal como a “expressão literária” ou “científica” de um problema emerge como expressão de uma totalidade social, o ponto de vista da totalidade, nesse aspecto, também se apresenta como um problema do conhecimento da sociedade como totalidade social “como expressão de suas possibilidades, de seus limites e de seus problemas”. Daí que o conhecimento da totalidade do processo histórico se constitui numa problemática do próprio processo histórico, visto que, afirma Lukács (2003, p. 117): “A história de um determinado problema torna-se efetivamente uma história dos problemas”. Para exemplificar e justificar essas questões, Lukács mais uma vez faz referência às obras de Rosa Luxembrugo e Lênin (Acumulação do capital) e (O Estado e a revolução), respectivamente, com o intuito de salientar o rigor da postura dialeticamente correta do modo de exposição histórico dos problemas levantados por esses autores, que fazem surgir o próprio processo histórico em suas obras.
            Com efeito, a pesquisa histórico-literária de um problema resulta em última análise, na maneira mais correta de exprimir a “problemática do processo histórico”. E exatamente em virtude dessa relação com as tradições do “método” e da “exposição” de Marx e Hegel foi que “Lênin fez da história do problema uma história interna das revoluções europeias do século XIX” e no mesmo sentido, na “abordagem histórico-literária dos textos de Rosa Luxemburgo se desenvolve numa história das lutas em torno da possibilidade e da expansão do sistema capitalista” (LUKÁCS, 2003, p. 118). A questão da historicidade concreta, portanto, torna-se um fundamento constitutivo do  método dialético de Marx, o que resulta na apropriação crítica da realidade social mediante uma síntese entre subjetividade e objetividade; teoria e prática configurada na unidade dialética da totalidade do processo histórico.
            Para Lukács, a consideração da totalidade no estudo da realidade econômica e social representa a maneira correta de apropriação do método dialético,

Afinal, o rompimento com a consideração da totalidade rompe também a unidade da teoria e prática. A ação, a práxis – nas quais Marx faz culminar suas teses sobre Feuerbach – implicam, por essência, uma penetração, uma transformação da realidade. Mas a realidade só pode ser compreendida e penetrada como totalidade, e somente um sujeito que é ele mesmo uma totalidade é capaz de penetração (LUKÁCS, 2003, p. 124, itálico no original).

            Portanto, podemos concluir a partir dessa afirmação de lukács que desconsiderar a totalidade, no plano do método, é romper com a “unidade da teoria e da prática”. Essa questão indicada pelo filósofo húngaro está baseada num postulado Hegeliano, que sustenta a ideia do verdadeiro é tanto substância como sujeito. Pois Hegel, diz Lukács (2003, p. 124) “desmascarou, assim, a falha mais grave, o limite último da filosofia clássica alemã, ainda que o cumprimento real dessa exigência tenha sido recusado à sua própria filosofia”, muito embora, ela (a filosofia hegeliana) sob inúmeros aspectos, tenha permanecido prisioneira dos “mesmos limites” dos seus predecessores. Coube à Marx, nesse sentido, “descobrir concretamente” essa verdade enquanto sujeito e “estabelecer, assim, a unidade da teoria e da práxis, ao centrar na realidade do processo histórico e limitar a ela a realização da totalidade reconhecida e ao determinar, portanto, a totalidade cognoscível [...]” (LUKÁCS, 2003, p. 125, itálico nosso), ou seja, no entendimento de Lukács a totalidade é prefigurada num primeiro momento pelo processo histórico. Contudo, vemos que na dupla determinação desta categoria o sujeito é que determina o objeto a ser conhecido.
            A totalidade cognoscível aponta para a perspectiva de um “ângulo de visão”, ou o ponto de vista de classe. Nos termos de Lukács, essa questão se apresenta como uma “superioridade metódica e científica”, porque “somente a classe, por sua ação, pode penetrar a realidade social e transformá-la em sua totalidade” (LUKÁCS, 2003, p. 125). O proletariado em sua tarefa histórica passa a representar a única classe capaz de engendrar as transformações da realidade social:

Por isso, por se a consideração da totalidade a “crítica” que se exerce a partir desse ponto de vista é a unidade dialética da teoria e da práxis. Ela é, numa unidade dialética indissolúvel, ao mesmo tempo fundamento e consequência, reflexo e motor do processo histórico-dialético. O proletariado, como sujeito do pensamento da sociedade, rompe de um só golpe o dilema da impotência, isto é, o dilema do fatalismo das leis puras e da ética das intenções puras (LUKÁCS, 2003, p. 125, aspas no original e negrito nosso).

