domingo, 28 de maio de 2023

Cérebro humano e aprendizado: uma relação fundamental à prática docente

maio 28, 2023

O texto abaixo é produto de um ensaio que propus às alunas e aos alunos da disciplina Psicologia da Educação, na Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA), que ministro neste semestre. Évilly e Lucas são alunes dessa disciplina e escreveram um texto que demonstra uma maturidade intelectual e posição crítica admiráveis. Espero que aproveitem, assim como eu aproveitei a leitura.

Profa. Dra. Karla Raphaella Costa Pereira

Cérebro humano e aprendizado: uma relação fundamental à prática docente

Não é de hoje que a sociedade debate acerca do processo de aprendizagem humana e busca entender como ela funciona, sobretudo dentro das salas de aula. Contudo, parece que mesmo com o avanço da neurociência e com o conhecimento que já se tem sobre o cérebro humano, os mesmos métodos de ensino de séculos passados continuam sendo, majoritariamente, replicados pelos professores dentro dos espaços educativos.

Mas por que, caro leitor, mesmo com os resultados negativos na educação sendo explicitados dia após dia, os educadores continuam replicando métodos ineficazes? Vos apresento a resposta mais direta para tal pergunta: grande parte dos educadores não está a buscar conhecer o cérebro humano e sua relação com o aprendizado. Por isso, acabam tratando as salas de aula como um processo culinário em que se aplica uma receita previamente definida. Tal ato, nega o fato de que a relação entre o desenvolvimento cerebral e a aprendizagem é indissociável e que cada indivíduo possui particularidades psicológicas, históricas e culturais que influenciam diretamente no modo em que aprendem e se desenvolvem.

Primeiramente, para compreender melhor sobre o que falamos, tomemos como ponto de partida a importância de se compreender como o cérebro humano funciona quando o assunto é aprendizagem. É sabido que a evolução da nossa espécie nos proporcionou diversos feitos e descobertas, incluindo nossa capacidade de reconhecer situações de perigo e/ou desenvolver soluções para estas. Isso se dá graças à plasticidade cerebral, que é a capacidade que o cérebro humano tem de adaptar-se. Podemos englobar inúmeros exemplos de como a plasticidade cerebral é influência ativa na evolução da espécie humana, como aprender a andar sobre duas pernas, manusear objetos com uma mão só, pedalar e etc.

Assim, dentro do aprendizado, o nosso cérebro conta com artifícios e ferramentas que, inferidos pela plasticidade cerebral, nos permitem reorganizar o mundo externo dentro da nossa mente, criando uma projeção interna do que está à nossa volta, e é isso que atribuímos o nome de aprender. Um desses artifícios é destacado dentro da pedagogia pelo que Dehaene chama de “os quatro pilares do aprender”. O cérebro humano conta com processos que contribuem e fazem toda diferença na hora de absorver uma nova informação/experiência, e estes processos estruturam os quatro pilares da aprendizagem, que são atenção focada; o envolvimento ativo, o feedback de erros e repetições diárias que resultam na consolidação do aprendizado.

Dessa forma, como pode um educador aplicar práticas educativas efetivas se desconhecer a forma como os alunos absorvem o que é ensinado e tornam isso um conhecimento real? É impossível utilizar de maneira acertiva uma máquina sem que tenhamos o conhecimento de como ela trabalha e de quais mecanismos ela precisa para que seu funcionamento aconteça de maneira eficaz. O mesmo acontece com o educador e o conhecimento do funcionamento do processo de aprendizagem.

Além disso, não basta conhecer o cérebro e o seu funcionamento pelo olhar puramente físico e científico. Se faz necessário também reconhecer os papéis dos indivíduos inseridos no processo de aprendizagem e a relação desses indivíduos com o ambiente que o cerca. Se falamos anteriormente que aprender é ajustar os parâmetros captados do mundo exterior e criar a partir dele projeções internas, é possível inferir que todo e qualquer indivíduo possui inúmeros parâmetros já absorvidos do meio no qual está inserido, mesmo antes de adentrar no espaço de uma sala de aula.

Diante disso, até mesmo um ser isolado em uma floresta, longe da humanidade, como acontece na ficção “Tarzan”, possui conhecimentos que foram constituídos a partir de padrões observados do seu exterior, como conhecimentos de sobrevivência, de padrões naturais, etc, que se consolidaram e foram ajustados formando um conhecimento, que não é escolar, mas é absorvido mediante o meio à sua volta.

Dessa maneira, teorias como a do estudioso Piaget são facilmente refutadas. Tal autor desconsidera o aprendizado que o educando traz do seu meio social e cultural, tratando-o dentro da sala de aula como uma folha em branco, na qual o conhecimento será absorvido apenas a partir dali. Tal pensamento desconsidera a singularidade dos educandos e coloca-os dentro das mesmas possibilidades educativas, que acabam sendo eficazes para uns, mas ineficazes para outros, o que culmina na produção de práticas ineficazes, pois se não funcionam para todos, não foram efetivas.

