sábado, 28 de dezembro de 2019

Domenico Losurdo: Assassino de memórias

dezembro 28, 2019


O CASO TUKATCHEVSKI

Em 12 de junho de 1937, era executado o marechal Mikhail Tukatchevski, grande herói da Guerra Civil. Era acusado de conspiração “fascista-trotskista-direitista”. Iniciavam-se fatos de consequências terríveis para a URSS. Losurdo resolve a questão dramática em sete parágrafos, sobre a execução de Tukatchevski e de “numerosos outros” oficiais. E bota “numerosos” nisso, Losurdo! Dois outros marechais, oito dos nove almirantes, uns setecentos generais, em geral membros do Comitê Central. Mais de 15.000 oficiais assassinados e talvez 40 mil na prisão! Onda de suicídios varreu a oficialidade do Exército Vermelho quando dos sucessos.

Losurdo banaliza o tragédia, dedica-se a inocentar Stálin e a sugerir responsabilidade política de Trotsky!

Segundo ele, em 1937, o presidente da Tcheco-Eslováquia informara os franceses de conspiração de Tukatchevski com a Alemanha nazista. A GPU informara Stalin, que ordenara, em um vapt-vupt, o desventramento do Exército Vermelho. Losurdo apoia a tese da conspiração em declarações de Churchill e Hitler! E balbucia que “dúvidas permanecem” sobre ter ela ocorrido, o que justificaria a carnificina! E já zombando de seus leitores, afirma que os oficiais restantes “expunham com franqueza as suas opiniões […] sem hesitar em contradizer o líder supremo […].” Ninguém temeria terminar no círculo ártico ou com um tiro na nuca!

Abertos os arquivos soviéticos e alemães, neca sobre a conspiração multitudinária: apenas informações documentais sobre a falsificação nazista de documentos relativos à “traição”, ao igual do também feito pela polícia política estalinista. Cada um por suas razões.

Losurdo maravilha-se que não foi a sede de sangue de Stálin que levou à mortandade, mas razões políticas: possivelmente eliminar oficiais bolcheviques de prestígio que combateram sob as ordens de Léon Trotsky. Oficiais que, entre eles, sussurrariam críticas, que não podiam discutir em um partido comunista aterrorizado. A sorte da família Tukachevsky foi sinistra, como a de tantos outros oficiais.

Oito décadas passadas, nossa homenagem a esses soldados da revolução proletária, que não merecem ter suas memórias enxovalhadas por um assassino de memórias.


Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Domenico Losurdo: Um farsante de sucesso no país dos Tabajaras

dezembro 27, 2019


Domenico Losurdo e sua biografia “Stalin: história crítica de uma legenda negra” foram consagrados no Brasil, o primeiro como intelectual marxista iconoclasta e a segunda como  sua brilhante obra revisionista de mitos históricos consolidados. Não era para menos. O homem propôs fatos totalmente desconhecidos, todos contribuindo para resgatar o papel gentil e progressista do “Pai dos Povos”.


Propõe ou sugere, por exemplo, campanha terrorista contra a URSS -assassinatos, sabotagens de trens, etc.- organizada por Trotsky desde o exterior. Nada, portanto, mais justo do que o massacre de comunistas internacionalistas na URSS pelo estalinismo!

Em quem o homem apoia essa revelação capaz de lançar por terra tudo que já foi até hoje escrito? Nos arquivos do PCUS, agora à disposição dos historiadores? Nos papéis de Trotsky, depositados na Universidade de Harvard? Em algum fundo documental apenas descoberto? Não. Nesse caso, Domenico Losurdo apoia-se essencialmente em um livro do jornalista italiano Curzio Malaparte, Tecnica Del Colpo di Stato, publicado em 1931, em Florença, na Itália fascista! E se esquece, sobretudo, de dizer que o autor, um oportunista e farsante de sucesso, como “fascista della prima ora”, participara da Marcha sobre Roma, e prestara a seguir importantes serviços aos camisas negras italianos.

