quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Esquerdo-macho ou machista de esquerda?

dezembro 02, 2021

Esses dias, devido ao caso da prisão em flagrante do vereador Ronivaldo Maia (atualmente com sua filiação do PT suspensa) por tentativa de feminicídio, caso em que me solidarizo em absoluto com a vítima e espero, juntamente com as mulheres da classe trabalhadora, justiça; um tema tem me despertado interesse: o uso do termo “esquerdo-macho”.

Aqui destaco que esse texto expressa a minha opinião sobre o assunto e que estou trazendo o debate para pensar junto àquelas e aqueles que me leem. Por se tratar de um artigo de opinião, isso deveria estar implícito, mas nunca é demais destacar para delimitar o tom da conversa.

Ocorre que, devido ao caso de violência cometido por um militante do Partido dos Trabalhadores, um homem de esquerda, diversos foram os ataques à própria esquerda como um todo. Dou destaque aqui a expressão “esquerdo-macho” por não simpatizar muito com ela, pelo menos não quando ela é usada para significar simplesmente “machista de esquerda”.

Na minha compreensão (não fiz um estudo linguístico para afirmar isso), o termo “esquerdo-macho” nomeia um tipo social: um homem que, estando num meio de esquerda, seja organizado ou não, talvez até alguém que está apenas no campo progressista, e que constrói uma autoimagem de “desconstruído”. Ele diz que é aliado da luta feminista, antirracista, antiLGBTQIAP+fóbica, anticapacitista, anticapitalista etc., ele se veste como aliado, ele discursa como aliado, mas ele, na verdade, reproduz e se beneficia das relações machistas, racistas, etc. como qualquer outro ou pior.

Você deve me questionar qual a diferença do "esquerdo-macho" para o machista de esquerda. A diferença é que você não identifica fácil o “esquerdo-macho”, como ele se fantasia de aliado, você baixa a guarda, você acredita nele, você se entrega, você age com ele como se ele fosse seu aliado. Quando a violência vem dele, você não está preparada, você está desarmada. Muitas vezes, é muito difícil desmascarar um “esquerdo-macho”, muitos (o masculino aqui é proposital) demoram a crer que aquele “camarada" é violento. Não é simplesmente porque ele é de esquerda, é porque ele é (diz ser) um aliado da luta das mulheres.

Não sei, se você está compreendendo meu raciocínio. Veja: o machismo é estrutural. Todes somos socializados em uma sociedade machista. Não é surpresa que existam machistas e homens violentos em todos os lugares. Na esquerda não seria diferente. O capitalismo precisa do machismo para que as mulheres sigam realizando o trabalho não pago de reprodução social, o capitalismo fomenta relações machistas na classe trabalhadora, por isso a luta contra o machismo é uma luta anticapitalista e revolucionária. Uma organização de esquerda só pode combater as relações de exploração capitalista, se combate qualquer forma de opressão dos seus próprios militantes.

Eu, no entanto, tenho que dizer que acho que homens que se colocam no campo da esquerda tem obrigação de combater o machismo em si mesmo e nos outros. Na minha compreensão, homens de esquerda, de todas as vertentes, que estudam a sociedade capitalista e querem superá-la revolucionariamente não podem permanecer reproduzindo, seja onde for, o machismo. Aqui o “esquerdo-macho” se diferencia: ele é cínico, ele é sonso, ele é cruel. Ele discursa sobre apoio ao feminismo na mesa de bar e, ao mesmo tempo, ele violenta, ele ilude, ele usa de charme para conquista, descartar, maltratar mulheres, ele estupra e diz que “foi socializado assim”, mas que está tentando mudar, ele põe uma mulher contra a outra, ele engana.

Quando penso no “esquerdo-macho” lembro da caricatura que uma humorista faz que é simplesmente brilhante: @ademaravilha, busquem na internet. É preciso identificar os “esquerdo-machos” e combatê-los. Eles podem ser seus colegas de partido, até mesmo seu dirigente, seu orientador acadêmico, seu amigo de bar. Eles estão por aí.

Entendam: eu não estou dizendo que está tudo bem ser machista na esquerda porque o machismo é estrutural. Ao contrário, na esquerda, o combate ao machismo precisa ser intransigente. Precisamos dar um basta às relações machistas, precisamos chamar os camaradas a se somarem na luta feminista, serem verdadeiramente aliados, precisamos dar combate às relações machistas, desiguais nas nossas organizações, mas tudo isso exige uma compreensão do que é o machismo no capitalismo. Chega de acreditar que deixar a  luta  pela emancipação das mulheres para depois está tudo bem. Se ainda há homens na esquerda que pensam assim, está errado. Mudar esse pensamento é fundamental para começar um combate ao machismo nos organizamos de esquerda.

Em tempo: acho que por causa do calor do debate eu esqueci de falar dos verdadeiros aliados. Dos camaradas homens da esquerda que verdadeiramente praticam a autocrítica, que procuram mudar suas atitudes, avaliando o machismo que reproduzem, que buscam se apropriar das discussões feministas, principalmente, mas não apenas, para construir uma luta revolucionária que inclua as pautas urgentes da luta de classes.  

 

Karla Costa

Líder do GPOSSHE


sábado, 27 de novembro de 2021

Estado e violência em "A montanha que devemos conquistar", de István Mészáros

novembro 27, 2021

 

No seu livro A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado (2015), o filósofo marxista húngaro István Mészáros (1930) desenvolve uma contundente crítica teórica acerca dos fundamentos histórico-conceituais do Estado. Sua reflexão busca evidenciar que o problema mais candente com o qual a humanidade hoje se depara é, o da possibilidade concreta de suplantação do Estado em sua totalidade orgânica, mediante uma tomada de posição político-social consciente, que vise à pose do Estado e sua consequente destruição, ou necessariamente seu “fenecimento”.

O Estado moderno ancorado sob as bases da ordem sociometabólica de reprodução material do capital, desempenha um papel determinante na “[...] totalidade das funções reprodutivas da sociedade, desde os processos produtivos matérias elementares até os domínios culturais mais mediados” (MÉSZÁROS, 2015, p. 16, itálico no original). Para Mészáros, portanto, a verdadeira questão reside no fato de que a própria natureza dos processos de tomada de decisão das formações estatais sob a égide do capital, historicamente constituídos, representa apenas um paradigma de “sobreposição alienada” e, por isso mesmo, só uma base sociometabólica “substancialmente diferente” pode significar concretamente a superação dos processos de tomada de decisão global da ordem social vigente.

As formações estatais do sistema do capital, fundadas em “determinações estruturais antagônicas”, nunca seriam capazes de cumprir suas funções corretivas e de estabilizações requeridas, sem sobrepujar-se a todas as resistências encontradas como “um corpo alienado par excellence de tomada de decisão global” (MÉSZÁROS, 2015, p. 17). Nesse sentido, para o autor longe de se constituir alguma “anarquia sem lei”, a alternativa socialista está fundamentalmente preocupada em defender uma concepção geral e a consolidação prática de um modo “qualitativamente diferente” de intercâmbio social.

