quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Educação sexual salva vidas

fevereiro 20, 2020



 O quadro de ódio a mulheres (misoginia) é estarrecedor. O Brasil sai de 2019 com o título de campeão da América Latina e Caribe em violência contra mulheres. Segundo dados do Anuário de Segurança Pública de 2019, o ano de 2018 foi o mais violento contra as mulheres desde pelo menos 2009. Foram mais de 180 estupros por dia. Cento e oitenta! Isso oficialmente. A cada hora mais de sete mulheres foram violentadas e dessas mais de cinco foram menores de 17 anos. Isso mesmo. Mais de 71% das vítimas foram jovens de até 17 anos e, entre elas, o maior grupo foi de meninas de até nove anos. Crianças!

A imensa maioria desses estupros acontecem, não no meio da rua, em becos escuros, tarde da noite, motivados por roupa curta, por estar andando sozinha ou por embriaguez. Nem tão pouco, a maioria dos estupradores são desconhecidos, com armas apontadas para as cabeças das vítimas. Lembram que a maioria das vítimas são crianças? É dentro de suas casas que essas mulheres e meninas, tratadas como propriedades de seus parentes, conhecem a violência moral, física e sexual.

Esses dados são mais alarmantes quando consideramos que não há educação sexual em nossas escolas e o governo federal esforça-se exatamente no sentido de impedir que haja. Na medida em que se impede, censura, veta, persegue a discussão de gênero e de sexualidade nas escolas, cresce o ambiente que propaga violências e abusos.

Educação sexual não diz respeito a ensinar como fazer sexo. É, entre outras coisas, ensinar desde cedo a essas crianças que o sexo para elas NÃO pode, que os corpos não devem ser violados, que é crime, é errado, é violência. A falta de educação sexual leva a vulnerabilidade. Quando alguém é contra a educação sexual nas escolas, na prática, está defendendo que as vítimas sigam vulneráveis, com medo e no silêncio, ou seja, defende a continuidade dos abusos sexuais.

A violência contra mulheres e, sobretudo contra nossas meninas, é no fim das contas, uma decisão política de governantes e parlamentares, e até por isso, precisa e pode ser parada. Pela vida das mulheres, por todas nós.

Anna Karina
Professora da rede estadual e feminista
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Matéria publicada no Jornal O POVO em 19 de fevereiro de 2020

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Preço justo?

fevereiro 08, 2020



Os protestos dos “olivareros” isto é, dos agricultores espanhóis da produção de azeite de oliva, neste dia 30 de janeiro em Jaen, principal província produtora de azeite na Espanha, situada ao noroeste da comunidade autônoma de Andalucía, representam uma reação à política econômica capitalista, sobretudo dos Estados Unidos, que impõem tarifas sobre as importações do azeite de oliva.


De acordo com dados da Eurostat [1], que é o escritório estatístico da Comissão Europeia, 35% das exportações de azeite da União Europeia no primeiro trimestre de 2019 foram para os EUA, com um valor estimado de US$ 339 milhões (301 milhões de euros). A Espanha é o principal país que exporta para o mercado norte-americano, com 35.323 toneladas. Em segundo lugar está a Itália, com 30.898 toneladas, seguida por Grécia (3.506 toneladas) e Portugal (1.410 toneladas).


O movimento, conduzido por algumas organizações agrárias (ASAJA, COAG, UPA, Cooperativas Agro-alimentarias e Infaoliva), protesta contra os baixos preços do azeite que estão muito abaixo dos custos de produção. A reivindicação principal é por “preços justos”, além da revisão do sistema de armazenamento, da eliminação das tarifas com os Estados Unidos, da autorregulação do mercado, entre outros.


A Espanha é dividida geograficamente em 17 comunidades autônomas e 50 províncias e pode-se dizer que a produção de azeite de oliva é predominante no país, já que está presente em 34 províncias de 13 comunidades autônomas [2].



Jaén, que como vimos faz parte da comunidade autônoma de Andalucía, é reconhecida como a capital mundial do azeite de oliva porque além de ser a maior região produtora de azeite de oliva na Espanha, é também a maior produtora do mundo, chegando a superar a Itália, que é o segundo país maior produtor mundial.