E o uso oportunista de fontes tão confiáveis como bilhete premiado vendido na porta do banco, não é um deslize [nesse caso gravíssimo] na biografia escrita por Losurdo, espécie de lixeira historiográfica. É a norma. Se a moda pegar, mui logo teremos trabalhos, citando o Olavinho, reconhecidos como obras historiográficas em nosso cada vez mais triste país!

Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Breves reflexões sobre a contrarreforma da previdência de Camilo Santana

dezembro 23, 2019



As lições de Maquiavel e a luta política

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O presente texto constitui um esboço de reflexões pessoais sobre a atual conjuntura e suas conexões com a defesa da Universidade Pública.

Luciano Gruppi (1980), em texto clássico, afirmou que Nicolau Maquiavel (1469-1527) estabeleceu as coordenadas da ciência política entendida como disciplina autônoma, separada da moral e da religião. Nesse sentido, para Maquiavel, o Estado não tem mais a função de assegurar a felicidade e a virtude, como indicava Aristóteles. E, também, não é como afirmava o pensamento medieval, uma preparação dos homens para Reino de Deus. Em Maquiavel, o Estado passa a ter suas próprias características, faz política e segue suas próprias leis.

À tal perspectiva, é preciso acrescentar, que uma análise objetiva de uma situação política remete ao campo das relações de classe. O poder político está vinculado à reprodução de determinadas relações de produção e sua mudança é função da correlação de forças sociais em luta. Logo, a política concreta, não é como imagina a falsa ideologia liberal, um espaço público onde, dentro de normas pré-estabelecidas e respeitadas, as partes em conflito apresentam racionalmente seu ponto de vista na busca das melhores soluções. De fato, a política real e cotidiana é uma luta acirrada de interesses e valores enraizados em classes, frações de classes e camadas sociais.

Desde o golpe de Estado de 2016, passando pelo período Temer e chegando no atual governo neofascista de Bolsonaro, é mais do que evidente que a esfera política se apresenta como uma grande ofensiva contra os interesses e direitos do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras em toda sua diversidade. Nessa perspectiva, constitui-se uma crescente polarização social que distorcidamente se coloca como uma disputa entre o bolsonarismo e o petismo. Entre um projeto fascista e um bloco dirigido por uma estratégia frente populista, de aliança estratégica com setores da burguesia interna e de coexistência pacífica com o imperialismo.

Bem, aqui vem as contradições do petismo, em particular do governo Camilo. Em primeiro lugar, o PT não é um bloco homogêneo, há conflitos entre tendências e projetos.  Além disso, uma coisa é sua direção e outra são os milhões de filiados, ativistas e simpatizantes que estão em diversas frentes de luta. Em segundo lugar, o governo Camilo é petista-cirista. Embora seja um erro confundir Camilo com Bolsonaro, sua perspectiva não atende aos interesses das classes e camadas trabalhadoras. Sua aliança estratégica nunca foi com as necessidades da maioria dos cearenses. Ele governa para a minoria: banqueiros, industriais, latifundiários, burguesia de serviços, oligarquias regionais e alta esfera da burocracia estatal. Nessa perspectiva, Camilo e o bloco de forças que o apoiam vêm seguindo a orientação de Maquiavel: “Quando fizer o bem, faça-o aos poucos. Quando for praticar o mal, é fazê-lo de uma vez só”. Daí os concursos minguados, o arrocho salarial para os servidores públicos, o sucateamento das universidades públicas, as promessas não cumpridas, a liberação seletiva de recursos. No entanto, para arrancar direitos dos servidores na “deforma da previdência”, o regime de urgência, a repressão, o rolo compressor de 36 votos contra 8.