A maior preocupação hoje é que na prática, as leis instituídas pelas formações estatais do capital na sua base materialmente antagônica de seus próprios microcosmos constitutivos sejam no âmbito local ou global, não podem funcionar e realmente não funcionam. Ela funciona, afirma Mészáros, “de fato”, mas tão somente ao impor-se como “força”, ou “lei do mais forte”, emergindo e preponderando como uma determinação impositiva validada pelo Estado em contraposição a toda forma de relutância em potencial.

Todavia, a despeito de todas as investidas de “eternização” a-históricas do Estado, a imposição da “lei do mais forte” sobre o conjunto da sociedade não poder ser uma tônica constante. O momento crucial advém “quando os limites absolutos[1] do sistema do capital são ativados em uma forma historicamente determinada, comprometendo a viabilidade das correções necessárias das formações estatais do sistema em todas as suas formas dadas e imagináveis” (MÉSZÁROS, 2015, p. 18).

Nessa polêmica sobre o Estado, constituído na base sociometabólica da reprodução material do capital, assevera István Mészáros:

[...]. Com efeito, os Estados do sistema do capital não são de forma alguma inteligíveis em e por si mesmos, mas apenas como complementaridade corretiva necessária para os defeitos estruturais de outras formas incontroláveis de seu modo orientado para a expansão da reprodução sociometabólica. E esse imperativo estrutural de expansão pode ser impulsionado pelo bem-sucedido processo de acumulação apenas durante o tempo em que ele puder prevalecer em seus termos materiais de referência confrontando a natureza sem destruir a própria humanidade [...]. Isso significa que os limites insuperáveis das formações estatais estabelecidas não residem simplesmente em um nível politicamente corrigível [...], mas nos limites absolutos do modo, em última instância, suicida com que o capital exerce o controle sociometabólico, ativado através da crise estrutural do sistema em geral (MÉSZÁROS, 2015, p. 18-19, itálicos no original).

Nesse sentido, é oportuno reiterar que a oposição real, que deve ser constantemente ratificada, é entre a lei “autonomamente determinada” pelos sujeitos sociais em liberdade de associação em todos os âmbitos de suas vidas, desde as suas atividades produtivas mais concretas até as mais elevadas exigências regulatórias de seus processos de tomadas de decisões sociais e culturais gerais, e a lei “sobreposta” acima deles, “[...], por outro, através da codificação apologética da relação de forças estabelecida por um órgão independente, por mais “democrático” que esse órgão seja no sentido de legitimação do estado” (MÉSZÁROS, 2015, p. 19, itálicos e aspas no original).

Essas leis impostas pelo sistema do capital, com todas as suas modalidades coercitivas, só podem ser rechaçadas em razão de uma “ordem metabólica socialista substantivamente equitativa”, fundada na forma de microcosmo produtivo no qual os sujeitos sociais possam livremente, “definir a lei para si mesmos”. Porém, a consecução dessa nova ordem só é concebível ao suplantar o capital do processo sociometabólico e extirpar dessa maneira, “[...] a centrifugalidade das células constitutivas há muito estabelecidas do intercâmbio social” (MÉSZÁROS, 2015, p. 20, itálico no original).

As formações estatais do sistema do capital se apresentam atualmente muito perigosas. Dada a sua situação histórica contemporânea, baseada nessa “centrifugalidade antagônica” das células constitutivas do sociometabolismo produtivo estabelecido, onde a regulação por parte do Estado se torna um mecanismo de legitimação das determinações antagônicas mais profundas da sociedade. Só uma verdadeira “redefinição qualitativa” das atuais condições históricas, em um sentido praticamente sustentável, pode consubstanciar uma sociabilidade efetivamente equânime, erradicada do próprio capital, afirma Mészáros.

Os arautos da democracia representativa buscam reduzir as soluções dos problemas mais graves enfrentados hoje pela humanidade, à “igualdade formal” da lei, quando o que se configura na realidade objetiva é a mais evidente “falta de equidade substantiva” da dimensão política de regulação do Estado, e onde efetivamente elas não podem ser encontradas. Só há saída desse círculo vicioso autodestrutivo, diz o filósofo marxista, pela via do que ele chama de “democracia substantiva”, na qual necessariamente prevalece uma autorrealizável regulação do modo de existência dos indivíduos, em condições sociais efetivamente construídas por processos sociometabólicos autodeterminados.

Na seara da história do pensamento político, Mészáros destaca que:

[...], descobrimos que a preocupação fundamental das teorias do Estado, debatidas de Platão e Aristóteles em diante, sempre esteve voltada para as diferentes formas em que as modalidades de tomada de decisão em geral com os seus benefícios ou suas desvantagens rivalizantes podiam ser elogiadas ou criticadas. Uma forma ou outra do Estado – ou das constituições concorrentes na visão de Aristóteles – foi sempre considerada como o modo necessário e abrangente de tomada de decisão [...]. Assim, também a esse respeito, podemos testemunhar uma mudança significativa por volta do século XVIII, quando o Estado como tal começou a se tornar o objeto de reflexão crítica, em contraste com o questionamento apenas dos méritos relativos às diferentes formas de o Estado sobrepor-se na vida social como árbitro último em todos os principais assuntos (MÉSZÁROS, 2015, p. 23, itálicos no original).

No percurso dessa reflexão histórica, Mészáros ressalta que os processos revolucionários do final do século XVIII e do preâmbulo do século XIX trouxeram consigo não só um aumento da consciência de classe e dos antagonismos de classe, tal como do impacto de algumas grandes guerras entre os Estados constituídos, mas também a crise do processo político em si e a legitimação necessária de que as velhas maneiras de lidar com essas crises já não podiam ter funcionamento. Nesse sentido, a análise dessas condições sócio-históricas, confrontou os principais teóricos da época com a questão quase impeditiva de abordar “a legitimidade ou não da própria lei”.

É com Hegel, de acordo com Mészáros, que surge a ideia de uma solução mais grandiosa para os problemas sociais, enunciada em plena concordância com sua perspectiva de classe burguesa, notadamente em sua obra A filosofia do direito. Mesmo reconhecendo os antagonismos sociais fundamentais de seu contexto histórico, Hegel reiterou com uma firmeza classista justificada, a legitimidade indubitável da lei. É nesse sentido, em termos gerais que para Hegel, o Estado enquanto esfera superior de eticidade; de exteriorização do espírito absoluto e o lugar de realização das liberdades plenas superaria as carências e misérias próprias da sociedade civil.

Mészáros situa aqui o Liberalismo. Esta corrente de pensamento político-econômico que se apresentou no proscênio histórico no mesmo período das insurreições revolucionárias do final do século XVIII. O programa do Liberalismo sempre assumiu em relação à legislação e gestão social, o status de representante legítimo do conjunto da sociedade. Suas proposituras em geral, visavam instituir melhoramentos significativos, com o objetivo de dirimir os problemas em erupção e os conflitos da ebulição revolucionária, todavia sempre bem delimitado no quadro estrutural da ordem vigente, criticando-a apenas superficialmente.