Por outro lado, enquanto educador, é preciso adotar uma postura que considere aspectos histórico-culturais do educando, isto é, considere o estudante como um ser que já entra na sala de aula dotado de conhecimentos que foram ajustados mediante os aspectos que este absorveu do meio social, cultural e psicológico no qual está inserido. Assim, o educador age sobre as diferenças, criando possibilidades educativas distintas que possam suprir necessidades e particularidades distintas.

Contudo, reconhecemos, caro leitor, que essa não é uma tarefa fácil, principalmente em uma sociedade construída sobre anos e anos de uma educação tradicional, pautada na formação de indivíduos que atuem como máquinas de uma sociedade capitalista que enxerga o aprendizado apenas como meio pelo qual o indivíduo pode produzir e ser “útil” ao sistema. Mas é necessário tentar, persistir e buscar criar possibilidades educativas que ajam a partir do educando e não apenas sobre ele.

Portanto, a partir do que foi discorrido aqui, é possível perceber que a relação entre desenvolvimento cerebral e aprendizado é inseparável, como propõe o estudioso Vygostky com sua teoria dialética acerca da aprendizagem e desenvolvimento. Além disso, a construção dessa relação é impossível sem que se considere os fatores histórico-culturais que cercam os indivíduos envolvidos no processo, desfazendo-se totalmente da noção de que o aluno é uma folha em branco. Reconhecer a trajetória e a carga de conhecimento do aluno é o primeiro passo para que se possa criar possibilidades, de fato, educativas, uma vez que para se criar senso crítico e seres humanos ativos na sociedade é preciso ir além do tradicional; é necessário que cada situação seja vista com um olhar pedagógico.

Assim, possibilidades educativas eficazes requerem educadores que ajam mediante a perspectiva de que cada educando precisa ser considerado individualmente, de educadores que pensem o aprendizado em todas as suas vertentes funcionais, humanas e sociais, não apenas como uma ferramenta de manutenção capitalista.

Évilly Anik de Oliveira Gomes
Graduanda em Letras UFERSA
Lucas Jeorge Alves da Costa
Graduando em Letras UFERSA

REFERÊNCIAS
DEHAENE, Stanislas. Introdução. In: ______. É assim que aprendemos: por que o cérebro funciona melhor do que qualquer máquina (ainda...). São Paulo: Editora Contexto, 2022. p. 9-28.

DEHAENE, Stanislas. O que é aprender? In: ______. É assim que aprendemos: por que o cérebro funciona melhor do que qualquer máquina (ainda...). São Paulo: Editora Contexto, 2022. p. 29-59.

VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: LEONTIEV, Alexis [et al.]. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem. São Paulo: Centauro, 2005. p. 25-42.

LURIA, A. R. O cérebro humano e a atividade consciente. In: ______. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2006. p. 191-228.

Contra o trabalho escravo: expropriar e estatizar as empresas da burguesia escravocrata

maio 28, 2023

O Brasil conviveu com o trabalho escravo por mais de 350 anos. Em 1888 ocorreu a “Revolução Abolicionista” que extinguiu o modo de produção escravista colonial. Um ano mais tarde, 1889, caiu a superestrutura que garantiu durante 67 anos a escravidão no Brasil independente: a monarquia escravista foi substituída pela república oligárquica. No entanto, o trabalho escravo, junto com outras formas de trabalho compulsório, permaneceu nas franjas do capitalismo periférico brasileiro. A escravidão acabou na lei, mas permaneceu nas relações de trabalho, como na atividade de imigrantes que vieram ao Brasil com a promessa de uma vida melhor.

Hoje, em pleno século XXI, observamos que o trabalho escravo não é algo ligado à regiões atrasadas e/ou setores marginais da economia capitalista. Mas, é algo presente no modo de ser do capitalismo brasileiro.

Em levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com 327 ocorrências entre 2003 e 2020, o estado do Pará é o campeão nacional, com cerca de um quinto (10.427) do total de 49.076 pessoas libertadas de servidão involuntária no período. Em Minas, Goiás e Mato Grosso se encontraram em torno dos 4.000 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Já Tocantins e Bahia ficaram na casa dos 3.000, e Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de janeiro e Maranhão, na dos 2.000. O trabalho escravo não está presente só no campo (incluindo o garimpo), mas, também, em áreas urbanas (32,7%). E isso, é só a ponta do iceberg. É só o indício de uma realidade mais grotesca.

O aprofundamento da crise do sistema imperialista, em particular a partir de 2008, e a desconstrução de direitos sociais pelo governo golpista de Temer (“Reforma Trabalhista” de 11/11/2017) estimularam formas mais monstruosas de exploração da força de trabalho no Brasil. Isso foi ainda mais estimulado por 4 anos do governo de extrema direita de Bolsonaro. Além do processo de precarização das relações de trabalho, ficou cada vez mais fácil para empresários burlarem direitos como jornada de trabalho, idade e remuneração mínima, além de férias, assistência na doença e na velhice. A destruição desse regime de proteção social ocorre em nome da modernidade, do mercado e da competitividade econômica. Resultado: precarização, fome, miséria, desemprego e diversas formas de trabalho forçado.

As últimas denúncias estão ligadas a empresas capitalistas sólidas no mercado de vinho, mas, também, em fazendas de arroz, todas no Rio Grande do Sul.

O que os trabalhadores podem fazer diante de formas cada vez mais aviltantes de exploração?