            Nesse plano teórico, Lukács concebe a totalidade como uma unidade dialética indissolúvel; uma unidade de teoria e prática, âmbito no qual o proletariado se constitui como sujeito de pensamento, portador de uma visão de mundo que se identifica com a realidade concreta do mundo social que por ele deve ser transformado, tanto por razões de ordem material como ética. Assim, Lukács reconhece que o marxismo admite a totalidade “tanto como uma lente teórica para revelar a interconexão sistemática de todos os aspectos da vida social, mas também como um ideal normativo sobre o qual se pode reconstruir uma verdadeira existência social” (BOUCHER, 2015, p. 126, itálico nosso). Desse modo, a desumanização capitalista e a fragmentação no plano cultural, correlativamente, configuram os principais obstáculos para o proletariado atingir uma consciência revolucionária.
            O conhecimento por parte do marxismo do caráter historicamente limitado do capitalismo, no caso “o problema da acumulação”, acaba por se tornar uma “questão vital”. Efetivamente “porque somente esse elo, a unidade da teoria e da prática, pode fazer manifestar como fundamento a necessidade da revolução social, da transformação total da totalidade da sociedade” (LUKÁCS, 2003, p. 125). Para Lukács, o reconhecimento do caráter histórico da totalidade cognoscível e o próprio elo com a ação revolucionária do proletariado, constitui o momento em “que o circulo do método dialético – essa determinação da dialética que também vem de Hegel- pode se fechar” (Idem, itálico nosso).
            Pensando a possibilidade concreta da revolução, Lukács reconhece que a unidade dialética ente teoria e prática, não pode constituir uma “simples consciência”, nem uma “pura teoria” e, muito menos, uma “simples exigência”, como um “dever” ou “norma de ação”. A realidade do processo histórico “imprime à consciência do proletariado” um exigência, um caráter “latente e teórico”, mas, que o impele a agir de forma ativa na totalidade do processo. Essa forma de consciência de classe, diz Lukács, é o partido e, nesse ponto, os problemas teórico-práticos da revolução está diretamente ligado ao papel dirigente de uma instância que organize de forma concreta e sistemática a “vontade coletiva”.
 Antonio Marcondes dos Santos Pereira

Professor substituto do curso de Pedagogia (UECE)
Membro do GPOSSHE (UECE)
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REFERÊNCIAS

BOUCHER, Geoff. Marxismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: o itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

LUKÁCS, G. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARX, Karl. Miséria da filosofia. São Paulo: Boitempo, 2017.






[1] Lukács explica que a referência feita à Rosa Luxemburgo em História e consciência de classe ocupa um espaço tão amplo em virtude dela ser “[...] a única discípula da Marx a prolongar realmente a obra de sua vida tanto no sentido dos fatos econômicos quanto no do método econômico e, desse ponto de vista, a colocar concretamente no nível atual do desenvolvimento social” (LUKÁCS, 2003, p. 52, itálico no original).
[2] Nesse contexto teórico, cabe destacar um aspecto decisivo no método dialético de Marx aqui percebido, que é a historicidade dos processos sociais. Marx ao refutar de forma contundente o livro do Sr. Proudhon Sistema das contradições econômicas ou filosofia da miséria (1847) assevera que os economistas burgueses “[...] têm uma maneira singular de proceder. Para eles, só existem duas espécies de instituições: as da arte e as da natureza. As instituições feudais são artificiais, as da burguesia são naturais. Nisso, eles se parecem com os teólogos, que também estabelecem dois tipos de religião: toda religião que não é deles é uma invenção dos homens, ao passo que a deles é uma emanação de Deus. Dizendo que as relações atuais – as relações da produção burguesa – são naturais, os economistas dão a entender que é nessas relações que se cria a riqueza e se desenvolvem as forças produtivas segundo as leis da natureza. Portanto, essas relações são leis naturais independentes da influência do tempo. São leis eternas que devem sempre reger a sociedade. Assim, houve história, mas não há mais. Houve história porque existiram instituições de feudalidade e porque nelas se encontram relações de produção inteiramente diferentes das da sociedade burguesa, que os economistas querem fazer passar por naturais, logo eternas” (MARX, 2017, p. 110). Marx destaca, portanto, que as leis da economia bem com a sociedade a que ela corresponde, não são eternas e nem imutáveis, mas pelo contrário “as formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem, trocam, são transitórias e históricas” (Idem, p. 189, itálico nosso).