Dessa forma o Liberalismo não tomava em consideração a dimensão histórica da constituição dos Estados nem tampouco sua legitimidade questionável representava qualquer problema. De forma mais direta, o Liberalismo foi caracterizado tanto pela “evasão sistemática dos fundamentos, incluindo a questão da legitimidade do processo legislativo além dos termos técnicos/processuais, quanto de uma forma positiva pela defesa de melhorias sociais e políticas ilimitadas, incluindo a extensão da concessão estruturalmente controlável para as eleições parlamentares” (MÉSZÁROS, 2015, p. 24-25).

O Liberalismo na concepção de Mészáros, nunca poderia estar a favor de uma sociedade “equitativa”, mas apenas uma sociedade “mais equitativa”, o que sempre representou “muito menos do que equitativa”. Pois “o Liberalismo sempre fechou os olhos para o fato embaraçoso de que uma melhoria significativa visando uma sociedade equitativa só pode resultar de uma mudança fundamental na estrutura da própria produção” (MÉSZÁROS, 2015, p. 25, itálico no original).

O Estado na sua estruturação na base material antagônica do capital “não pode fazer outra coisa” auspiciar a ordem sociometabólica vigente, defendê-la custe o que custar, independentemente dos riscos para o futuro da sobrevivência da espécie humana. É exatamente nesse sentido, que para Mészáros isso representa o tamanho da montanha que não pode ser ignorado, ao tentarmos transformar positivamente nossas condições de existência. São estas as circunstâncias histórico-sociais que se desdobram da crise estrutural irreversível do capital, onde o Estado se afirma e se impõe como a “montanha que devemos escalar e conquistar”.

O fato concreto é que, no modo de produção capitalista, a violência se torna um sintoma intrínseco a lógica de funcionamento do próprio sistema. Uma violência que perpassa o cotidiano e se expressa pelas formas mais aviltantes de exploração do trabalho e reprodução do capital: a prostituição, o desemprego, a miséria social, o analfabetismo, o trabalho de menores, a corrupção política, a exploração sexual infantil, o tráfico de drogas, as favelas, o vergonhoso e desumano sistema prisional (sito aqui o caso do Brasil, que possui uma das maiores populações carcerárias do mundo em situação de precarização profunda), a opressão contra as mulheres, os pobres, os negros e etc. Todos esses graves problemas produzidos pela sociedade capitalista é, reproduzida e perpetuada pela realidade política do Estado, que não consegue suplantar substantivamente essas condições sociais vigentes.

O sistema do capital é fundamentado em três esteios interligados: capital, trabalho e Estado. Nenhum deles pode ser abolido por si mesmo. As tipificações peculiares do capital e do trabalho assalariado em suas personificações historicamente dadas podem ser juridicamente eliminadas, e restituídas, “mas não o capital e o trabalho como tais”, em seu aspecto mais substantivo de constituição como são encontrados na ordem sociometabólica capitalista. A verdade que deve ser lembrada diz Mészáros, é que tudo o que poder destruído também pode ser restituído. E até hoje isso foi feito, no que tange a vigência do Estado.

Nesse sentido assevera Mészáros que:

A materialidade do Estado está profundamente enraizada na base sociometabólica antagônica sobre a qual todas as formações de Estado do capital são erguidas. Ela é inseparável da materialidade substantiva tanto do capital quanto do trabalho. Só uma visão combinada de sua inter-relação tríplice torna inteligíveis as funções legitimadoras do Estado do sistema do capital (MÉSZÁROS, 2015, p. 29, itálico n original).

         Aqui, os problemas em evidência atualmente, no âmbito da tomada de decisão política global, como necessariamente gerenciado pelo Estado, não podem ser dirimidos sem fazer concessão à sua base sociometabólica mais intensa. Assim, fica claro que o sociometabolismo antagônico das classes sociais que está na base das formações do Estado, constitui um entrave à plena realização de uma possível e concreta equidade social substantiva, não obstante, a totalidade das determinações estruturais do capital confrontar-se com a humanidade.

         Os antagonismos estruturais profundos no cerne das contradições insuperáveis do Estado, só podem ser abolidos, portanto, se forem colocados sob o controle de uma ordem social historicamente sustentável (Mészáros, 2015). E aqui, vêm à baila uma questão decisiva: o capitalismo pode perdurar ainda por muito tempo sem colocar em risco a existência da própria humanidade?

         Para Mészáros, um dos problemas mais gritantes de nosso tempo é, certamente, a crise estrutural da política e as soluções propostas pelos Estados vigentes, pois:

[...] Para onde quer que olhemos e quaisquer soluções que nos sejam oferecidas, suas características definidoras comuns sempre mostram as contradições e as limitações dos Estados-nação historicamente constituídos. Esse é o caso também quando a justificativa utilizada para as políticas desenvolvidas está cheia da retórica da universalmente louvável “democracia” e da inevitável “globalização”, atrelada à projeção de respostas em conformidade com tais determinações. Ao mesmo tempo, as soluções reivindicadas são, explícita ou implicitamente, sempre baseadas no pressuposto de que a alienação da tomada de decisão política em geral, há tempos historicamente estabelecida, materializada nos Estados modernos, deve manter-se permanentemente a única estrutura possível de gestão social em geral (MÉSZÁROS, 2015, p. 35, aspas no original).

          Essa passagem sugere a crítica de Marx. Sua concepção acerca da necessária revolução socialista é, com toda clareza, indesligável de sua crítica ao “Estado enquanto tal”, e não unicamente do Estado capitalista. Essa consideração crítica é manifestada por Marx, não só no que diz respeito à transformação radical do Estado vigente, mas de seu completo “fenecimento”. Nesse sentido, Marx formulou uma reflexão sobre o Estado, fundamentalmente diferente até mesmo dos mais significativos pensadores burgueses.

         No decurso do processo histórico da época moderna, os grandes pensadores da burguesia elaboraram duas obras, certamente, grandiosas acerca do Estado. Obras que demarcaram com profundidade de análise os fundamentos históricos e filosóficos do Estado e, que ainda hoje são de uma atualidade evidente. São elas o Leviatã de Thomas Hobbes produzida em meados do século XVII, e Filosofia do direito de Hegel concebida na primeira metade do século XIX. Ambos estes autores não tinha nenhuma intenção nas proposições do liberalismo. Hegel teceu uma crítica ferrenha às ilusões liberais que de forma falaciosa transfiguraram a capacidade de consecução dos “privilégios parciais” preconizados pelos seus beneficiários (bem longe de possuírem um caráter universal), “em apelos totalmente insustentáveis à validade universal” (Mészáros, 2015).

         Claro que tanto Hobbes como Hegel, formularam seus conceitos, demarcados por suas diferentes, ainda que muito fortes idealizações do “Estado-nação”. Se constituindo, nesse sentido, em evidentes teorizações burguesas do Estado. Especificamente em Hegel, o Estado se configura como o “reino da liberdade realizada”. A liberdade fora do Estado é impossível para o filósofo alemão (não tendo em conta este como um aparato), mas sim como a totalidade dos sujeitos que o estruturam, os que juntos constituem o grande sujeito coletivo. Esse sujeito “é o mundo do espírito produzido a partir dele mesmo como uma segunda natureza”. O sujeito como um ser natural/antinatural superou o seu estado natural e produzirá, portanto, uma segunda natureza, a que aparecerá como eticidade.