A produção do azeite de oliva compreende um longo processo constituído por momentos distintos, começando com um ciclo anual de cultivo, depois com a coleta da azeitona, seguido da extração do azeite oriundo da azeitona. Após estes processos de transformação da natureza, por meio do trabalho, se dá o processo de engarrafamento para a sua comercialização.


O azeite de oliva, como qualquer mercadoria produzida no sistema capitalista, é resultado da venda e compra da força de trabalho, que tem como principal objetivo a obtenção do lucro.


O processo de valorização do valor faz parte da natureza do capital que, sendo uma relação social fundada na venda e na compra da força de trabalho, percorre uma série de metamorfoses: duas destas fases pertencem à circulação e uma à esfera da produção.


O primeiro momento corresponde ao ciclo inicial do capital, em que se realiza um processo de circulação; neste momento, o capitalista comparece como possuidor de dinheiro e comprador de mercadorias, que são a força de trabalho e os meios de produção. Para exemplificar com a produção do azeite de oliva [3], comecemos com o plantio de oliveiras, cujo fruto é a azeitona ou oliva. O capitalista, que possui dinheiro, compra o que é necessário à produção de azeitonas, como a terra, as sementes, a força de trabalho e os meios necessários à produção, como as máquinas, o transporte, entre outros. Mas ele também tem a opção de comprar no mercado a azeitona produzida, matéria-prima [4] fundamental na produção do azeite. Todavia, tanto a plantação de oliveiras como a matéria-prima, a azeitona, além dos meios de produção, necessários à produção de azeite de oliva, resultam da ação humana que transforma a natureza, do trabalho humano, força motriz que impulsiona o processo de produção do capital. 

Após comprar as mercadorias – a força de trabalho e os meios de produção –, o capitalista passa a consumi-las produtivamente, ou seja, como “meios de subsistência do trabalho, da força de trabalho ativa do indivíduo” (MARX, 1996, p. 302). Este é o segundo movimento do capital (a esfera da produção), em que o capitalista realiza o consumo produtivo das mercadorias compradas. Para continuar com o exemplo, após comprar tudo necessário à produção do azeite, segue o processo de produção do trabalho em que se obtém o produto, o azeite de oliva.


Uma vez produzida a mercadoria, o capitalista volta ao mercado para vendê-la, convertendo-a assim novamente em dinheiro. Este momento corresponde ao terceiro estágio do capital, completando finalmente o seu movimento que resulta num processo de produção da mais-valia, isto é, o “excedente sobre o valor original”. Neste sentido, o “[...] valor originalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera nela a sua grandeza de valor” (MARX, 1996, p. 271). Seguindo com o exemplo, quando finalmente o azeite é engarrafado, encontra-se pronto para ser vendido no mercado. Ao vender o azeite, o capitalista obterá uma quantidade de dinheiro maior do que aquela investida no início do processo para comprar todas as mercadorias necessárias para produzir o azeite: matéria-prima, meios de produção e a força de trabalho. Assim como se coloca fermento num bolo para que ele cresça, com o dinheiro do capitalista ocorre o mesmo, no entanto, o “fermento” que faz com que o dinheiro do capitalista cresça é o trabalho.


Portanto, no final do processo, o valor adiantado não apenas é preservado, como é agregado novo valor ao processo, de maneira que ele pode começar o novo ciclo com uma grandeza superior à precedente.


A mais-valia, isto é, este excedente que foi apropriado pelo capitalista, só é possível por causa de uma mercadoria “especial”: a força de trabalho. O valor que a força de trabalho produz no tempo de trabalho em que ela foi comprada é maior do que o valor que ela custa ao capitalista. Sem a compra e venda da força de trabalho não tem mais-valia, capital produtivo. Portanto, a força de trabalho cria valor, isto é, gera um valor superior ao que custa; ela produz mais valor que o necessário para reproduzi-la.


Para melhor esclarecer, vejamos o seguinte exemplo: numa jornada de trabalho de 12 horas, em 8 horas o trabalhador repôs a sua força de trabalho e repôs para o capitalista o valor que ele foi comprado, isto é, o preço pago pelo salário. O valor de 4 horas que ele produz é apropriado pelo capitalista; as 8 horas correspondem ao tempo de trabalho necessário, enquanto as 4 horas são referentes ao tempo de trabalho excedente.