Além da luta e da denúncia, é preciso defender a expropriação (sem indenização) e imediata estatização de empresas e fazendas com trabalho escravo. Nas contas dos modernos escravocratas capitalistas multas e indenizações já estão incluídas como produto do mais-valor expropriado dos trabalhadores no processo de trabalho. É chegada a hora de expropriar os expropriadores.

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO

A questão não é só de gênero, é também de classe

maio 28, 2023

Nunca deve ser esquecido que o Brasil é um país capitalista periférico, com um passado escravista colonial. Prova disso é que apenas agora está sendo votado o Projeto de Lei sobre Igualdade Salarial entre homens e mulheres. Imagine o lucro ganho por conta dessa forma de opressão sobre as trabalhadoras brasileiras.

O que está sendo noticiado, no entanto, são os trinta e seis parlamentares da extrema direita que votaram contra o projeto, na última quinta-feira (4), dos quais dez são mulheres. A maioria desses defensores da superexploração do trabalho feminino são do Partido Liberal (PL) do neofascista Bolsonaro.

Essas dez deputadas que votaram contra as trabalhadoras expressam uma tendência do capitalismo periférico de aumentar a taxa de exploração para retardar a queda mundial das taxas de lucro. Representam, ao lado dos outros vinte e seis deputados, uma alternativa política para as classes dominantes diante da crise capitalista.

O Partido Novo orientou sua bancada a votar contra o texto. O deputado Gilson Marques (Novo-SC) disse que a Lei acabaria por “nivelar os salários por baixo”. Esse argumento é antigo e típico de nossas classes dominantes.

Deixo aqui uma citação interessante da obra do historiador Edgar Carone. Trata-se da posição de Morvan Figueiredo (1890-1950), industrial e dirigente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), contra a igualdade de salário entre homens e mulheres, de 1939. Tais ideias, muitas vezes, são reproduzidas, ainda hoje, em diversos ambientes, mesmo quando milhões de mulheres são chefes de família ou ganham mais que seus cônjuges.

[...] a “mulher... geralmente não ganha para manter o seu lar. Ganha para ajudar a melhorar as condições de vida desse lar, isto é, gasta o dinheiro “em vestuários, enfeites, diversões e passeios. Não contribuem para a manutenção do lar. Apenas trabalham para tornar possível maior conforto nele, porque o que o chefe de família teria de despender com elas é aplicado em melhor conforto e elas podem ter oportunidade de serem mais felizes, vestindo-se melhor e divertindo-se, sem pesar sobre o orçamento doméstico”. Diante da igualdade do salário, a oportunidade da mulher desaparece e “qual será então a situação do lar trabalhador sem essa ajuda?” O comércio e a indústria, enjeitando o encarecimento momentâneo da mão-de-obra, terão de despedir as mulheres, que deixarão de contribuir em casa e “ficarão privadas das roupas, enfeites e diversões a que já estão habituadas ou criarão uma situação de miséria em um lar antes confortável” (CARONE, 1977, p. 119).

Morvan Figueiredo, em 1946, foi nomeado ministro do Trabalho, Indústria e Comércio e Previdência Social no reacionário governo do general Eurico Gaspar Dutra. Por incrível que pareça, essa ideologia ainda está presente entre liberais, religiosos e na média do pensamento empresarial brasileiro. Vemos, então, uma conexão entre machismo e exploração capitalista.

Referências
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Difel, 1977.



Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Abolição: a revolução social vitoriosa do Brasil

maio 17, 2023

 


Em memória de Clóvis Moura, Jacob Gorender, Robert C. Conrad e Theo L. Piñeiro, defensores intransigentes do sentido radical da Revolução Abolicionista. 

 

Neste 13 de maio, transcorre mais um natalício do fim da escravatura no Brasil. Nosso país foi uma das primeiras nações americanas a instituir e a última a abolir a escravidão colonial. Dos 523 anos de história do Brasil, mais de 350 transcorreram sob o látego da ordem escravista. Apesar da superação do escravismo ter sido a única revolução social vitoriosa no Brasil, constituindo o mais glorioso e significativo sucesso de passado nacional, o aniversário da Abolição transcorrerá, outra vez, semi-esquecido. O 13 de Maio seguirá sendo combatido e destratado, até mesmo por muitos dos que deviam saudá-lo com orgulho e emoção. 

A Abolição foi data magna celebrada sobretudo pelos que a viveram e compreenderam sua dimensão histórica. Nas últimas décadas, ela tem sido caluniada e objeto de verdadeira conspiração de silêncio. Paradoxalmente, a desconstrução da Abolição foi lançada, em 1988, por dirigentes do movimento negro que, ao contrário, deveriam desdobrar-se na celebração e discussão da sua importância, servindo-se de sua memória na luta da pela segunda abolição, agora social, em aliança com todos os explorados e oprimidos 

 

Brasileiro cordial 

O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição medonha motivara lutas fratricidas. Nos EUA, a Guerra de Secessão, de 1861 a 1865, causou seiscentas mil vítimas. No Haiti, em 1804, quando foram consolidadas a independência e a destruição da ordem negreira, pelos trabalhadores escravizados, na mais violenta guerra social das Américas, não restava na ilha um ex-escravista. 