         A realização plena da liberdade do indivíduo para Hegel vai ocorrer exatamente no Estado ético[2]. Momento de superação dos seres humanos e de todas as etapas da história, desde o direito, passando pela moral individual, para desembocar na eticidade, a esfera superior de todos os valores da humanidade configurada na arte, na religião e na filosofia. A grandeza do pensamento de Hegel sobre as questões mais importantes acerca dos problemas do Estado expressou-se, dessa maneira em seu modelo fundamental de proclamar “a relação orgânica entre a sociedade civil existente e o Estado ético projetado” (Mészáros, 2015, p. 77).

          Dessa forma Hegel, na interpretação de Mészáros, pôde demarcar, diante dos antagonismos sociais que “ele teve de admitir e o fez”, a solução proposta na forma de sua “representação sistêmica da realização contraditória do encerramento histórico”, que colocou sob dúvida a legitimação da própria ordem social. Foi nesse sentido, que Hegel estabeleceu conceitualmente uma linha de pensamento crítico decisivo de “demarcação histórica” original da virada do século XVIII para o XIX.

         No entanto, afirma Mészáros:

[...], o encerramento histórico, objetivamente marcando o fim da ordem da classe exploradora em geral, não poderia “realizar-se” (uma das categorias explicativas utilizadas frequentemente de Hegel) por si só. Ele também estava gestando os imperativos objetivos de uma ordem qualitativamente diferente, assumindo a forma de um desconhecido desafio radical na história passada, e representando, também, as condições objetivas e subjetivas vitais de uma superação efetiva da ordem da classe exploradora como tal. [...] A era revolucionária qualitativa e radicalmente nova, colocando na agenda histórica, como condição necessária da emancipação do trabalho, a combinação inseparável desse imperativo com a emancipação de toda a humanidade, já estava lá, na época de Hegel (MÉSZÁROS, 2015, p. 77, aspas e itálicos no original).

         Hegel de forma consciente buscou representar sua perspectiva sobre o passado de modo a transformar o presente que se processava. E nesse sentido, o filósofo alemão apontou uma definição que se constituía no cumprimento do “absoluto da reconciliação autorrealizada do Espírito do mundo como eterno presente” desde seus primórdios (Mészáros, 2015).

         As três dimensões da própria temporalidade foram transformadas em um “encerramento histórico” contínuo. E aqui também, Hegel reconheceu o presente eternizado da perspectiva saudosa da “coruja de Minerva”, visualizada como a realização sintomática do desenlace histórico.  Sobre essa questão Mészáros ressalta que:

A temporalidade hegeliana do Estado é fundamentada, em sua obra, pela noção do já mencionado “eternamente presente”, que é, paradoxalmente, transfigurado em finalidade absoluta, graças ao ser de racionalidade em si “desde o início concluído”, na forma do divino “Espírito do Mundo”, evocativamente combinado por Hegel com a inquestionável e evidente autoridade mitológica da coruja de Minerva. Naturalmente, o agente real da história e do Estado nessa visão não poderia ser o ser humano autoconsciente. Tinha de ser o divino Espírito do Mundo, com sua “astúcia da razão” (MÉSZÁROS, 2015, p. 81, aspas e itálico no original).

         Para Mészáros, a concepção de Estado de Hegel não tem sustentabilidade histórica e seu “canto de cisne” é resignante  pois seu apelo nostálgico à “coruja de Minerva” rechaça qualquer possibilidade de construção de um ordenamento estatal para além da ordem social do capital. A proposta conciliadora de Hegel entre o “racional e o real” (e a racionalidade do real) e o fato e a verdade constituída na autodivulgação da realização do “Espírito do mundo” como razão, ela mesma incorporada na ética do Estado, e aqui Mészáros mostra os limites da concepção do Estado de Hegel: sua sustentação baseada na “relação simbiótica” com a sociedade civil burguesa estabelecida, nisso está seu aspecto problemático.

         Marx sempre preconizou com clareza que, a possibilidade concreta de transformação histórica do futuro da humanidade é inconcebível sem o constante trabalho revolucionário fundamentado no que ele denominou de “organismo de crítica prática”, isto é, a classe operária organizada internacionalmente, difundindo por meio das lutas sociais concretas seu programa revolucionário. E aqui se estabelece uma diferença fundamental entre a crítica de Marx do estado e a concepção positiva do Estado em Hegel.

         Mészáros também, nessa linha, tece uma reflexão crítica “à fórmula apologética” do Estado de Max Weber, que atribui o monopólio da violência legítima ao Estado (em muitos casos tido com uma ideia grandiosa), o que na verdade se constitui segundo o próprio filósofo húngaro, numa pseudoexplicação epidérmica e um subterfúgio cínico do problema real em si.

         Em Mészáros, portanto, a linha de crítica sobre essa questão se dá nos seguintes termos:

Isso está no mesmo nível de outra ideia profunda Weber, que grotescamente afirma que o Estado é a “criação de juristas ocidentais”. Nenhuma das duas proposições tem sequer um valor explicativo mínimo relacionado às condições em que a formação do Estado moderno passa a existir e historicamente muda suas formas de instituição de medidas de consenso democráticas liberais em um determinado estágio de desenvolvimento para a adoção de regras francamente ditatoriais de controle (MÉSZÁROS, 2015, p. 50, aspas no original).

         E continua Mészáros enfatizando que a concepção de monopólio da violência legítima por parte do Estado se configura como graves problemas:

[...] referentes a por que o Estado deve recorrer à violência quando o faz e, ainda mais importante, até que ponto um sistema de gestão da sociedade como esse, exercido pelos processos de tomada de decisão política alienados, pode ser sustentado historicamente permanecem “mistérios” completos [...] (MÉSZÁROS, 2015, p. 50, aspas e itálico no original).

         Torna-se claro aqui que a concepção do Estado em Marx também difere significativamente da concepção de Weber. Marx concebe o Estado em termos estritamente negativos, porque para o filósofo socialista alemão, o Estado enquanto tal deve ser suplantando. É nesse sentido, que a concepção de política em Marx deve ser circunscrita na esfera da negatividade. Pois, a característica principal da política para Marx é a de realizar as funções “destrutivas” do processo de transformação social como: “a abolição da escravidão assalariada”, “a expropriação dos capitalistas”, “a dissolução dos parlamentos burgueses” entre outros.

         Nessa concepção, Marx, como vai ressaltar Mészáros, conceituou a maneira de se tentar superar a relação complexa entre política e sociedade sobrepujando conscientemente à revolução política sua dimensão social latente. Dai a célebre frase de Marx que enfatizava a legitimidade de uma “revolução política com uma alma social”. E para tanto, a derrocada do poder existente e a dissolução das antigas relações constitui um ato político revolucionário. Por isso, o socialismo não pode se efetivar sem um processo revolucionário concreto.

 

Conclusão

         O sentido essencial da existência do Estado (moderno) é garantir a sustentabilidade sociometabólica da reprodução material do capital. Assim, podemos entender que a dominação do capital sobre o trabalho é de ordem econômica, e não política. Mas a política tem a função de garantir essa continuação da dominação material do capital, enraizada de forma estrutural. Afirma Mészáros, que por consequência, a dominação do capital não pode ser destruída no âmbito da política, mas apenas garantir sua organização formal.