Com base nestes fundamentos, diríamos que sob o sistema do capital, é impossível existir “preço justo”, “salário justo”, ou em outras palavras, uma “relação justa” entre trabalho e capital. A essência do capital consiste numa relação contraditória inconciliável entre trabalhadores e capitalistas, entre trabalho e capital.


A manifestação dos “olivareros” espanhóis é um convite à reflexão acerca da tarefa inadiável de conduzir as lutas dos trabalhadores em geral contra a existência do capital, causa da desigualdade e da injustiça social.

Edna Bertoldo
Professora da Universidade Federal de Alagoas
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Referências Bibliográficas



[2] Disponível em:  www.esenciadeolivo.es/aceite-de-oliva/aceite-de-oliva-en-espana/zonas-productoras-en-espana. Acesso em: 30 jan. 2020.

[3] Os exemplos que seguem para esclarecer melhor a teoria de Marx foram sugeridos por Michele Bertoldo Coêlho, minha filha, que embora tenha formação acadêmica na área da Física, sem que fosse sua intenção ou resultado de seu conhecimento, acabou reafirmando a tese marxiana da prioridade ontológica da objetividade existente tanto na ciência da natureza, quanto na ciência social.


[4] “Todas as coisas que o trabalho só desprende de sua conexão direta com o conjunto da terra, são objetos de trabalho preexistentes por natureza. Assim o peixe que se pesca ao separá-lo de seu elemento de vida, a água, a madeira que se abate na floresta virgem, o minério que é arrancado de seu filão. Se, ao contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por meio de trabalho anterior, denominamo-lo matéria-prima. Por exemplo, o minério já arrancado que agora vai ser lavado. Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho apenas é matéria-prima depois de já ter experimentado uma modificação mediada por trabalho”. Cf. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Volume 1, livro primeiro, tomo 1. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 298, grifo nosso.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Um fundamentalista religioso para coordenar a CAPES

fevereiro 06, 2020



Benedito Guimarães Aguiar Neto foi indicado pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, para presidir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes do Ministério da Educação – MEC, sob a direção de Abraham Weintraub. Benedito é cristão protestante, tendo sido reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Só para lembrar, em abril de 2019, a Reitoria da Mackenzie decidiu censurar a participação das editoras Boitempo e Contracorrente na Feira de Livros organizada pelo Centro Acadêmico João Mendes Jr, em São Paulo.

Além do direitismo a direção da Mackenzie incentiva ostensivamente o obscurantismo sobre um verniz científico. Já foram realizados vários simpósios internacionais “Darwinismo Hoje” (2008, 2009, 2010 e 2012) para fazer propaganda do denominado “criacionismo científico” e desacreditar a Teoria da Evolução. Para consolidar essa perspectiva, nos dias 05 e 06/05/2017, foi lançado o Discovery-Mackenzie, um núcleo de pesquisas sobre ciência, fé e sociedade, com o objetivo de promover estudos científicos focados em complexidade e informação na busca de evidências que apontem para a ação de um design inteligente na natureza. Como o nome indica, o núcleo conta com parceria do Discovery Institute, organização estadunidense dedicada à chamada “Teoria do Design Inteligente”. Segundo a pseudociência do “Design Inteligente” os processos naturais são incapazes de explicarem a diversidade biológica, entre outras coisas, devido à falácia da “complexidade irredutível” que exigiria a presença de inteligência sobrenatural. Interessante que os defensores do “Design Inteligente”, não publicam artigos em revistas sérias, não testam hipóteses e não fazem ciência. De fato, é uma reciclagem do criacionismo próprio do velho fundamentalismo cristão protestante, geralmente associado a posturas conservadoras e reacionárias.

É típico de qualquer fundamentalismo religioso, seja ele católico, protestante, mulçumano ou hindu, uma atitude política antimoderna e uma insensibilidade à crítica da razão.