Diante disso, o que fazer? Primeiro, entendo, que a luta não é moral, a questão não é se o governo e sua base parlamentar é composta de pilantras e canalhas; nem tampouco se são traidores. Camilo e sua base política nunca foi fiel à maioria dos cearenses. Segundo, e penso que é o mais importante, na luta contra a destruição do sistema previdenciário estadual, construiu-se uma unidade entre servidores públicos e vários setores sociais. Uma unidade na luta, diversa, plural, mas que esteve na mesma trincheira, no lado certo. Para 2020 é preciso avançar mais, saber o que queremos, termos uma pauta unificada, definir nossos inimigos e aliados, nos inserirmos no quadro nacional. Reajuste salarial, verbas para as universidades, concursos, revogação da “contrarreforma da previdência”, saúde, educação, moradia, reforma agrária, combate às opressões… tudo isso se entrelaça com a luta pelo fim do governo Bolsonaro e do regime golpista.

Por um 2020 de lutas e vitórias!

Frederico Costa
Professor da UECE - Universidade Estadual do Ceará
Diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-SN
Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário-IMO

Este artigo pode ser encontrado no site do SINDUECE.

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Referências Bibliográficas


GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. 12 ed. Porto Alegre: L&PM editores, 1980.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Miss Universo e a lógica dialética

dezembro 09, 2019


Foto: Paras Griffin/Getty Images/AFP

No dia de hoje, venho falar sobre contradição. Por quê? Zozibini Tunzi foi escolhida Miss Universo, uma mulher negra que apresentou um breve discurso antirracista e feminista no concurso. Há algum tempo, debato-me com a lógica dialética – muito mais na prática do que na teoria, tendo em vista que teoricamente não é uma leitura fácil. Tive acesso a duas posições muito interessantes sobre o tema, uma de Jean Montezuma e outra de Sol Costa. Duas posições que apontam os elementos de contradição que quero colocar aqui. Quero dizer que as duas posições são corretas e que, com elas, tenho acordo.
De um lado, Jean assina uma postagem do Esquerda Online que destaca que, mesmo sendo um concurso de beleza fundamentalmente machista e capitalista, a vitória de Zozibini tem uma importância fundamental: a representatividade, que importa muito para as meninas, meninos, mulheres e homens negros que não se veem nas representações simbólicas do que é belo e bom. Jean tem razão. Por outro lado, Sol Costa, militante marxista e feminista para com quem tenho muito respeito e admiração, lembra que, apesar da significativa representatividade para o movimento negro, o concurso Miss Universo é essencialmente abjeto e, por isso, ninguém deveria ganhar esse concurso, pois ele nem deveria existir.
Acode que o Miss Universo existe, assim como existe o racismo, o machismo e o capitalismo. Espero que, no parágrafo acima, tenha ficado claro a contradição que percebo e sinto na pele, mas que tenho dificuldade de explicar em termos teóricos – ainda tenho muito que estudar para trazer Hegel e Marx e quem for necessário para discutir lógica e lógica dialética. (Quero abrir um parênteses: quando ouço sussurros sobre o academicismo, me revolto, me indigno porque, olha só, a teoria explica a realidade, esta é o critério de verdade daquela). As duas posições são corretas porque ambas são determinações da realidade concreta: se, por um lado, não podemos assumir o Miss Universo como uma trincheira justa para a luta antirracista, ela se tornou essa trincheira quando uma mulher negra, num contexto de avanço do fascismo no mundo todo, fala contra a discriminação em nome de todos e todas que foram e são violentados no mundo.
Independentemente de nossa vontade, o concurso tornou-se palco para isso e mobilizou consciências, se pessoas que o viram se sentiram empoderadas – para usar a palavra da moda. E, se incomodou o conservadorismo burguês e pequeno burguês que alimenta as fileiras fascistas, melhor ainda. Dito isso, pode parecer que estou concordando mais com Jean do que com a Sol, mas não, não é verdade. Porque, se é verdade que a realidade tem múltiplas determinações, é também verdade que há um momento predominante nessas determinações. Aí Sol tem toda razão: o momento predominante do Miss Universo é a objetificação da mulher, a reificação, então, ele nem deveria existir. Mas isso é a essência do Miss Universo, a aparência, em sua imediaticidade, no entanto, é sempre maior que a essência. Convivamos com a dor e a beleza de enxergar contradições.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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