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Colapso

abril 16, 2020


Colapso, substantivo masculino que, em sentido figurado, significa redução brusca de eficiência, de capacidade, estado daquilo que está desmoronando, ruína. Bem, essa é a palavra da vez na boca de gestores municipais e estaduais diante da crise gerada pela Covid-19.
Arthur Virgílio Neto (PSDB), prefeito de Manaus, na semana passada, além de criticar Bolsonaro por "desmobilizar" a população sobre a importância do isolamento social, afirmou que a cidade já vive um "colapso funerário" com as mortes causadas pela Covid-19,

"Está havendo um colapso funerário, os enterros estão crescendo de maneira exponencial, as mortes. É uma situação que deixa as pessoas nervosas, estressadas. Atitudes como a do presidente, que sai tranquilamente às ruas e mostra que para ele não há perigo em nada, fazem com que hoje muitas ruas em Manaus estejam cheias de carros"[1].

No Ceará, a projeção é de que se registre 250 mortos por dia a partir do início do mês de maio. Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Dr. Cabeto), Secretário de Saúde do Estado, em reunião com o Sindicato da Indústria da Construção do Ceará (Sinduscon-CE), no dia 13, fez as seguintes declarações sobre a situação que será enfrentada nos próximos dias com a pandemia da Covid-19.

"No sistema público, eu não tenho mais leito de UTI, acabou. A gente tinha uma compra da China, que tinha me prometido entregar 250 respiradores, mas soube ontem (13) que não vou receber nenhum ... os EPIs, máscaras, viseiras, luvas que são necessárias a proteção do profissional de saúde, eles têm cinco dias de estoque. Estou escrevendo ao ministro (Luiz Henrique Mandetta) que o sistema de saúde do Ceará colapsou. E que nós vamos começar a ter morte de pessoas não entubadas e já estão tendo"[2].

Em breve, essas notícias de colapso serão mais comuns. Não há estrutura, planejamento e vontade política para superar essa crise sanitária. O conflito Bolsonaro-Mandetta é um suspiro cômico na catástrofe estabelecida. De fato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, as gestões golpistas como de Dória (SP), Witzel (RJ), Zema (MG) e Caiado (GO), além das administrações de frente popular (BA, CE, MA, PI e RN), são incapazes de superar a atual crise sanitária por serem tributárias, em maior ou menor grau, da política de austeridade própria do denominado neoliberalismo, o que se reproduz no quadro municipal.
Um exemplo claro disso é que não existe nenhuma proposta efetiva de revogação da Emenda Constitucional Nº 95/2016 nem suas similares estaduais. Em nome da austeridade foram congelados recursos para saúde por 20 anos, corrigidos apenas pela inflação medida pelo IPCA.
Foram retirados, na esfera federal, aproximadamente 20 bilhões de reais da saúde, em 2019[3]. Enquanto isso, para combater os efeitos negativos da pandemia do coronavírus sobre o sistema financeiro, o Banco Central anunciou, em março, a disponibilidade R$ 1,216 trilhão para os bancos brasileiros, equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB)[4].
Resumo da ópera: as classes dominantes, seus partidos, suas entidades, suas administrações, seus ideólogos e representantes espirituais não ligam a mínima para a saúde da maioria do povo brasileiro. O importante é manter o ciclo reprodutivo do capital no Brasil com seus altos lucros baseados na superexploração da força de trabalho.
Muita demagogia, poucas soluções. A burguesia, interna e externa, só pensa nos seus interesses. Não irá cortar sua própria carne enquanto puder sacrificar a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras. Isso não é uma questão moral, mas histórica e social. Na verdade, em última instância, quem está em colapso é a própria burguesia e o capitalismo, que só conseguem aprofundar a barbárie.
A indústria da saúde no Brasil, o setor farmacêutico, os planos de saúde, os hospitais privados e as empresas de materiais médicos precisam sofrer imediata intervenção estatal sob o controle da população. Ao invés de dinheiro para os bancos, anistia geral das dívidas, que os grandes capitalistas paguem pela crise.  Tais medidas, de defesa da vida, só podem ser impostas pela ação de milhões de explorados e oprimidos. A esquerda hegemônica precisa romper com a burguesia e sua austeridade, precisa vocalizar a vontade da maioria nacional.