No Brasil, ao contrário, a transição ao trabalho livre teria sido efetuada sem violências, devido a instituições sensíveis ao progresso dos tempos, a líderes esclarecidos e à humanitária alma das chamadas elites. Neste cenário de paz e de concórdia, destacaria-se a imagem fulgurante de Isabel, a Redentora. Apiedada com o sofrimento dos negros feitorizados e despreocupada com a sorte do trono, a regente imperial  assinou, com pena de ouro, o diploma que pôs fim ao cativeiro e, dezoito meses mais tarde, à monarquia. 

 

Sociedade Fraterna, Pátria da Democracia Racial 

Em 13 de maio de 1888, começaria a construção de sociedade fraterna e desprovida de barreiras de raças e de classes. As desigualdades remanescentes deveriam-se a deficiências não essenciais da civilização brasileira, ancorada por uma concórdia estrutural vivida por ricos e pobres; por brancos, negros e pardos; pelos descendentes dos colonizadores e pelos povos originais. Ao menos, era o que se sugeria e, não raro, se afirmava. 

Acontecimentos pátrios referenciais — a Independência, em 1822, a Abolição, em 1888, e a República, em 1889, o fim da ordem oligárquica-federalista, em 1930, para não falar da Redentora, de 1964—, teriam como denominador comum terem ocorrido sem traumas, ou quase, devido ao caráter nacional, pacífico e consensual do povo brasileiro. Apresentou-se também o caráter patriarcal e transigente da ordem escravista como a grande construção de uma natureza magnânima nacional que quebrantava contradições de  raça, credo e classe 

Desde os anos 1930, as origens de uma escravidão feliz, de um mundo estranho ao racismo, de um brasileiro transigente foram explicadas por Gilberto Freyre, o mais brilhante – e cabotinointelectual produzido nessa chamada Terra dos Papagaios, em  Casa-Grande & SenzalaLiteralmente chancelado pelo Estado brasileiro, esse ensaio, no início quase magrelo, ganhou páginas sobre páginas, não raro contraditórias, até o atual volume de dimensão XGG, esperando talvez o autor que a sua extensão soterrasse as sandices propostas 

 

Escravidão feliz 

Em 1985, o Brasil viveu  “redemocratização”, sob o permanente controle das classes dominantes, em que os bandidos da véspera mantiveram seus privilégios e foram anistiados em seus crimes. Entretanto, nos anos anteriores, a mobilização crescente dos trabalhadores das cidades e dos campos e o surgimento de entidades negras combativas haviam desnudado a triste realidade subjacente ao discurso da “fraternidade brasileira”, da “democracia racial”, de um país sem contradições de classe. 

As narrativas laudatórias sobre a Abolição, sobre o caráter  patriarcal e consensual da escravidão, sobre a fantasiosa democracia racial, sobre a ausência de contradições, oposições e ódios sociais e de classes se trincavam definitivamente contra a triste realidade contemporânea, que o movimento social desvelava em toda a sua extensão e profundidade. 

Em fins dos anos 1970, diante dos mais míopes, desnudava-se situação onde a população negra encontrava-se opulentamente  representada entre os segmentos populares mais explorados e marginalizados. Revelava-se, mais e mais, uma realidade onde a pele negra dificultava comumente o acesso ao trabalho, favorecia salários ainda mais escorchantes, constituía um verdadeiro passaporte para a prisão e, mesmo, para o cemitério. 

 

A Luta pela Memória 

Fora longa e dura a luta pela recuperação dos sentidos e realidades do passado escravista do Brasil. Inicialmente, prevaleceram as propostas pacificadoras e apologéticas de um escravismo neo-patriarcal, consagradas por Gilberto Freyre, como vimosApenas nos anos 1950, o trotskista francês Benjamin Péret e o comunista Clóvis Moura assinalaram de forma incontornável o caráter escravista da antiga formação social brasileira, o domínio da contradição opondo escravizados e escravizadores, a necessidade da destruição da escravidão para o avanço da antiga formação social brasileira 

Aquelas leituras revolucionárias foram literalmente canceladas, permanecendo sem desdobramentos imediatos no mundo das representações sobre o passado. Nos anos seguintes, as descrições benignas da escravidão e a “democracia racial” foram refutadas por sociólogos como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Roger Bastide. Porém, eles negaram a determinação do passado pelos trabalhadores escravizados, apresentados  como não-agentes históricos de sua história. 

Aqueles e outros autores propuseram que a superação do escravismo fora uma espécie de “negócio de brancos”, nas palavras de Octávio Ianni,  onde os cativos não intervieram e não obtiveram ganhos substanciais. A escravidão chegara ao fim pela decisão das classes dominantes ascendentes, para dar passo a formas de exploração capitalistas mais dinâmicas. Uma visão próxima à de Gilberto Freyre, que chegou a propor que o fim do cativeiro se dera contra os interesses dos escravizados. 

 

Centenário da Abolição 

Quando do I Centenário da Abolição, em 1988, lideranças do movimento negro abraçaram acriticamente a tese da Abolição comonegócio de brancos”, com o objetivo de melhor denunciar a situação de marginalização econômico-social da população afro-descendente. Destaque-se que, naquele então, sem descurar a luta anti-racista, as direções do movimento negro  priorizavam as reivindicações materiais dos segmentos negros marginalizadossalário, educação, moradia, saúde, segurança, etc. 

