quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Angela Davis: Uma autobiografia

agosto 22, 2019



Ainda temos algumas cataratas a tirar dos olhos

A metáfora que compõe o subtítulo deste artigo está na autobiografia de Angela Yvonne Davis, publicada este ano pela BoitempoAngela está falando sobre o momento em que descobriu que o racismo é uma estrutura que aumenta a produção de lucros a serem apropriados privadamente pela classe dominante, em que compreendeu os problemas do povo negro dentro do contexto do movimento da classe trabalhadora. É o momento em que Angela Davis, uma das mais importantes militantes do mundo, descobre o comunismo. 

A publicação original é de 1974 e teve como editora Toni Morrison, a primeira negra a ganhar um prêmio Nobel de literatura. Morrison escrevia histórias sobre mulheres negras nos Estados Unidos e percebeu a natureza única da história de Davis que se sentia muito jovem para escrever uma autobiografia que poderia ser tomada como pretenciosa. A relutância da autora, segundo ela mesma, tinha a ver também com o fato de não quer querer personificar a luta de seu povo em sua figura mais do que já tinha ocorrido graças a sua prisão e a campanha por sua liberdade que se espalhou pelo mundo.

O desconforto de Davis foi vencido justamente pelo aspecto mais relevante de sua autobiografia, o método de contar sua história: Angela Davis apresenta sua história de maneira inseparável da totalidade social. Além de apresentar uma escrita fluida (e aqui não se pode esquecer o crédito de Heci Candiani pela belíssima tradução), o texto desenvolve-se como um romance, a estrutura narrativa prende o leitor do começo ao fim, a forma de contar de Davis emociona e revolta. O leitor é transportado não só para os momentos passados, mas, a ele, é dada a oportunidade de estar na pele de Angela, ainda mais, de olhar o mundo através de seus olhos e, ao fazê-lo, o leitor sente o que ela sentiu, sente, inclusive, a emoção do momento da escrita.

Não descarto a possibilidade de estar cometendo um exagero apaixonado por Angela, se o tiver, perdoem-me, mas não deixem de fazer este favor a si mesmas(os): leiam a autobiografia de Angela Davis.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

sábado, 17 de agosto de 2019

Prosa do pôr do sol

agosto 17, 2019



Pôr do sol em Fortaleza


Fim de tarde cheio de saudade na Beira Mar. E o pôr do sol em Fortaleza reluz intensamente nas águas de infinito azul. Sempre admirei o esplendor deste fenômeno da natureza como uma sensação que não se esgota em si mesma, mas, que se amplia na medida em que não estabeleço limites para senti-lo. Tenho insistido nisso tão-somente porque não suporto que me digam como devo sentir as coisas do mundo. O meu egoísmo é assim, uma simbiose de exaltação e aridez.

A única razão pela qual nunca deixo de ver o pôr do sol é quando, invariavelmente, sempre estou desgastado de mim mesmo e não suporto compreender-me. E feito um torvelinho de cansaço e desgosto, só encontro motivos para destroçar este meu egoísmo insípido. Certamente, aquela saudade não é em vão. Pois, sinto a partir de minhas lembranças, a vida como se fosse a última. E esse repertório de vivências dissipadas é um verdadeiro oceano de renúncias e desilusões.

Meu coração é apenas um órgão que faz valvular o sangue no meu corpo. Eu sinto mesmo profundamente tudo é pelo dispositivo do devaneio sensitivo e insano.

Todavia, ao caminhar pelas límpidas areias da praia de Iracema, começo a entender que esse cotidiano de simulacros e encenações de orgulho estúpido (afetuosidades desnecessárias) não passa de beleza mórbida e torpeza fria. Só o pôr do sol aqui para dilacerar minha angústia de existir!.. e tudo é assim, feito brisa leve na contradição de viver. E o meu destino não se encerra em nenhum objetivo pleno, mas em plena tarde, encontro o sentido da vida: não se perguntar o porquê de estarmos aqui.


Madrugada e vento frio

A noite transcorria serena. E um leve sono repentino provocava em mim uma sensação de melancolia confortável. Lá fora um abismo de silêncio. Mas no interior do meu quarto semicerrado ressoava um estampido de saudades mortas. Algo assim não surpreendente pois o que me deixa mesmo extasiado é o vento frio das madrugadas intransponíveis. Porque é nessas horas que eu sinto rebentar um furor inesgotável. E nesta mesquinha cidade de concreto pálido componho minha cantilena absolutamente confessional.

Embora submetido aos meus próprios deslizes, ainda procuro uma razão de ser. Mesmo assim, inquieto, irascível e tolo.


Antonio Marcondes dos Santos Pereira
Doutor em Educação (UFC)
Membro do GEM/UFC