Prof. Dr. Frederico Costa
Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.
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[1]https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/10/prefeito-cita-colapso-funerario-em manaus-e-ataca-bolsonaro-por-covid-19.htm?cmpid=copiaecola.
[2]https://mais.opovo.com.br/jornal/reportagem/2020/04/15/em-maio--fortaleza-tera-250-obitos-por-dia--diz-dr--cabeto.html

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Educação e luta de classes

abril 10, 2020



O educador e filósofo Dermeval Saviani trouxe contribuições importantes para a reflexão sobre a importância política do ato de lecionar e do papel social dos educadores na contemporaneidade.

Embora a tradição conceitual do marxismo centrado nas premissas filosófico-políticas do bolchevismo tenha dominado o pensamento crítico e a produção teórica desde o século passado e determinado as estruturas organizacionais da classe trabalhadora, e essa supremacia tenha condenado ao degredo ou à execração concepções políticas que daquela se afastassem, o pensamento do educador brasileiro se insere na perspectiva de ampliação da compreensão das formas do Estado e da sociedade civil de nosso tempo, assim como dos mecanismos políticos de intervenção dos explorados para a supressão do sistema capitalista.
Saviani compreende a escola como espaço de disputa ideológica entre a burguesia e o proletariado e propunha a construção de uma pedagogia que elevasse o nível de compreensão dos alunos da escola pública acerca da realidade social e das tarefas históricas que cabem ao proletariado e demais classes exploradas na sociedade capitalista. No entanto, a tradição marxista opunha-lhe esse ideal com a convicção histórica da ineficácia dessa forma de combate político, dado que a escola não é um espaço de produção da vida material e sua destinação social é de mero instrumento de formação da mão-de-obra especializada de que necessita o sistema capitalista. Essa compreensão sugere a impossibilidade de se converter a escola de seu papel primordial de afirmação da sociedade capitalista em instrumento de sua destruição.
A base teórica dos críticos ao ideal de Saviani baseia-se na compreensão de que os sistemas de ensino, as pedagogias, o controle burocrático sobre sua aplicação e sobre sua eficácia na lógica capitalista estão submetidos aos tecnocratas e seus auxiliares nas esferas do poder de Estado. Desse modo, seria uma tarefa de Sísifo tentar subverter a destinação social da escola por dentro dela mesma. Um desperdício de energia política que deveria estar concentrada nas esferas fundamentais do embate político anticapitalista (as unidades fabris, o grande comércio, os bancos, os bairros operários, o parlamento, os partidos políticos, os confrontos de rua etc.).
Em contrapartida, as concepções teóricas que emprestam apoio ao ideário do autor mencionado partem de uma premissa conceitual proposta originalmente pelo pensador italiano Antonio Gramsci, segundo a qual as sociedades ocidentais diferem profundamente da sociedade russa à época da revolução bolchevique, e que o modelo de construção do processo revolucionário para essas sociedades ocidentais deve ser distinto daquele encetado pelos dirigentes do bolchevismo.
Para aquele pensador, a sociedade contemporânea ocidental tem organizações sociais já plenamente solidificadas, um sistema político que açambarca o conjunto das classes sociais e nelas se legitima pela tradição e pelas ideologias dominantes da classe dirigente exploradora. Um Estado centralizador e regulador da vida social, manobrado inteligentemente pelo poder dominante burguês. E, por essas características, a dimensão da luta política dos explorados deve estar centrada primordialmente nos espaços de disputa ideológica, nos quais se fortalece a hegemonia político-ideológica da burguesia.
A escola, portanto, seria um espaço imprescindível no embate político anticapitalista, posto que a juventude proletária (futuros operários-camponeses-eleitores-cidadãos) estariam se incorporando no processo de construção de uma unidade política ampla entre os diversos setores dominados pelo grande capital, constituindo uma aliança social que minimizaria  a hegemonia burguesa e sua influência entre os explorados em geral.