Para desmistificar a Abolição como movimento emancipacionista, ressaltou-se que ela se efetuara sem indenização dos trabalhadores escravizados. Que o movimento abolicionista buscara, essencialmente, libertar os cativos, criar mão de obra barata, como fora proposto por não poucos cientistas sociais. Chegou-se a sugerir que após a Abolição, as condições de existência das massas negras teriam, em muitos sentidos, talvez piorado, tese defendida igualmente por Gilberto Freyre, em Sobrados e mucambos, de 1936. 

A crítica do 13 de Maio, para denunciar a situação real da população negra marginalizada contemporânea, confundia libertação civil e emancipação social; a luta abolicionista contra a escravidão e o sancionamento pela regente de lei arrancada ao Parlamento pelos escravizados semi-sublevados, apoiados pelo movimento abolicionista radicalizado. Literalmente, atirava-se fora o bebê com a água do banho! 

 

13 de Maio contra 20 de Novembro 

Passou-se a agitar o 20 de Novembro, definido como Dia Nacional da Consciência Negra, como o inverso do 13 de Maio, data da mistificação branca. Em 20 de novembro de 1695, morrera lutando, ao lado de alguns poucos seguidores, escapados da destruição do mocambo dos Macacos, em um ermo dos sertões da capitania de Pernambuco, Zumbi, o último comandante militar da confederação dos quilombos de Palmares, sucesso histórico luminar das lutas sociais do Brasil no período colonial. 

Com o 20 de Novembro se homenageava a luta dos trabalhadores escravizados, no passado, e eram denunciados o racismo e a situação de enorme parte da população negra, no presente. Havia que seguir, como Zumbi e seus quilombolas, a luta pela obtenção das reivindicações da população negra e pela  destruição da ordem social iníqua. Talvez como uma espécie de vingança tóxica da história, essa data referencial também tem sido abandonada pelas novas direções identitárias negras. 

Não sentido em antepor o 20 de Novembro ao 13 de Maio. A luminar epopéia palmarina envolveu parte das colônias escravistas nordestinas e jamais propôs, e historicamente não poderia ter proposto, a destruição da escravidão como um todo. Palmares resistiu por décadas, determinou a história do Brasil, mas foi derrotada. A revolução abolicionista, ainda que tardia, envolveu toda a nação e suas classes sociais. E, sobretudo, foi vitoriosa, pondo fim ao escravismo e inaugurando uma nova era nacional. 

 

Última de cal  

A crítica, bem-intencionada, do 13 de Maio, sem qualquer base histórica objetiva, fortaleceu as leituras dos ideólogos das classes proprietárias que procuraram, desde 1888, escamotear o sentido daqueles sucessos fulgurantes, nascidos dos esforços e das lutas das massas escravizadas, aliadas aos setores abolicionistas radicalizados. Visão defendida pioneiramente por Clóvis Moura, em Revoluções da Senzalae por tantos outros cientistas sociais, que interpretaram o passado segundo a ótica dos oprimidos. 

Para melhor denunciar a situação da população negra marginalizada, a malhação de Judas da Abolição lançou  a última pedra na construção do esquecimento e descrédito do mais importante acontecimento histórico brasileiro – a revolução abolicionista culminada em 1887-1888. É isso que Marx avisara ser o “caminho do inferno pavimentado de boas intenções”. 

Esquecia-se que, celebrando-se o 13 de Maio, não se reafirmava o mito da libertação concedida,  com Isabel como sua promotora. Ignorava-se que, com a comemoração da Abolição, recuperava-se a importância de uma superação histórica maior. Vitória materializada pelos escravizados que prepararam e impuseram o fim da ordem escravista, apoiados em bloco pluriclassista radicalizado. Ignorava-se ter sido a Abolição a única revolução social até hoje vitoriosa no Brasil. 

 

Ser escravo no Brasil 

Os que criticavam a Abolição ignoravam o que fora ser escravo no Brasil. Foi imenso o impacto do  13 de maio de 1888, na consciência e na vida dos trabalhadores  feitorizados libertados juridicamente. Por um século, eles e seus descendentes batizaram seus filhos, clubes, associações, publicações com aquela data ou, imerecidamente, com o nome da herdeira da casa de Bragança, a grande responsável pela manutenção do cativeiro quase até o século 20. 

Em inícios de 1980, Mariano Pereira dos Santos, ex-cativo centenário, que conhecera a miséria como homem livre, antes de morrer, afirmava, comovido, que o povo negro viverana glória”, após a “Libertação”, forma com a qual os cativos se referiam comumente à Abolição. Maria Benedita da Rocha, a Maria Chatinha, também ex-cativa centenária, que conhecera igualmente uma vida de misérias, referiu-se arrebatada ao fim do cativeiro na sua fazenda.  