         Para Mészáros, a montanha que devemos conquistar parte desse esforço de compreensão de que o Estado é, em um sentido, “mediação por excelência”, pois articula a totalidade das relações internas da sociedade, da economia, da cultura, da justiça etc. e as incorpora também à estrutura global da organização social dominante. A tomada do poder do Estado mediante um processo revolucionário, com a finalidade de suprimi-lo, constitui um momento dialético fundamental de transição político-social para a consolidação da emancipação humana.

         É elementar a preocupação de Mészáros com os limites atingidos pelo sistema de reprodução material do capital, o que põe em risco a sobrevivência da própria humanidade, não obstante a dominação e destruição da natureza em curso. A necessidade e a urgência histórica da construção de uma outra ordem sociometabólica, pautada na organização social autodeterminada da produção material e o controle racional da riqueza socialmente construída é uma fim a ser buscado mediante uma tomada de decisão política radical e consciente. O anseio por constituir uma nova forma de organização político-social não pode passar pela reivindicação ideal de realização de um Estado formal, mas pela necessária construção concreta e historicamente viável da alternativa socialista.

          Portanto, é a viabilidade histórica e a sustentabilidade prática de uma alternativa real como o socialismo, que poderá tornar possível um modo de vida social pautado em princípios humanamente racionais. A consecução desse projeto histórico (a ordem autenticamente socialista) só poderá ser viabilizada, de acordo com Mészáros, sobre a “base material da apropriação racionalmente planejada” e condicionada do “trabalho excedente” produzido por todos os indivíduos associados livremente. Onde cada um em coletivamente, possa realizar e satisfazer suas aspirações no seu tempo disponível, baseado em uma “igualdade substantiva” e espírito de solidadiedade.

 

Dr. ANTONIO MARCONDES

Professor da Universidade Estadual do Ceará - UECE, membro do grupo GPOSSHE/IMO/UECE e do Grupo de Estudos Marxistas - GEM/UFC

 

Referências bibliográficas

MÉSZÁROS, István. A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado. São Paulo: Boitempo, 2015.

_________________.  Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.

 

RUBÉN, R. Dri. A filosofia do Estado ético: a concepção hegeliana do Estado. In Filosofia política moderna: de Hobbes a Marx. (Org) BORON, Atilio A. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias sociales – CLACSO; San Pablo: Depto. De Ciência Política – FFLCH – Universidade de São Paulo, 2006.



[1] Mészáros destaca no livro Para além do capital (2011) que esses limites absolutos são especificamente típicos apenas para o sistema do capital, devido às determinações mais penetrantes de seu modo de controle sociometabólico. E salienta a necessária reflexão de que: “[...], é preciso fazer a ressalva de que não devemos imaginar que o incansável impulso do capital de transcender seus limites deter-se-á de repente com a percepção racional de que agora o sistema atingiu seus limites absolutos. Ao contrário, o mais provável é que se tente tudo para lidar com as contradições que se intensificam, procurando ampliar a margem de manobra do sistema do capital em seus próprios limites estruturais [...]. Diante do fato de que a mais problemática das contradições gerais do sistema do capital é a existente entre a impossibilidade de impor restrições internas a seus constituintes econômicos e a necessidade atualmente inevitável de introduzir grandes restrições, qualquer esperança de encontrar uma saída desse círculo vicioso, nas circunstâncias marcadas pela ativação dos limites absolutos do capital, deve ser investida na dimensão política do sistema [...]. Igualmente, não pode haver dúvida de que o sucesso ou não desta ação corretiva (ajustada aos limites estruturais do sistema global do capital), apesar de seu caráter evidentemente autoritário e de sua destrutividade, vai depender da capacidade ou incapacidade da classe trabalhadora de rearticular o movimento socialista como empreendimento verdadeiramente internacional” (MÉSZÁROS, 2011, p. 220).

[2] Outras formas de Estados realizados na história foram: “[...] O Estado absolutista: é a proposta da coerção que deve impor a ordem por meio da força. Acredita que os indivíduos da sociedade civil se encontram, como diz Hobbes, num estado de natureza, pré-social, no qual cada um vela por si mesmo e agride os outros. A única solução é um pacto mediante o qual absolutamente tudo seja entregue ao soberano, que, como grande Leviatã, mantenha todos em ordem. [...] O Estado liberal: é o Estado que não deve se imiscuir demais na sociedade civil, isto é, no campo econômico. Deve proteger a propriedade, ou seja, o mercado, e deixar que este se desenvolva de acordo com as suas próprias leis, pois é o encarregado de distribuir os bens e o faz com “uma mão invisível”. É a proposta de Locke e Adam Smith. [...] O Estado democrático: é o Estado no qual o contrato é de todos com todos, mediante o qual se cria a vontade geral, a plena liberdade. Seus eixos são dois, o contrato e a religião, mas uma religião civil, sem dogmas que unam interiormente todos os indivíduos como verdadeiros cidadãos da pátria e não do céu. É a proposta de Rousseau” (RUBÉN, 2006, pp.214-215, itálico no original e negrito nosso).


domingo, 14 de novembro de 2021

Notas de leitura | Audre Lorde

novembro 14, 2021

Em 2020, a editora Bazar do tempo publicou traduções de Tatiana Nascimento e Valéria Lima para poemas de Audre Lorde, publicados de 1973 a 1982 nos livros De uma terra onde outro povo vive, Entre nós mesmas e Poemas escolhidos – velhos e novos. Quero crer que esse intervalo de praticamente dez anos permita ao leitor ter uma segura impressão da travessia poética da genial autora afro-americana (de ascendência caribenha). O fato de o livro ser bilingue, auxilia na tarefa de mergulhar nas sutilezas do estilo de Audre Lorde, o que, nesse caso, implica um domínio regular da língua inglesa.

De imediato, na esteira de De uma terra onde outro vive, o leitor e a leitora hão de notar o arrebatamento de uma poesia antirracista, apaixonada e eivada de um timbre estético-social, em que o tratamento da linguagem mistura fúria e domínio do ofício. No poema Para cada uma de nós, ela pede: “respeitem qualquer dor que venha/dos seus sonhos/mas não procurem deuses novos/no mar” (p. 15). Nessa passagem, observa-se a prevalência de um tom iconoclasta que, amiúde, há de marcar o caráter de sua poética transgressora.

O realismo “infrator” de Audre Lorde não é interdito a um pacto dela com a sensibilidade mais comezinha, a exemplo de mulheres que “aprendem/ a amar/crianças/construindo castelos de areia/na maré cheia” (O sétimo sentido, p. 43). A sua captura do mundo é realista, mas a sua capacidade de sentir afunda os pés em uma terra em que os sismos brincam de correr com os sentimentos humanos. Decorre dessa contradição geo-humana, provavelmente, a natureza explosiva de seus versos.

Lorde era uma mulher negra comprometida com a luta de afro-americanos(as) em torno às bandeiras dos direitos civis, daí sua reverência à cantora negra gospel Mahalia Jackson, recuperada em um poema em que o sofrimento letal de “seis crianças negras/(..) queimadas numa creche”, com efeito, ganham um relevo trágico: “bombeiros acharam seus corpos/feito pedaços amontoados de carvão/com bocas mudas e olhos bem abertos/Pequenas e sem canção nenhuma/seis crianças negras acharam uma voz nas chamas/no dia em que a cidade fez uma elegia a Mahalia” (O dia em que fizeram uma elegia a Mahalia, p. 19).

