sábado, 23 de novembro de 2019

Por que não dialogo com estalinistas?

novembro 23, 2019


Nunca li nada de Jones Manoel. Ao menos, não me lembro. Não opino, portanto, sobre sua produção e eventual adesão ao estalinismo, atualmente em discussão. Falo no geral.

Nos últimos tempos, no Brasil, conhecemos “revival” estalinista, não restrito à juventude. Algumas novas biografias de Stalin, de escassa qualidade, contribuem mas não explicam o fenômeno.

Levanto algumas conjeturas sobre essa tendência no Brasil.  Primeira, a necessidade de não-trotskistas de construirem uma “identidade política”, diante da proliferação de grupos que se reivindicam do marxismo-revolucionário. Alguns grupos, reconheço, com propostas de levantar o Velho do túmulo, de tão estapafúrdias e irresponsáveis.

Segundo e talvez mais determinante. No contexto do refluxo mundial do mundo do trabalho, proliferam as interpretações autoritárias, individualistas, aparelhistas, etc. da história. O “Pai dos povos” é visto como construtor do socialismo na URSS, como o vencedor do nazismo, etc. Nessas interpretações, desaparece o esforço hercúleo dos trabalhadores soviéticos, que carregaram nas costas, enquanto puderam, o peso da casta burocrática.

Contribui igualmente uma enorme - e não raro prepotente - ignorância da história da luta de classes e do comunismo no século 20. Para se informarem sobre essa realidade no nosso país, recomendo a magnífica biografia de Anita Leocádia sobre seu pai e o PCB, nesses anos. Essa brilhante historiadora não será acusada de trotskista!

Não é questão de sectarismo, de falta de espírito democrático. Dialogo com jovens e menos jovens que se reivindicam do estalinismo, ignorando o que defendem. Dou uma de Jesus Cristo e digo aos meus botões: - “Pai perdoai-os, não sabem o que dizem.”

Mas não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotskistas]. Nos últimos anos, Stalin andava mandando pra cova seus seguidores. Beria teria escapado por se adiantar.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que anti-fascistas se abracem a fascistas. Que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista.Nos últimos tempos, no Brasil, conhecemos “revival” estalinista, não restrito à juventude. Algumas novas biografias de Stalin, de escassa qualidade, contribuem mas não explicam o fenômeno.

Levanto algumas conjeturas sobre essa tendência no Brasil.  Primeira, a necessidade de não-trotskistas de construirem uma “identidade política”, diante da proliferação de grupos que se reivindicam do marxismo-revolucionário. Alguns grupos, reconheço, com propostas de levantar o Velho do túmulo, de tão estapafúrdias e irresponsáveis.

Segundo e talvez mais determinante. No contexto do refluxo mundial do mundo do trabalho, proliferam as interpretações autoritárias, individualistas, aparelhistas, etc. da história. O “Pai dos povos” é visto como construtor do socialismo na URSS, como o vencedor do nazismo, etc. Nessas interpretações, desaparece o esforço hercúleo dos trabalhadores soviéticos, que carregaram nas costas, enquanto puderam, o peso da casta burocrática.

Contribui igualmente uma enorme - e não raro prepotente - ignorância da história da luta de classes e do comunismo no século 20. Para se informarem sobre essa realidade no nosso país, recomendo a magnífica biografia de Anita Leocádia sobre seu pai e o PCB, nesses anos. Essa brilhante historiadora não será acusada de trotskista!

Não é questão de sectarismo, de falta de espírito democrático. Dialogo com jovens e menos jovens que se reivindicam do estalinismo, ignorando o que defendem. Dou uma de Jesus Cristo e digo aos meus botões: - “Pai perdoai-os, não sabem o que dizem.”

Mas não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotskistas]. Nos últimos anos, Stalin andava mandando pra cova seus seguidores. Beria teria escapado por se adiantar.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que anti-fascistas se abracem a fascistas. Que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista.

Mário Maestri
Professor da UPF - Universidade de Passo Fundo

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Sobre a violência policial na UECE

novembro 20, 2019


Foto: ev

Nos últimos meses, casos de violência policial foram registrados dentro e nos entornos da Universidade Estadual do Ceará contra os estudantes e moradores/as da comunidade. Importante afirmar que a universidade, está localizada no bairro Serrinha, um dos bairros de menores IDHs de Fortaleza, onde o Estado penal atua de forma irrestrito. No entanto, é nesse espaço, também, onde se constrói formas de resistência e de lutas contra tais violências, tornando-se um território de inúmeras potencialidades para a construção de novas formas de relações sociais.

É nessa tensão que a universidade deveria se inserir enquanto espaço de princípio ético norteador, que paute a liberdade, a participação popular e o direito ao espaço múltiplo de formação humana. Mas, tendo em vista a realidade concreta em que a mesma se encontra percebemos como é marcada por forte movimento discriminatório racial, geracional, capacitista, patriarcal, onde alguns podem entrar e permanecer na universidade e outros não, dialogando com uma falsa lógica meritocrática onde fortalece a não ocupação da comunidade nesses espaços. Aqui, é interessante ressaltar,  que o outro está fortemente atrelado a uma ameaça ao patrimônio, como foi repetidamente dito, escrito e analisado no fórum de segurança universitária.