Em 13 de maio de 1888, nas cidades e nos campos, os tambores e atabaques ressoaram poderosos, ferindo em derradeira vendeta os tímpanos dos negreiros derrotados. Uma celebração que se estendeu aos libertos e negros livres, que viam extinguir-se uma instituição que era justificada pela pretensa inferioridade da “raça negra”. Em 15 de novembro de 1889, não poucos “13 de maiotemeram a restauração da escravidão ou ensaiaram defesa da monarquia, que viam na República movimento contra os seus  interesses,  no que, de certo modo, não se enganavam. 

 

Uma festa dos oprimidos 

A visão do 13 de Maio como concessão da Redentora, constitui cristalização alienada na memória popular daquelas magníficas jornadas. Constituiu movimento consciente das classes dominantes de corrosão do sentido referencial de sucessos protagonizados pelos trabalhadores escravizados e seus aliados. Paradoxalmente, o sentido radical dessas jornadas foi desvelado por inúmeros trabalhos historiográficos, entre os quais se destacam, pelo pioneirismo, os magníficos Os últimos anos da escravatura no Brasilde Robert C. Conrad, e, Da senzala à Colôniade Emília Viotti da Costa. 

Hoje é farta a historiografia descrevendo a extrema tensão sob a qual o movimento abolicionista radicalizado alcançou a vitória, em maio de 1888, após décadas de lutas. Vitória obtida ao ligar a sua agitação política, cultural e ideológica à ação da massa escravizada, a grande interessada e protagonista da Revolução Abolicionista. No citado trabalho, Robert Conrad registra a Abolição como conquista da insurreição, não sempre incruenta, dos cativos que, nos últimos meses da escravidão, abandonaram maciçamente as fazendas cafeicultoras ou reivindicaram e obtiveram relações contratuais de trabalho dos seus ex-proprietários. 

Nos últimos momentos da escravidão, projeto abolicionista, sem a indenização dos escravistas, foi aprovado no parlamento, por larga maioria, quando as fazendas cafeicultoras estavam desertadas de seus cativos e as forças armadas não tinham condições de sufocar aquela rebelião. Em 13 de maio, a regente imperial nada mais fez do que sancionar a chamada Lei Áurea, assinando o atestado de óbito de instituição agônica devido à ação decidida dos trabalhadores escravizados. Sem esta última, a escravidão teria se mantido, quem sabe, ainda por anos. 

 

Revolução Social Vitoriosa 

Em um sentido histórico, foi a oposição estrutural das classes escravizadas, durante os três séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da servidão. A rejeição permanente, consciente, semiconsciente e inconsciente, do cativo ao trabalho feitorizado impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento da produção escravista, singularmente coesa, determinando altos gastos de coerção e vigilância que abriram espaços para formas de produção superiores, com proposto, por Jacob Gorender, em O escravismo colonial, obra referencial sobre a organização do passado escravista. 

Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial que dominara e conformara, por mais de três séculos, a sociedade no Brasil. Negar essa realidade devido às condições econômicas, passadas ou atuais, de parte da população descendente dos trabalhadores escravizados, é compreender e explicar a história com visões não históricas. A grande vitória da Revolução Abolicionista foi a liberdade civil e o fim da organização escravista da sociedade e da produção 

Em um contexto pré-capitalista, os limites da Abolição eram objetivosDurante a Colônia e o Império, foi singular a coesão econômica, política, ideológica e militar da sociedade e da produção escravista, que tivera na monarquia sua superestrutura estatal. As duras condições de trabalho e de existência; a dispersão geográfica, econômica, cultural, etc. dos escravizados; a repressão a que eram submetidos, etc. impediam objetivamente o nascimento e a expansão entre os explorados de consciência e de programa abolicionistas, em um imenso espaço territorial pré-nacional 

 

Limites da Revolução Abolicionista 

Não houve espaço para o desenvolvimento de classes livres que apoiassem a luta dos escravizados. Toda a rebeldia anti-escravista era dura e impiedosamente reprimida. Nas últimas décadas da escravidão,  com o fim do tráfico transatlântico de africanos, em 1850, o cativo era categoria social em declínio, que lutava sobretudo pelos direitos cidadãos mínimos. Ou seja, a liberdade. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta dos cativos rurais, concentrados no Centro-Sul, à dos cativos urbanos, então numericamente pouco representativos. 

Não procede a proposta de Abolição sem conteúdo porque os cativos não foram indenizados. Desvalorizam a liberdade  apenas os que a sempre gozaram. Nas grandes transições entre modos de produção conhecidos pela humanidade, que representaram ganhos relativos, mas substanciais, para as classes oprimidas que as impulsionaram, em geral em forma inconsciente, jamais houve indenização dos produtores diretos. Na transição  do escravismo antigo ao feudalismo, do feudalismo ao capitalismo, etc., não houve emancipação social plena e indenização dos produtores diretos. A emancipação social e política dos oprimidos é possível apenas na transição do capitalismo ao socialismo, devido ao alto  desenvolvimento das forças produtivas materiais 

Entretanto, em teoria, a Abolição poderia ter assegurado  melhores condições materiais aos ex-cativos e ex-libertos, através da distribuição de terras, única indenização então possível. Ao igual do vivido por outras regiões escravistas das Américas. São várias as razões para o mesmo não ter  ocorrido no Brasil. O enorme poder dos latifundiários, a pouca difusão de hortas servis, a reivindicação prioritária da liberdade dificultavam movimento pela distribuição de terras 

A vitória na luta pela concessão de colônia teria exigido a união de cativos, caboclos, posseiros, colonos europeus etc. Realidade então praticamente impossível, devido ao baixo nível de consciência e de organização e à elevada heterogeneidade e dispersão das classes rurais exploradas. O fato é que os cativos não reivindicaram a divisão da terra, enfatizando a luta pela liberdade civil e por condições contratuais de trabalho. Não raro, retiraram-se para regiões desabitadas, onde viveram semi-isolados. Porém, a concessão de terras foi defendida explicitamente pelos mais conseqüentes chefes abolicionistas – Rebouças, Patrocínio etc. 