Esse compromisso da autora em relação à luta pelos direitos civis nos Estados Unidos não é retórica, conforme é atestado em sua participação na grande marcha sobre Washington, em 1963: “No ano em que minha filha nasceu/DuBois morreu em Acra enquanto eu/caminhava rumo a Washington” (Equinócio, p. 23). A sua solidariedade às pessoas negras que enfrentam o Leviatã americano é suficientemente sensível e enfática: “e que nós temos que ser muito fortes/e amar-vos uns aos outros/para seguir vivendo” (Equinócio, p.  27). Às vezes, Lorde apela para imagens poderosas. Nesses casos, ela parece querer mais do que tão só preservar o moral ato de negros(as): “É uma perda de tempo odiar um espelho/ou seu reflexo/ao invés de parar a mão/que cria vidro com distorções” (Espelhos bons não são baratos, p. 33). Em última análise, o que talvez ela queira é precisamente “parar a mão/ que cria vidro com distorções”. Audre Lorde sabe que se a mão não for parada, ela seguirá distorcendo ... e matando. Portanto, é preciso parar a mão da América branca, anglo-saxônica e protestante (WASP), a mão do grande capital, até porque, para ela, a luta tem classe, raça, sexo e até idade.

É preciso buscar no “amor pesado”, “no centro das fúrias”, no “templo escuro” e no espírito “duro como castanha”, conforme Lorde destaca em Mulher negra mãe (p.37), as formas de reforçar as posições dos que lutam contra opressores que são infatigáveis em sua arte de dominar e explorar. Ela sabe que “as portas (...) não se abrem facilmente” (Enquanto cresço de novo, p. 41).

Mas nas pelejas que precisam ser dadas, há um lugar ao ser e a sua subjetividade, e o eu-lírico é consciente dessa demanda: “ (...) os sinos estão tocando/em cidades que nunca visitei/e meu nome está escrito em soleiras/que nunca vi” (Dia de ano novo, p. 45). Essa lógica segue acompanhando o poema: “eu me esqueci/do toque do sol/devassando manhãs frouxas/a noite é cheia de recados/que não sei ler” (Dia de ano novo, p. 45). Mais adiante, a poeta continua se colocando no seu texto, e declara: “A chuva cai feito breu na minha pele” (Dia de ano novo, p. 45). Tudo isso para, ao fim e ao cabo, afirmar: “Eu estou pronta/e não temo/nada”. Anos depois, Milton Nascimento e outros cantarão: “Nada a temer senão o correr da luta”. É disso que Lorde está falando em sua poesia de paredes sem cal nem tinta.

A situação de mulher negra e trabalhadora precisa ser compartilhada por aqueles(as) que virão depois a enfrentar às tormentas do que Tocqueville nomeou de “democracia americana”. Nesse meio tempo, é necessário contar as histórias que outros(as) contaram e carecem de ser contadas para que se entenda por que é preciso mudar o que vem de longe que nem o vento, que nem as folhas. Então, a poeta desfolha a bandeira: “Faço promessas às minhas crianças em tardes de inverno/como histórias à hora do almoço/quando meus pés doem de tanto falar” (Mestra, p. 49). E segue recitando o rosário, incansavelmente: “estou presa/às intensidades de minha (nossa) própria situação” (Mestra, p. 49). Nota-se aí como a autora conjuga o eu e o outro(a) em uma poética em que o eu-lírico é mais do que isso: é lírico-social. Como não nos lembrarmos de Carlos Drummond de Andrade, quando o vate mineiro dizia estar preso a sua classe. Lorde está também presa a sua classe, mas ela sabe que essa classe tem cor, principalmente quando a autora se situa no emblemático  território norte-americano.

Audre Lorde conhece a situação de seus pares: “Quem ouvirá/o sino da liberdade murchar/no retinir dos portões das cadeias/onde homens de neve derretem rumo à escuridão/sem perdão e dessa forma lembrados/enquanto o calor do meio-dia fala com sua voz de fogo?” (Mestra, p. 51). Nesse sentido, sua poesia é plasmada num realismo furioso, mas jamais naturalista. Não acidentalmente, apesar de sentir na pele às inumeráveis asperezas do “outono castanho”, nessa terra onde outro povo vive, ela abre uma pequena janela na qual teimosos ventos amorosos ameaçam quebrar a monotonia de um mundo pejado de insensibilidade. Assim chegam os amores em Lorde, quase uma brisa no outono tórrido. Encontrá-lo-emos em diversos momentos de seu percurso poético: “Sempre/entre as nossas/batalhas mais sangrentas/você deita suas armas/como minas florescendo/pra me cativar” (Amor, talvez, p. 75). Em seu realismo quase incrédulo, o eu-lírico não fala categoricamente de amor, mas de “amor, talvez”. Os tempos são difíceis, as batalhas, sangrentas, e, apesar de tudo isso, o vento entra pela janela.

Não é aleatório ouvir o eu-lírico brandir: “Sempre me esqueço de como o ano começou/quando o verão chega em mim/(...)/devo te chamar amanhã com o nome de hoje/ou esquecer que você existe?” (Canção de nomes e rostos, p. 89). A poeta sabe que nada é definitivo, que tudo é provisório, fluido. Ela aparece despida de toda torpe ilusão. A poeta do Harlem tem ciência do seu lugar (de fala?): “eu nasci Preta e sem ilusões” (Conclusão, p. 83).

Mas ela acredita que “Essa terra não será sempre estrangeira” (Os ventos de Orixá, p. 95). E no dia que ela deixar de ser estrangeira para pobres, mulheres negras e lésbicas, negros e negras (em geral), indígenas, latinos e asiáticos, quem sabe a hipótese de um amor sem talvez possa enfim frutificar - do Alaska à fronteira com o México. Os ventos de Orixá sopram. Pelo menos, Lorde o escuta, e “Quando os ventos de Orixá sopram/até as raízes da grama/se apressam” (Os ventos de Orixá, p. 99).

De acordo com isso, Audre Lorde não deixa por menos: “Vejo causas na cor/assim como vejo no sexo” (Quem disse que seria simples(?), p. 101). Essas indicações deixam nítido ao leitor (e leitora) que ele (ela) não se encontra perante uma poesia anódina, descompromissada, refém de “um lirismo à sombra do poder”, segundo a antológica expressão de Thomas Mann. Trata-se de uma poesia engajada, o que não significa o menosprezo pelo cuidadoso trato da linguagem, algo comum a toda boa literatura. Calçar a linguagem com o sapato da fúria não faz a primeira estancar sua caminhada, mas, inversamente, acelera o seu passo. Audre (com o perdão da intimidade) é pura aceleração, seja para falar de amor e sexo, em sua projeção serenamente lésbica (“atada ao meu espelho/assim como à minha cama”, Quem disse que era simples(?), p. 101), seja para alentar o bom combate ao vil e histórico racismo estadunidense (“e através de meus lábios vêm as vozes/dos fantasmas de nossos ancestrais”, Prólogo, p. 111).