No mês de junho, depois de um São João autorizado, realizado pelo Centro Acadêmico de Educação Física, os guardas que fazem a segurança patrimonial do campus Itaperi usaram da intimidação e força física para coagir estudantes que aguardavam o transporte para casa, dentro dos Centros Acadêmicos. O uso da força foi tamanho que promoveram danos aos patrimônios dos Centros Acadêmicos de Educação Física, Computação e Pedagogia. Além disso, estudantes foram ameaçados de sofrerem processos administrativos, sendo criminalizados por, de acordo com a segurança, “infringir as regras”, estas que foram reforçam estigmas sobre determinados sujeitos.

Na universidade enquanto espaço social, não deixaria de manifestar violências de gênero, de raça e classe, assim como aconteceu no último dia da Semana Universitária, após o fim de um Sarau Estudantil, duas estudantes foram absurdamente agredidas pela segurança, causando danos físicos e psicológicos.

O caso de agressão contra as estudantes deve ser duplamente repudiado, visto que se trata de violência contra mulheres, praticado por homens. Não é de hoje que as estudantes vêm sofrendo diversos tipos de violência nos campi Itaperi e Fátima, sendo este último prejudicado pelo distanciamento físico do Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência, localizado no Itaperi. Este núcleo, inaugurado em 2017, até hoje não conta com o suporte necessário para a realização de suas principais atividades, como equipe exclusiva para plantão de acolhimento às vítimas e orçamento para eventos, palestras, seminários, minicursos e afins. É preciso que a Administração Superior desta universidade entenda que violência contra as mulheres no campus é uma questão de segurança e de assistência estudantil e que política pública não se faz apenas com boa vontade.

O conjunto de medidas de exceção a fim de estabelecer a segurança interna se manifesta também dentro das atividades culturais que estão dentro universidade. A abertura de processos administrativos contra as entidades estudantis e estudantes, com caráter punitivo, para estabelecer exemplaridade, se direciona para um caminho autoritário e seletivo, com o intuito de estabelecer um controle coercitivo sobre os estudantes. Essa política fere diretamente os princípios de autonomia dos Centros Acadêmicos e Diretório Central dos Estudantes, que há anos lutam por respeito e espaço político nas decisões da Universidade, através de representações democráticas. A determinação da Reitoria da UECE de proibir os saraus e afins, para nós, representa uma medida autoritária e vertical, que não contou com a consulta dos estudantes para a aprovação do documento.

Tais medidas como o fim da política de eventos culturais enquanto um dos eixos centrais e ainda a criminalização de qualquer espaço de integração, fere o direito de acesso e produção de cultura de estudantes e moradores da comunidade. Vale ressaltar que a cultura tem suas múltiplas determinações e não cabe a Reitoria da Universidade definir o que é cultura e proibir as manifestações presentes no espaço acadêmico. O funk, o reggae, o forró assim como outros gêneros musicais fazem parte da cultura de resistência da periferia, e nós devemos reconhecer que a Universidade Estadual do Ceará além de estar localizada na periferia, também é lugar de Ensino, Pesquisa, Extensão, mas também de promoção de cultura de resistência, a exemplo dos projetos de extensão desenvolvidos na Universidade, a partir das relações culturais, desenvolvidas no bairro Serrinha.

Acreditamos que a criminalização dos Saraus e Eventos Musicais contribuem para o adoecimento físico e mental dos estudantes, que sofrem com a rotina exaustiva de produtivismo e exigências curriculares, como demonstram pesquisas sobre saúde mental de estudantes universitários.

Outro eixo que a Pró-Reitoria de Administração tem utilizado como finalidade para a proibição dos eventos é o uso de álcool e outras drogas dentro do campus. Ora, não é nítido para a Administração Superior que, historicamente a proibição e a criminalização das drogas têm inviabilizado o acesso dos usuários às políticas de assistência e saúde, além disso, essa política pouco contribui para o não uso, mas contribui diretamente para o aumento da violência e da marginalização da população que faz uso recreativo de substâncias. Acreditamos que essa política de ostensividade policial e/ou penal, adotada pela Administração superior, também é direcionada às camadas mais pobres, marginalizadas e racializadas, partindo de forma racista a juventude negra de periferia. Nos questionamos se a Pró-reitoria de Administração consultou as pesquisas sobre o uso de drogas ou redução de danos para a construção dessa norma da UECE, e a falta de diálogo com estudantes, docentes e profissionais que trabalham/pesquisam na área para elaboração da portaria.

Acreditamos que seja preciso partir da prevenção com formações continuadas e ou núcleos que facilite de forma técnico-teórica sobre o consumo de drogas e de redução de danos, de maneira ética e emancipatória, longe da forma punitiva que contribui e reforça populismos penais.