Para essa corrente do pensamento, a mera construção de uma organização partidária para a aglutinação dos explorados não seria suficientemente eficaz no processo revolucionário e nem principalmente asseguraria a vitória daquele após a tomada do poder pelo proletariado e seus aliados, tendo em vista o processo de burocratização que solapou todas as tentativas de se estabelecer uma sociedade livre da exploração e da dominação política em diversos países, em função da centralização excessiva do poder nos órgãos dirigentes dos partidos que lideraram aquelas revoluções, e que acabaram por assenhorar-se do controle da sociedade.
O princípio da liberdade do indivíduo e da autonomia como fundamentos fenomenológicos da nova organização social pós-revolução ganha contornos de imprescindibilidade nessa nova proposta de construção da sociedade socialista, que pressupõe a noção de hegemonia a  partir da adesão consciente e participativa dos indivíduos que constroem coletivamente, no cotidiano de seu engajamento, a nova ordem social. Assim, a noção mesma de definhamento progressivo do Estado no socialismo estaria factualmente assegurada na compreensão contínua e na atividade social consciente de todos os indivíduos, cônscios de seus deveres e de suas atribuições nas novas formas de relações sociais de produção já solidificadas na ação coletiva integradora e evolucionária da nova sociedade emancipada dos conflitos de classes.
Portanto, segundo esses pensadores, a pedagogia histórico-crítica proposta por Saviani teria uma importância inquestionável no processo emancipatório da luta política, pois seria um instrumento vigoroso de embate ideológico dentro do espaço da educação pública, cuja eficácia incidiria na consciência crítica da juventude proletária, que já não estaria subjugada pela visão de mundo da burguesia, mas vinculada às formas de luta dos explorados, partícipes conscientes da luta pela hegemonia social proletária na sociedade brasileira e mundial.
Dessa forma, para esses teóricos, todos os espaços sociais são importantes para a construção da unidade dos explorados e todas as formas de luta se equivalem politicamente no processo de construção de uma nova hegemonia social que determine a vitória da revolução socialista e evite a sua degeneração política ulterior.
No entanto, para os teóricos vinculados à tradição do bolchevismo, essa concepção inevitavelmente desemboca numa política de adequação à ordem vigente, sucumbindo às pressões do Estado burguês opressor, controlado pelos interesses dominantes do capital transnacional. Isto porque, invariavelmente, a condução dos movimentos sociais dos explorados por partidos adeptos daquela teoria (considerada pelos pró-bolchevismo como reformismo pequeno-burguês) converge para a conciliação de classes, como o demonstram as diversas iniciativas de partidos ditos progressistas em vários países, inclusive no Brasil, cujos projetos políticos redundaram em derrotas históricas da luta dos explorados.
Para os bolchevistas, iniciativas que priorizam os aspectos puramente ideológicos, sem vínculo com os setores determinantes da vanguarda dos explorados e suas lutas objetivas, incorrem sempre na política de conciliação de classes, tal como a teoria pedagógica de Dermeval Saviani.  A condução da luta política na Educação Básica do proletariado, para estes teóricos, deve estar focada na construção e fortalecimento de organizações estudantis e de professores que se insiram na luta contra o Estado burguês e os interesses do capital imperialista, e não apenas contra projetos pedagógicos propostos pela intelligentsia da classe dominante.
E aqui surge um segundo embate teórico entre as duas correntes de pensamento que advogam o marxismo como arcabouço conceitual de análise da sociedade capitalista, da história da civilização humana e da ontologia do ser social, e no qual se insere a teoria crítica pedagógica de Saviani: o professor é um proletário?