O fundamentalismo protestante surgiu como uma reação ao liberalismo ou modernismo teológico que se desenvolveu no século XIX em resposta ao avanço das ciências e do movimento dos trabalhadores, com uma reflexão teológica aberta às ciências e às conquistas da razão moderna. Nesse sentido, conforme Oro (1996), teólogos e igrejas liberais estabeleceram coordenadas progressistas como: 1) aceitação das teorias das ciências naturais como o darwinismo; 2) a teoria das fontes ou crítica bíblica; 3) a influências das religiões dos povos vizinhos nas tradições do judaísmo primitivo; 4) a teoria da revelação progressiva; 5) aceitação do naturalismo como explicação do mundo, diminuindo o espaço para a interpretação sobrenatural; 6) entendimento da deturpação do cristianismo primitivo e, 7) aceitação de técnicas e métodos provenientes das ciências históricas, sociais e naturais no estudo da Bíblia e de seus manuscritos, o que refletiu profundamente na reflexão teológica. No mesmo contexto histórico, Kautsky (2010), indica a presença de teólogos e pastores no movimento socialista alemão no fim do século XIX e início do século XX.

Como expressão mediada da luta de classes, em especial na sociedade estadunidense o protestantismo dividiu-se em dois campos básicos: conservador e liberal. Os liberais vinculavam-se mais à solidariedade, a uma opção política, à primazia do interesse público e à justiça social. Já os conservadores desprezavam temas sociopolíticos, centrando-se na defesa da “livre empresa”, do bem individual e do sucesso econômico como sinais de salvação baseados numa moral comum privada, individual e familiar.

No seio do campo conservador o vocábulo “fundamentalismo” surgiu, em 1895, numa conferência bíblica em Niágara, onde foram fixados os cinco pontos do fundamentalismo bíblico: 1) inerrância verbal da Sagrada Escritura; 2) divindade de Jesus Cristo; 3) o nascimento virginal de Maria; 4) a teoria substitutiva da redenção e, 5) a ressureição corpórea de Jesus com seu retorno no final dos tempos. Com essas coordenadas desenvolveu-se uma literatura exegética e teológica, de uma perspectiva sociopolítica conservadora, para combater o secularismo e o liberalismo.

Nas diversas fases de desenvolvimento do fundamentalismo um dos centros de sua atividade foi o combate incessante às conquistas científicas de Charles Darwin, por contrariar a verdade bíblica, além de confrontar-se com todo sistema científico que não aceitasse a leitura literal da Bíblia. Associados a essa postura anticientífica estão a defesa da família patriarcal, da hierarquia social, do poder ilimitado do clero sobre as comunidades religiosas, do anti-ecumenismo, do preconceito diante da diversidade humana e do apoio a correntes políticas autoritárias. O fundamentalismo é multidenominacional e, depois da Segunda Guerra Mundial, foi um dos pilares do anticomunismo nos Estados Unidos. Houve, por exemplo, uma convergência entre a política externa estadunidense e a expansão de várias correntes religiosas no contexto de ascensão de lutas populares na América Latina, de acordo com Lima (1991).

Diante do exposto, a indicação de um criacionista para gerir a Capes não é algo aleatório. A corrente fundamentalista cristã protestante é uma das vertentes que compõem o amálgama sociopolítico do governo de extrema direita de Bolsonaro. Essa vertente clerical reacionária pró-imperialista e anticomunista é cúmplice dos ataques aos trabalhadores, à economia nacional, às mulheres, aos indígenas, aos negros, à juventude e aos LGBTs.

Como, afirma Stanley (2018), uma das características da extrema direita, desde Mussolini e Hitler, é o anti-intelectualismo. A extrema direita não só desconfia, mas odeia a razão e o pensamento científico. Daí a confluência entre o governo neofacista de Bolsonaro e o fundamentalismo para destruir a universidade pública e o pensamento crítico no Brasil.

Somente uma frente única, com ampla liberdade de crença e de consciência,  em defesa da ciência, da pesquisa, do pensamento crítico, da escola pública e da democratização do conhecimento poderá deter essa barbárie neofascista e fundamentamentalista.

Frederico Costa
Professor da UECE - Universidade Estadual do Ceará
Diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-SN
Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário-IMO

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Referências Bibliográficas


KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
ORO, Pedro Ivo. O outro é o demônio: uma análise sociológica do fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1996.
LIMA, Délcio Monteiro de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves S.A., 1991.
STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política “NÓS” e “ELES”. Porto Alegre: L&PM, 2018.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Nos tempos em que Stalin amava Hitler

fevereiro 02, 2020



O pacto entre Stalin e Hitler não foi acordo espúrio a fim de dar tempo para  a URSS preparar-se ap ataque nazista, como defendem apologistas do estalinismo. Era Trotsky e a Oposição de Esquerda Internacional que propunham a inevitabilidade daquela agressão, desde inícios dos anos 1930. E eram acusados, por isso, pelos estalinistas, de fomentarem a guerra entre os dois países.