 

Programa Abolicionista 

O governo formado pelo Partido Liberal, em 7 de junho de 1889, e deposto pelo golpe republicano, de 15 de novembro, aprestava-se a realizar alguma forma de distribuição de nesgas de terras, para os ex-cativos, caboclos, etc. Entretanto, os sem-terras eram disputados como mão de obra pelos  latifundiários, a verdadeira base de sustentação do golpe republicano. A Lei de Terras, de 1850, fora criada, precisamente, para fabricar sem-terras, para irem trabalhar nas grandes fazendas. 

É incongruência  histórica propor a Abolição como um “negócio de brancos”. Os escravistas sempre quiseram mais negros, e não se livrar deles. Durante o Primeiro e o Segundo Reinados, os Braganças defenderam renhidamente a escravidão e os escravistas, classe dominante hegemônica, até meses antes da Abolição. Nos meses finais da escravidão, os mais renitentes negreiros, que reconheciam a inevitabilidade do fim da instituição, esforçavam-se para explorar seus cativos alguns meses, alguns dias, algumas horas a mais e, sobretudo, reivindicavam a indenização pela libertação de propriedade reconhecida pela lei. 

Na ausência de conquistas econômicas quando da Abolição pesou também a contra-revolução republicanaoligárquica e federalista – de 15 de novembro de 1889. O federalismo radical pôs fim ao movimento abolicionista, projeto reformista nacional, como proposto. Os limites históricos da Abolição não devem minimizar a importância da conquista de direitos políticos e civis mínimos, por setecentos mil “escravos” e “ventre-livres”. Em 13 de maio de 1888, superava-se a distinção entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira unificada contemporânea, que as classes dominantes se esforçam para trincar. 

 

Círculo que se fecha 

Nos anos 1990, a derrota histórica do mundo do trabalho e a euforia neoliberal determinaram também os destinos gerais da historiografia. No Brasil como alhures, os holofotes da mídia, o interesse das editoras, o bom tom historiográfico apontaram para estudos monográficos, intimistas, biográficos e exóticos, tranquilizadores das consciências e pacificadores dos espíritos. De ciência que procurava libertar, a história transformou-se, fortemente, na arte  de entreter e de inebriar os leitores. 

Decaíram o interesse e os incentivos para estudos sobre as classes trabalhadoras urbanas, o movimento camponês, os fenômenos essenciais da sociedade humana e os estudos analíticos e estruturais  sobre o passado. As pesquisas sobre a escravidão, sobre as formações sociais, sobre os modos de produção, em desprestígio, foram dominadas por teses que retomavam as propostas da escravidão benigna e consensual defendidas no passado por Gilberto Freyre e, antes dele, pelos escravistas. 

Nos dias atuais, com o avanço sem travas do conservadorismo mundial e nacional, o círculo da negação da Abolição se encerra com um idêntico silêncio sobre o 20 de Novembro, apenas menos explícito. Senzala, eito, tronco, quilombo, trabalho escravizado, resistência servil, revolução abolicionista são eventos atinentes ao mundo do trabalho, hoje derrotado, negado e desvalorizado 

Um novo movimento negro identitário, nascido à sombra do grande capital e do imperialismo, não sonha em virar a mesa, onde se sentam alguns poucos privilegiados, como tentaram, sem sucesso, Zumbi e milhares de quilombolas e cativos insurrecionados. Batalha em que foram vitoriosos, nos limites das possibilidades históricasos cativos cafeicultores, em 1888. O identitarismo procura, apenas, que lhe sejam cedidos alguns poucos lugares, nas últimas fileiras, no jantar dos poderosos 

 

A revolução deles e a nossa 

O movimento identitário se afasta e nega os trabalhadores escravizados como seus ancestrais. Procura no passado, sobretudo, apenas os raros africanos e afro-descendentes que enriqueceram durante e após a escravidão. Eles servem como paradigmas e comprovação da possibilidade da concretização, hoje, do “empreendedorismo negro”. Operação publicitária que afirma que todos podem chegar , através de uma autoexploração desenfreada. Mesmo que, no mundo real,  apenas um e outro ascendam na cadeia alimentar capitalista. Pisando, é claro, firme, sobre brancos, negros, pardos, amarelos e por vai. Pois, entre os lobos, deve-se uivar como lobos. 