Eis um pouco de Uma terra onde outro povo vive, uma reunião de poemas inquietos, fumegantes e outros adjetivos que tornariam essas notas pesadas, o que não é a pretensão de seu autor. Essas primeiras impressões de leitura ganharam algumas páginas, mas intencionalmente, uma vez que a ideia era passar um pouco mais de Audre Lorde, já de partida, apresentando-a ao leitor (e leitora) que não necessariamente conhece essa poeta de ascendência caribenha. Quero crer que a partir de agora as notas tendem a ser mais sucintas. A ideia é seguir privilegiando, sempre que possível, a própria fala poética de Lorde, trazendo-a ao primeiro plano, sem, no entanto, renunciar ao esforço de tecer alguns comentários, não só num sentido pretensamente explicativo, mas socializando um pouco as peculiaridades de leitura de uma poeta ao mesmo tempo complexa e fecunda, o que sempre dificulta o trabalho de apreciações concisas, quase telegráficas, que, de certa maneira, caracteriza quaisquer notas de leitura dignas desse nome.

O segundo trabalho de Audre Lorde recuperado é razoavelmente conhecido entre os apreciadores da literatura contemporânea: Entre nós mesmas. O número de poemas, comparado com o do primeiro livro recolhido nessa antologia (25) é bastante pequeno: sete. Passaremos, portanto, em revista a esses sete poemas, mas de uma forma bastante sucinta. Evitando, contudo, ser superficial.

Entre nós mesmas é uma obra de 1976, quando Lorde já é uma escritora madura, plasmada nos seus 42 anos. A tessitura de sua linguagem se mostra carregada de uma crueza, que é menos de seu caráter do que da rusticidade de um mundo pretensamente civilizado. Por isso, ela declara: “Estou emboscada num deserto de cruas feridas de metralhadoras/e uma criança morta arrastando sua quebrada negra (en)/cara (a) beira do meu sono afora” (Poder, p. 121). À beira desse mundo que se contorce em horrores, diz a autora: “minha boca se parte em lábios secos” (p, 121). E como não se partir?

A violência policial contra os afro-americanos, incluindo crianças, é tema de sua obra. Em Poder (p.123), ela descreve o caso de “Um policial que executou um menino de dez anos de idade/ no Queens/postou-se sobre o garoto com suas botas de gambé em sangue infantil”. Na sequência, o desenlace previsível: “Hoje esse homem branco de 37 anos/com 13 anos de serviço policial/foi inocentado/por onze homens brancos ...” (p. 123).

A sua sensibilidade vem à flor da pele: “Eu não consegui tocar a destruição/dentro de mim/Mas a não ser que eu aprenda a usar/a diferença entre poesia e retórica/meu poder também vai jorrar corrupto feito mofo envenenado” (Poder, p. 123). Ela tem consciência do que é peculiar na obra de arte. Sabe a diferença entre retórica e poesia. Entende o quanto é imprescindível confrontar o odioso racismo que brinca com a vida negra como o vento forte brinca com a pena. Esse poder carece ser defrontado. Nesse caso, a poesia pode ser uma arma contra esse estado de destruição. O engajamento nasce de uma situação específica que exige mais do que burilar a linguagem; a tarefa é usá-la socialmente e não apenas poeticamente. Mas é necessário não se deixar dominar pelo “mofo envenenado”.

Em Nota escolar, essa acepção singular do métier poético é retomada: “Minhas crias brincam com caveiras/na escola/elas já aprenderam/a sonhar com a morte” (p. 127). Essa passagem aprofunda a primeira e prepara a última, pois estamos frente a frente com um poema curto, porém não menos contundente, até por que “para quem luta/não há lugar/que não possa ser/lar/nem que seja” (Nota escolar, p. 129). A ambiguidade da posição afro-americana na sociedade estadunidense não elide, mas exige a luta. A poeta é também arauta.

Declínio e beleza se mesclam nas descrições lordeanas: “ ... nossa terra é árida”, “Os telhados de nossas casas apodrecem da chuva do inverno passado”, “Nossas peles estão vazias” (Solstício, p. 131). Simultaneamente, ela enfatiza o seu lugar (“que eu nunca me esqueça/os avisos da minha carne de mulher/chorando na lua nova”, Solstício, p. 133) e o lugar da luta e a bruteza que rege o seu necessário encanto: “que eu nunca perca/aquele terror/que me mantém brava/que eu nunca deva/o que eu não possa devolver” (Solstício, p. 133).

O que a anima coletivamente, e incendeia os seus poemas, é ressaltado - doce e fortemente - em Cicatriz: “Esse é um poema simples./Para as mães irmãs filhas/garotas que eu nunca fui/para a mulher que limpa o ferry de Staten Island/para as bruxas lustrosas que me/ardem à meia-noite/em efígie/porque eu como em suas mesas/e durmo com seus fantasmas” (p. 135). Ao mirar profundamente o poema em tela, dir-se-ia que a retórica feminista alcança o seu cume em um poema que não se exime de retratar a história, o legado e o cotidiano de mulheres envoltas em uma atmosfera sórdida. Aí estão coxas “como pilares”, há alguém que “rodopia gargalhante” , mas há a “maciez crespa preta cabeleira” (Cicatriz, p. 147).

Em Audre Lorde, há muitas mulheres, ecos de múltiplos tempos, de incontáveis aflições, mas para além dos fantasmas que “ardem à meia-noite”, está ali o corpo de mulher negra, a sua “crespa negra cabeleira”, a sua localização como inseparável da poética lordeana.

O poema Entre nós mesmas amplia e aprofunda essa lógica que orienta o percurso literário de Lorde. O poema que dá título a essa segunda parte da antologia, remete-nos a “salas cheias de caras pretas” (p. 143), fala de uma figura feminina “armada com cicatrizes/curada (p. 147). Ali está a “filha de Exu”, dolorosamente atenta a “toda essa gente que busca a própria morte/saltando do chão/e pousando sobre suas cabeças” (p. 149).

Mas ali está a “cidade dura e espectral”, de que ela nos fala em “Lá fora”. É o encontro com o racismo (“e ninguém me xingou de preta/até meus treze”, p. 157). Recordei da cena final de Mississipi em Chamas, na qual uma personagem destaca que ninguém nasce racista; torna-se. Vem daí as “fúrias muito íntimas”, realidade que a autora nos faz conhecer, embora ela pareça não perdoar o “amor cego e terrível” de pai e mãe. Eles entregaram a ela um rosto quebrado. O desafio agora é “fazer inteiros/nossos rostos quebrados” (p. 155).

Por fim, no poema Uma mulher/Lamento para crianças perdidas, sobrevêm a “língua faminta”, “o fogo ocre”, a “bendição da fúria”, a “deusa do trovão abrindo as dobras da terra com um dedo minucioso” (p. 157), até alcançar “Séculos de crianças perdidas/guerreadas e prostituidas e massacradas” (p. 157). As vítimas da “mineração cintilante” (p. 159) reclamam uma “guardiã da vida” (p. 157), que agora “curvada para sempre”, limpa “o sangue que devia ser você” (p. 159).