     Em sua trajetória filosófica, que vai de “A ideologia alemã” até sua obra mais impactante “O capital”, Marx define classe social a partir do vínculo dos indivíduos com a produção da vida material e com o usufruto desta. Os proprietários dos meios de produção (burgueses) e os que a estes vendem sua força de trabalho e geram a riqueza social (proletários) são as classes fundamentais da sociedade capitalista, na acepção daquele autor. Entre essas duas classes fundamentais, outras se interpõem, com funções sociais distintas (planejamento, controle, fiscalização, coerção, pesquisa, administração etc.), chamadas classes médias, além do campesinato. Para Marx, o proletariado concentra em si os interesses históricos de todas as classes subjugadas pela burguesia, e sua luta por libertar-se da exploração capitalista redundará na libertação de todas aquelas demais classes também exploradas pelo capital. Mas como o proletariado está imediatamente submetido ao rigor da exploração de sua força de trabalho e como é o produtor da base econômica de existência da vida material da sociedade, a ele cabe precipuamente a tarefa histórica de eliminação das relações sociais de produção capitalistas, e ,portanto, nele deve residir prioritariamente todos os esforços políticos de conscientização, organização e de embates políticos contra a sociedade capitalista e o Estado burguês.
Por isso, para a maioria dos teóricos ligados à tradição do bolchevismo, os professores não integram o proletariado e, portanto, não são prioridade da luta política dos explorados contra o capital, o que subestimaria a teoria pedagógica proposta por Saviani.
Outros teóricos marxistas, no entanto, compreendem de forma diferente o conceito marxiano de proletariado e de luta política contra o capital e suas manifestações sociais. Estes teóricos partem do princípio de que a teoria de Marx necessita de uma atualização, em função das inovações por que passou o capitalismo no século passado e seus desdobramentos na contemporaneidade.
Segundo eles, na sociedade capitalista do século XIX, analisada por Marx, os proletários eram os operários fabris que produziam as mercadorias basicamente com a força física que movia as máquinas rudimentares naquele momento histórico. Ainda não havia o impacto da segunda revolução industrial taylorista nas unidades produtivas e nem a complexificação das sociedades capitalistas como se deu a partir do pós-guerra e da automação e da informatização do processo produtivo. Novas formas de trabalho assalariado, não vinculados diretamente à produção de mercadorias, mas que repercutem sobre aquela, são gestados pela dinâmica do progresso social surgido pelas novas formas de acumulação capitalistas e pelas necessidades sociais que elas engendram (motoristas de ônibus, zeladores, médicos, professores, vigilantes, vendedores, etc). Assim, seja cavando buracos, vendendo produtos , levando os trabalhadores às unidades de trabalho ou formando a mão de obra intelectual de que necessita o capitalismo, todos os trabalhadores materializam seu trabalho socialmente, situando-os no conceito marxiano de trabalho abstrato, o que os converte em proletários, posto que seu trabalho passa a ser computado no tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias (o tempo de escavação para a construção ou ampliação da indústria, o tempo de transporte de funcionários à unidade produtiva, o tempo para o tratamento do operário adoentado, o tempo para o aprimoramento intelectual da futura mão de obra necessária etc.). Aqui cabe uma observação: o professor da rede privada gera imediatamente a mais-valia ao proprietário da escola ou universidade. Já os professores da rede pública, pagos pelo Estado (representante dos interesses burgueses), geram a este a mais-valia apropriada pelo conjunto da classe burguesa.
Para esses teóricos, os setores do proletariado que produzem diretamente as mercadorias são ainda a base fundamental dele, aquela parcela eminentemente revolucionária, mas não se pode abdicar da organização e da luta dos demais setores da classe proletária, posto que são também o fermento que inflará os embates de classe e ampliará o leque de alianças com outras classes sociais exploradas pelo capital na luta contra o Estado burguês e as relações sociais de dominação e exploração.
Por esses motivos, tais teóricos consideram importante a contribuição de Dermeval Saviani para a luta emancipatória no âmbito da educação pública. Para eles, o dispêndio de energia na construção de mecanismos de organização e de conscientização crítica de professores e alunos repercutirá ulteriormente nas unidades fabris, nos bancos, no grande comércio e nas forças repressivas do Estado burguês, contribuindo decisivamente para a organização e a luta do proletariado e demais explorados contra a sociedade do capital.


Prof. Maurício Oliveira - professor da rede estadual de educação do Ceará, da rede municipal de Maracanaú e mestrando em Educação (PPGE/UECE).
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