A história é processo objetivo e complexo, tendencialmente ascendente, onde as conquistas sociais de ontem, parciais e contraditórias, possibilitam eventualmente avanços mais substanciais. Movimento que pode, igualmente, conhecer recuos históricos. Regressão que enseja e promove, como nos dias atuais, o obscurecimento da compreensão do passado e de seu encadeamento com o presente. Em um contexto de proposta vigência eterna da ordem capitalista, encerram-se os indivíduos em espaço existencial acrônico, em que não mais o que foi nem o que eventualmente será. apenas a prisão em um agora, sem reflexão e consciência, de seres reduzidos à função de produtores e consumidores, no melhor dos casos. 

Concluída em 13 de maio de 1888, a Revolução Abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas nacional e moderno do Brasil, promovido pelos abolicionistas e sustentado e realizado pelos trabalhadores escravizados, em aliança com libertos, trabalhadores livres, segmentos médios e alguns poucos proprietários não-escravistas. Até agora, foi a única revolução social vitoriosa do Brasil, que dissolveu a organização da sociedade  então dominante, dando lugar a  outra, mais avançada 

Resgatando e desvelando o sentido e a história da Revolução Abolicionista, seguiremos mais facilmente no caminho apontado pelos trabalhadores escravizados, que ousaram, apesar dos perigos que corriam, abandonar as senzalas, carregando como armas suas enxadas, para pôr fim à ordem negreira, no não tão longínquo ano de 1888. Se a situação que vivemos nos fere e desagrada por sua feiura e brutalidade, como não podia deixar de ser, a responsabilidade não cabe aos nossos ancestrais, que fizeram a sua revolução, nos limites das possibilidades objetivas. A responsabilidade cabe simplesmente a nós, que não fizemos ainda a nossa. E, para fazê-la, não podemos deixar de saudar os valentes trabalhadores escravizados e abolicionistas que, em 13 de maio de 1888, nos apontaram o caminho a seguir. Então, mãos à obra. E viva a Abolição!


Mário Maestri


Biblografia Consultada

ABU-Jamal, Mumia. Pantera Negra: El Partido. Trad. Cuba: José Marti, 2006. 

BASTIDE, Roger. [1898-1974]. Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973. 

BASTIDE, Roger. As Américas negrasas civilizações africanas no Novo Mundo. São Paulo: Difusão européia do livro/ EdUSP, 1974. 

BRITO Jailton Lima. A abolição na Bahia. (1870-1888). Salvador: CEB, 2008. 

CARBONI, Florence & MAESTRI, Mário A linguagem escravizada. São Paulo:Expressão Popular, 2003.  

CARDOSO, F.H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difel, 1962. 

CHAVES, WandersonA questão negra: a Fundação Ford e a Guerra Fria (1950-1970). Curitiba, Apris, 2019. 

CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Brasília: INL, 1975.  

COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2 ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1982. 

COSTA, Emília Viotti Da. A abolição8. ed. rev. Ampliada. São Paulo: Ed UNESP, 2008. 

 DALLA VECCHIA, Agostinho Mário. As noites e os dias: elementos para uma economia política da forma de produção semi-servil filhos de criação. Pelotas: EdiUFPEL, 2001.  

 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3 ed. São Paulo: Ática, 1978.  

FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento, 1973. [Primeira edição espanhol, 1971. 

 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal14 ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969. 2 v. 

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambosa continuação de Casa Grande & Senzala. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. 

GORENDER, J. O escravismo colonial. 4 ed. São Paulo: Ática, 1985. 

GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitadaSão Paulo: Ática, 1990.  

IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravoSão Paulo: Difel, 1962. 

IANNI, Octávio. Escravidão e racismoSão Paulo:Hucitec, 1978.  

JAMES, C. L R. Os Jacobinos negros: Toussaint L’ Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo: Bom Tempo, 2000. 

MAESTRI, Mário. Depoimentos de escravos brasileiros. São Paulo: Ícone, 1988. 

MAESTRI, Mário. Revolução e contra–revolução no Brasil: 1530-2019. 2 ed. Porto Alegre: FCM editora, 2019. 

MAESTRI, Mário. O trabalhador escravizado na historiografia brasileira, A Terra é Redonda, 06/05/2023. https://aterraeredonda.com.br/o-trabalhador-escravizado-na-historiografia-brasileira/ 

MAESTRI, Mário. A luta abolicionista, A Terra é Redonda, 10/11/2021, https://aterraeredonda.com.br/a-luta-abolicionista/ 

MAESTRI, Mário. O identitarismo negro está comenda a esquerda por uma perna. Contrapoder,  31/10/2020. https://contrapoder.net/colunas/o-identitarismo-negro-esta-comendo-a-esquerda-por-uma-perna/ 

MONTENEGRO, Antonio Torres. Reinventando a liberdadea abolição da escravatura no BrasiL São Paulo: Atual, 1989. 

MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Zumbi, 1959. 

PÉRET, Benjamin. O quilombo de Palmares. Introduções e notas de MAESTRI, M. & PONGE, R. Porto Alegre: EdUFRGS, 2002. 

WIMPFFEN, Alexandre-Stanislas de. Haiti au XVIII e siècle: Richesse et esclavage dans une colonie française. Paris: Karthala, 1993. 

WEHLING, Arno (org.). A abolição do cativeiro. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1988.