As vítimas do capital e de sua catedral racista são da mais tenra idade, ou simplesmente desprovidas de idade, e sua cor é quase sempre a mesma. Audre Lorde recolhe seus corpos, espalha eles pelas páginas do livro, expõe a dor de um povo, exprime essa dolência sob a forma de palavras que incendeiam o mundo usando como combustível o sangue infante derramado por algozes com cara de taumaturgos.

Lorde pronuncia “calçadas assassinas” (p. 159), mas poderia pronunciar simplesmente mãos que assassinam. O “ar matutino é traiçoeiro” (p. 159). O poema não o redime, apenas o revela como se fosse a condição de isentar a respiração humana de um contínuo sufocamento.

No contexto imerso nessa visão, ela retrata mulheres negras, em particular, no último trabalho que serve de arrimo à antologia: Poemas escolhidos – velhos e novos. Desse modo, são poemas de distintos anos que se misturam e nos oferecem diferentes rostos da autora.

De maneira significativa, o primeiro poema – intitulado O jornal da noite – faz o leitor ou leitora viajar até as ruas de Soweto, onde as crianças que cantam são encarceradas. A sua expressão é concisa e cortante: “a luta em Soweto está furiosa” (p. 163). Diante disso, Lorde nos oferece um paralelo entre as ruas de Soweto e do Brooklyn. O poema traz duas regras, que ela denomina de “regras da estrada”. Uma está no começo da escritura (“atenda as vítimas quietas primeiro”, p.163) e a outra se encontra ao final: “qualquer ferida vai parar de sangrar se/você pressionar forte o bastante” (p. 165). Entre uma regra e outra, ela deixa uma dessas perguntas que latejam: “o que significa/nossas guerras/sendo lutadas por nossas crianças?” (p. 163).  

Nessa linha, em Za Ki Tan Ke parlay Lot, Audre Lorde nos oferece um detalhe de sua poética poderosa: “... não tem metáfora pro sangue/escorrendo de crianças” (p. 167). Mais do que isso: “tuas trancas não te protegem/o ódio chispa teus portais feito faíscas” (p. 167). No mesmo sentido, “sonhos fenecem feito folhas velhas/raiva isenta de promessa/tu te afoga no sangue das minhas crianças/sem metáfora” (p. 167). Nota-se aí como as iras se juntam e cobram mais fúria da linguagem, que atordoa, comove, mas, igualmente, alerta.

O mundo de Lorde é composto de formas complexas de unidades humanas, mas as frações de pobres e negros parecem ocupar os lugares de alvos prioritários de sua atenção social e literária. Não aleatoriamente, ela fustiga: “aprendendo a viver/onde não há comida/meus olhos estão sempre famintos” (Pós-imagem, p. 169). Mas a poeta não se contenta. Muito para ela é pouco. Por isso afirma, peremptoriamente (diriam os antigos): “... fotos de carne negra rasgada/largadas no meio da recusa da calçada/feito o rosto duma mulher estuprada” (Pós-imagem, p. 175). Indo mais longe, remete-nos ao menino negro sacrificado  - “arrancaram seus olhos seu sexo sua língua” (p. 175) - no sagrado altar dos brancos, “em nome da feminilidade branca” e para a celebração “num prostíbulo (...) da fraternidade branca” (p. 175). O remate é eloquente: “Uma mulher mensura o dano em sua vida/meus olhos são cavernas, lascas de rocha entalhada/amarrada ao fantasma de um garoto negro” (Pós-imagens, p. 177).

Estamos perante uma mulher cujas palavras são iluminadas pelos archotes de sua classe e de seu povo e nelas o enfoque de gênero não se separa do de raça. Isso é assim, mesmo quando é preciso se unir às mulheres brancas em torno de uma pauta comum. Nem o amor está isento de desconfianças: “Na terra da morte a voz da minha amante fenece/como o rugido de um trem descarrilhado/do outro lado do rio/o rosto de uma mulher branca que eu amo/e desconfio paira/ comendo uvas verdes de um saco de papel” (Um poema com mulheres com raiva, 183).

A raiva e a suspeita não subtraem a força dos versos que resumem um estilo em que aos temas cotidianos se alia uma linguagem ao mesmo tempo coloquial e permeada de uma beleza, à primeira vista, estranha, embora essa estranheza, provavelmente, seja quase uma manifestação de uma realidade atônita. Essa beleza de que falamos, e que, a nosso ver, é uma marca da poesia de Audre Lorde pode ser pressentida nas sutilezas do poema Outubro: “não me deixa morrer/antes que eu tenha um nome/para essa árvore/sob a qual me deito” (p. 189).

Um tipo de estudo dos poemas que compõem o livro em exame pode perfeitamente se eximir do caminho que aqui adotamos, e, adotando outra direção, voltar-se à análise das figurações que definem o arcabouço, ao tempo vulcânico e sutil, da linguagem poética lordeana. As cintilações da linguagem peculiar de Lorde estão aí “largadas feito lápides ao longo da estrada” (Irmã, a manhã é tempo de milagres, p.191). É preciso crer na possibilidade de entre as lápides descobrir as centelhas e os múltiplos significados que rondam a estrada percorrida pela poesia da autora.

Captar essas difíceis situações de leveza literária não implica ignorar a poeticidade que caracteriza a escrita de Audre Lorde, ainda que ela invoque asperezas de certas situações e palavras: “Eu nunca tive a intenção de te deixar escorrer por meus dedos/nem de comprar teu interesse de novo/feito o desejo duma puta/que boceja nas costas da mão/fingindo um gemido de prazer/e eu também já passei por isso” (Irmã, a manhã é tempo de milagres, p. 193). Ninguém deveria ter qualquer dúvida sobre a possibilidade de que “o sol pudesse iluminar nossos diferentes desejos” (p. 193); então, por que deveria ter dúvida quanto às possibilidades iluminadoras presentes na escritura de Lorde?

Há outras probabilidades, particularmente aos que estudam as contradições inerentes às masculinidades e feminilidades. Há muitas pistas. Por exemplo, em Precisar: um coro para vozes de mulheres negras, Lorde não só adentra esse cenário de sonoras complexidades, mas articula temáticas raciais e de gênero em um feixe bastante instigante. Há pistas impecáveis: “E sua masculinidade fincou-se em meu crânio/como um peixe enredado” (p. 205); “você me toca/e eu morro nos becos de Boston/com o estômago pisoteado me saindo pelas costas/um crânio martelado em Detroit/uma faca cerimonial atravessando a vagina usada da minha vó” (p. 205). Depois de invocar muitas e diferentes circunstâncias à volta da temática central, ao final do poema ela deixa uma indagação provocativa: “Quanto dessa verdade eu posso suportar ver/e ainda viver/sem me cegar?” (p. 209). 

São muitas as chaves de leitura. Paramos por aqui. Certamente, há muitas outras coisas por dizer. Mas aí já não seriam notas, mas um tratado. À guisa de desfecho, diríamos ao leitor e à leitora, que essas notas constituem uma inequívoca provocação: leiam Audre Lorde e descubram o quanto vocês suportam de sua verdade.


Fábio Queiróz

Professor do departamento de históriada Universidade Regional do Cariri - URCA