Por esses motivos, nós, estudantes de diversos cursos e representantes de Centros Acadêmicos, exigimos um pronunciamento oficial da Reitoria, bem como um modelo de segurança universitária que respeite os estudantes e moradores da comunidade, diferente do modelo adotado pela Pró-reitoria de Administração, que autoriza a criminalização, a violência, a coerção e a retirada da autonomia dos Centros Acadêmicos e estudantes em geral da Universidade Estadual do Ceará. Nós, estudantes, consideramos inadmissível que um espaço como a universidade seja reprodutora de tanta selvageria e desrespeito para com as pessoas que ocupam esse espaço: sejam elas estudantes ou moradores da comunidade, que também são impedidos de transitarem pelos campi.

Diante disso, o movimento estudantil da UECE reivindica:
- A revogação do documento que proíbe a realização de festas, saraus e afins sem autorização prévia da PROAD.
- Uma alternativa à política de criminalização e coerção de estudantes e da comunidade, proferidas pela guarda da segurança, autorizada pela PROAD, que respeitem dos direitos humanos e o livre trânsito e permanência de pessoas dentro de seus próprios territórios.
- A construção de Grupos de Trabalho sobre drogas e redução de danos, assim como um equipamento dentro da universidade onde tenha a realização de pesquisas e instrumentais técnicos-operativos humanizados para dar trato a questão, com equipe multidisciplinar de psicólogos/as, assistentes sociais e profissionais da saúde.
- Ampliação do Núcleo de Acolhimento Humanizado às mulheres em situação de Violência - NAH UECE, com a contratação de profissionais com dedicação exclusiva para as atividades de acolhimento, de modo que estes possam ser realizados também no Centro de Humanidades, no Campus Fátima.
- A participação popular nas decisões que dizem respeito ao espaço da universidade, construindo um espaço não alienado do povo, bem como seu acesso não só nas entradas, como também em suas estruturas internas de permanência.

sábado, 2 de novembro de 2019

Há um sentido na vida?

novembro 02, 2019

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Foto: Greg Rakozy

A vida não possui um sentido. Melhor, o sentido da vida é viver. Se algum poeta já tiver feito alguma construção desse tipo, perdoem-me, leitores, mas é isso que quero dizer nesse texto desabafo. Como somos seres pensantes, seres de finalidade, queremos encontrar um sentido em todas as coisas. Esquecemos que esse sentido não é anterior, mas é construindo na nossa ação de viver. Nossa vida é o sentido de nossa vida. Não há nada a se encontrar para além daquilo que construímos na nossa jornada. É um grande consolo, porém, pensar que existe outro mundo depois desse – seja ele como for, de acordo com cada crença transcendente.
Estou falando disso porque pensei muito sobre a morte nesses últimos dias. Pensei nela do lado de cá, de quem fica na saudade, mas foi inevitável pensar na minha própria morte e no sentido da minha própria vida. Chico Anysio disse, certa vez, que não tinha medo de morrer, tinha pena de morrer. Concordo demais com essas sábias palavras. A morte significa mesmo o fim; o fim das possibilidades, o fim do sentido da vida. Talvez seja esse o sentimento que temos, mas que não conseguimos colocar em palavras como o brilhante cearense Chico Anysio. Temos medo da morte porque gostaríamos de continuar vivendo, de permanecer convivendo com aqueles que amamos, de seguir errando e acertando na nossa jornada de vida.
Superar a pena da morte não é fácil. Estar diante da possibilidade real de perder alguém que amamos é uma das maneiras mais cruéis de encarar a finitude da vida porque, na verdade, a dor é de quem fica, pois, quem vai não sente mais dor. Se compreendemos que o sentido da vida está na própria vida, poderemos viver mais plenamente e tentar esgotar as máximas possibilidades de nossa existência, assim, encontraremos em cada uma de nossas escolhas, em cada minuto de nossas vidas o sentido de existir que nos é negado.
Nunca dei tanto valor às palavras do barbudo do que quando precisei pensar sobre a morte. O sistema capitalista nos nega o direito à vida e ao sentido dela porque, se não nos vemos seres humanos no nosso cotidiano, nas pequenas coisas do nosso dia-a-dia, nas relações que estabelecemos com os outros, vamos precisar procurar por uma razão de viver que não está no nosso horizonte: um cargo de sucesso, um diploma de doutorado, um casamento milionário, um carro do ano. O sistema capitalista torna nossas vidas um campo de batalha pelo mínimo necessário para viver, assim, transforma a vida numa luta extenuante na qual não vemos sentido porque não nos sentimos felizes.
A possibilidade de poder fazer essa reflexão aqui não é também acessível a todos os seres humanos. Estou nessa posição por uma série de fatos, escolhas, lutas e acasos que me permitiram um nível de consciência para elaborar tais pensamentos. Eu sei que, para a maior parcela da classe trabalhadora, não é possível encontrar o tão desejado sentido da vida, por isso somos presas tão fáceis de todos os tipos de alienação religiosa que nos convence de que não somos donos do nosso próprio destino. 
A tarefa revolucionária tem um papel fundamental nisso, na possibilidade de que possamos encontrar sentido nas pequenas coisas de nossa vida, no fato de sermos seres humanos, no fato de existirmos e de construirmos o sentido de nossa própria existência.

Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE.