terça-feira, 21 de junho de 2022

Dois documentários [CRÍTICA DE ARTE]

junho 21, 2022

 

Depois de muito tempo sem ir a um cinema de verdade, acabei indo ao Cinema do Dragão duas noites seguidas. Para ver aliás dois docs, Currais, no sábado e Amigo Secreto, ontem.

 

CURRAIS

 

Currais trata dos campos de concentração abertos pelo Governo Vargas, com apoio dos interventores estaduais e pela Igreja Católica para encarcerá centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadores, além de velhos e crianças atingidos pela seca de 32, num contexto de abandono do Nordeste e de seu povo. Por trás da declarada intenção caritativa estava uma forma radical de segregação, cujo fim era a superexploração dos miseráveis. Uma exploração literalmente até a morte. O filme de Sabina Colares e David Aguiar acaba narrando o sangrento surgimento da classe operária cearense.

 

AMIGO SECRETO

 

Amigo Secreto, doc de  Maria Augusta Ramos, narra as peripécias de uma das maiores operações criminosas da nossa história, a dita Operação Lava Jato, sob o ponto de vista dos sites El País e The Intercept, que desnudaram a suposta ação anticorrupção que levou à fraude da interdição  de Lula em 2018 e abriu caminho para Bolsonaro.

Ao meu ver, mais do que apontar para o conluio Moro/Dallagnol, o filme coloca no banco dos réus os dois elementos sem os quais não poderia ter havido o maior caso de lawfare de que se tem notícia: a imprensa e o governo dos EUA.

 

Dois bons filmes que pecam coincidentemente pela mesma coisa: a tentativa de conduzir roteiros documentais por meio de encenação de alguns personagens fictícios ou não. Os jornalistas reais atuando como atores em parte de Amigo Secreto tira boa parte do impacto do filme.

 

Eudes Baima
Professor da Universidade Estadual do Ceará - FAFIDAM/UECE

 


sexta-feira, 10 de junho de 2022

Rosa da Fonseca permanece!

junho 10, 2022

 

Rosa da Fonseca não existe mais por si e em si. Rosa se foi como viveu: combatendo o capitalismo, as opressões, o governo Bolsonaro... o câncer. Mas, Rosa está presente. Eu a sinto agora e não há nada de transcendental nisso.

A morte é uma resposta da natureza ao nosso desafio de existir e viver, é o destino dos indivíduos singulares. A quase totalidade dos mortos fica circunscrita às lembranças de familiares e amigos. No entanto, Rosa rompe esses estreitos limites. Sua vida foi tecida nas lutas de nosso povo em variadas dimensões. Em qual frente de luta Rosa não se vez presente? Das periferias ao parlamento, da escola à defesa da libertação das mulheres, do movimento sindical ao ecologismo anticapitalista.

Rosa sobrevive à morte por sua produção consciente e socialmente importante para a emancipação da classe trabalhadora. A atividade revolucionária de Rosa foi universal e significativa. Por isso, sua biografia é repleta de lições.

Quem luta ao lado dos explorados e oprimidos não é perdoado pelas classes dominantes. Rosa nunca capitulou, nunca se vendeu, nunca transigiu diante das engrenagens poderosas do capital.  Foi torturada pela ditadura militar, mas não se iludiu com os horizontes da democracia burguesa. Foi sindicalista, mas não se comprimiu nos estreitos horizontes do economicismo e do corporativismo. Foi vereadora, mas não sucumbiu ao cretinismo parlamentar. Foi feminista, mas não cedeu às armadilhas da falsa ideologia do identitarismo. Nos diversos grupos políticos nos quais militou (PC do B, PRC, PRO, PART, Crítica Radical), sempre se destacou por suas convicções e militância. Rosa viveu o que pensava com paixão emancipatória.

Encontrei Rosa em diversos períodos de minha vida e em seu sorriso sempre senti que não estava sozinho na luta pela transformação radical dessa sociedade podre. Hoje entendo que o socialismo não é só possível, mas extremamente necessário para a humanidade.

Obrigado, Rosa, por sua vida, por suas lições, por sua amizade.

 

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO


sábado, 4 de junho de 2022

“Seis meses na Rússia Vermelha” de Louise Bryant

junho 04, 2022


 Todos conhecem o relato de John Reed sobre os primeiros dias da Revolução Russa. “Dez dias que abalaram o mundo” é leitura obrigatória entre as militantes e os militantes comunistas, já “Six Red Months in Russia: An Observers Account of Russia Before and During the Proletarian Dictatorship” de Louise Bryant não alcançaram tanto sucesso assim. Agora, traduzido para o português pela editora Lavra Palavra (@lavrapalavraeditorial), com o título “Seis meses na Rússia Vermelha”, tive a oportunidade de ler Bryant. O livro é uma coletânea dos artigos que ela publicou relatando suas experiências, bem como reportando as entrevistas, obtidas durante o tempo em que esteve na Rússia.

Bryant, como jornalista, fez um incrível trabalho ao combater as mentiras que muitos jornais publicavam sobre a Revolução. Talvez, leitora ou leitor, não seja suficiente eu dizer que Bryant era jornalista, ativista política, correspondente de guerra e feminista. Talvez, para que você sabia quem foi Bryant, eu tenha que dizer que ela foi esposa de John Reed de 1916 até a morte dele, em 1920. Infelizmente, nossa imagem ainda está atrelada à dos homens com que nos relacionamos. A recuperação de nossa história, de nossa participação na História, sistematicamente ocultada, felizmente, cada vez mais, afasta-nos de sermos pensadas como apêndices de homens. Bryant foi uma grande mulher por si mesma e como isso nos fortalece ainda hoje ao ler seu relato.

Dizem que Bryant estava na delegação de jornalistas para escrever sobre a Revolução sob um olhar feminino. Preciso fazer um adendo para destacar como a presença de mulheres em certos espaços é justificada com estes objetivos: mostrar um outro lado da situação, um olha feminino sobre o fenômeno etc. Nosso olhar nunca é um olhar objetivo, é sempre enviezado pela nossa feminilidade. Peço a vocês, leitores e leitoras, não caiam na tentação de ler o livro de Bryant com essa absurda ideia em mente. O que encontramos nas páginas dela são relatos sensíveis, objetivos e críticos sobre o que ela viu, características que não estão determinadas pela identidade de gênero.

É urgente a leitura desse livro, bem como de outros excelentes relatos sobre a Revolução, para que possamos combater a imagem negativa do que é uma revolução socialista, do que é um governo do proletariado, de como um povo é capaz de derrubar tiranos e autogerir-se. “Seis meses na Rússia vermelha” é um livro inspirador. Bryant explica fatos complexos, mas volta o olhar para pequenas relações, cenas cotidianas que, assim como as que se passam em grandes lugares de decisão, expõem o significado da Revolução.

Bryant entrevistou muitas pessoas, mas são os relatos sobre o papel e o trabalho das mulheres que mais me emocionaram. Alexandra Kollontai e Maria Spiridónova são, sem dúvida, grandes referências para a luta das mulheres; e, por meio do livro de Bryant, podemos ter uma noção mais clara de como as mulheres foram fundamentais para a luta revolucionária, da importância delas e do respeito e admiração que o povo lhes devotava.

Não quero dar nenhum spoiler por aqui, caras leitoras e leitoras, não quero que você deixe de verter algumas lágrimas se, como eu, você se emociona apenas em imaginar que uma revolução socialista já aconteceu no mundo, que um povo derrotou seus exploradores, que as massas trabalhadoras foram capazes de organizar uma sociedade sem patrões, por isso recomendo muito a leitura e peço que, se você lembrar, deixe aqui seu comentário para eu saber como foi sua experiência de leitura.

 

KARLA RAPHAELLA COSTA PEREIRA

Professora Dra. da UECE, Líder do GPOSSHE