Stalin e a direção estalinista acreditavam no respeito por Hitler e pelo nazismo do pacto de não agressão que dividiu a Polônia e abriu as portas à Segunda Guerra Mundial.  Um fato da vida quotidiana da URSS estalinista registra esse breve amor profundo de Stalin, jamais correspondido por Hitler, amante insincero, sinistro e ardiloso, que sempre soube que a URSS era seu maior inimigo.

Margarete Thüring estudou para professora primária, aderiu à Juventude Comunista Alemã e, em 1926, com 25 anos, ao Partido Comunista Alemão. Casou-se com Rafael Buber, ativo camarada de origem judaica, com quem teve duas filhas, separando-se devido ao fato do companheiro se afastar do comunismo. Por sua militância, perdeu a guarda das filhas, em 1928, entregues aos sogros, judeus praticantes.

UM JOVEM CAMARADA

Margarete casou-se a seguir com Heinz Neumann, fundador e alto dirigente do PCA,  diretor-chefe do periódico comunista Bandeira Vermelha (Rote Flame), também ativo quadro da Internacional Comunista. Heinz Neumann caiu em “desgraça”, em 1932, por opor-se à política estalinista para a Alemanha, que subestimava o perigo nazista. A mesma posição defendida, então, pela Oposição de Esquerda Internacional [trotskista]. O casal foi enviado em missão à Espanha e, devido à conquista nazista do governo, em 1933, se radicou em Moscou, em 1935.

Em 27 de abril de 1937, durante o “Grande Terror”, Heinz Neumann foi preso, julgado, condenado à morte e executado no mesmo dia, talvez com o tradicional tiro na nuca. Tinha então 35 anos. Em junho de 1938, foi a vez de Margarete Buber-Neumann. Acusada de atividades contra-revolucionários [trotskistas], foi  condenada a longos anos de trabalhos forçados penosos em campos de concentração estalinistas. É também possível que sua condenação tenha se devido ao fato de ser esposa do alto dirigente comunista, com tradição crítica, com quem debateria as questões políticas alemãs, soviéticas e internacionais.

BEIJO MACABRO DOS NOIVOS

Após o noivado e o casamento Stalin-Hitler, os noivos trocaram presentes logicamente sinistros. Em 1940, Stalin entregou de presente aos nazistas os comunistas alemães presos nas prisões estalinistas. Entre eles, Margarete, extraditada sobre a ponte de Brest-Litovsk, na atual Bielorússia, e enviada ao campo de concentração feminino de Ravensbrück, noventa quilômetros ao norte de Berlim. O mesmo em que estava aprisionada Olga Benário, também comunista alemã, de origem judia, entregue aos nazistas pela polícia política de Getúlio Vargas, com a gentil cooperação do STF da época. Margarete teve melhor sorte que Olga.

Em abril de 1945, com a aproximação do Exército Vermelho, prisioneiras do campo de Ravensbrück foram deixadas em liberdade. Então, Margarete empreendeu viagem a pé, através da Alemanha, procurando  refúgio entre familiares, na Baviera, e se esforçando para não cair nas mãos do Exército Soviético, onde a NKVD era ativa. Temia ser reenviada aos campos de concentração estalinistas, sorte que coube a grande número de comunistas libertados das prisões ou que sobreviveram a repressão nazistas, entre eles, o célebre Leopold Trepper, comunista polonês de origem judaica, organizador da maior rede de espionagem comunista na Europa Ocidental, conhecido como a “Orquestra Vermelha”. Após a guerra, permaneceria em campo de prisioneiro estalinista, por nove anos, mesmo após a morte de Stalin, em 1953!

Após a guerra, Margarete Buber-Neumann assumiu viés político conservador e, a seguir, anti-comunista. O que de se lamentar, mas compreensível. Entre outros, escreveu dois importantes livros de memórias sobre seus anos nos campos de concentração estalinistas e nazistas:  Milena, editado no Brasil, e Sob dois ditadores: prisioneiros de Stalin e Hitler [tradução livre], inédito em português.

Mário Maestri*
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

*Com a colaboração da linguista italiana Florence Carboni