A linguagem do suborno: onde as palavras da mercadoria atacam o pensamento anticapitalista
“Todo documento de cultura é também um documento de barbárie.”
— Walter Benjamin, Teses sobre o conceito de história
“A linguagem serve hoje não para revelar, mas para encobrir a realidade.”
— Herbert Marcuse, O Homem Unidimensional
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a linguagem do poder.”
— Pasolini, “Ensaios”
“A linguagem política é projetada para fazer as mentiras parecerem verdades e o assassinato respeitável.”
— George Orwell, “Política e a Língua Inglesa”
“A escola, ao mesmo tempo que ensina, inculca. A inculcação ideológica é a sua verdadeira função.”
— Althusser, “Aparelhos Ideológicos de Estado”
O tempo das ideias não é o tempo das palavras que circulam como mercadorias do capital. As palavras foram seccionadas em prateleiras, gôndolas de prova social, engendrando efeito manada de tribos segmentadas.
Deixemos esclarecido o que está em jogo. As ideias são forjadas numa temporalidade não verborrágica. Seu paradigma não é a velocidade do mercado, com aparentes desacelerações comunicativas. A tradução de ideias em palavras exige um trabalho plástico, artístico, mediado pelo pensamento como potência descodificada, que recusa sua apreensão no cardápio dos símbolos mercantis.
Mas, no interior da esfera da circulação das mercadorias, o que ocorre é o oposto. Trata-se de embargar o pensamento, impedir que sua existência temporal seja parte da livre circulação das palavras, a não ser na forma específica de sua falsificação. Há todo um cordão de isolamento discursivo, o qual propõe o ocultamento, o apagamento da singularidade do pensamento como potência antimercantil, não mediada pela lógica da monetização discursiva.
Trata-se de algo que tem causado impactos perversos no interior de questões clássicas como a do "conhece-te a ti mesmo". Lá onde se tratava de autoconhecimento, emerge no lugar a dinâmica da sonegação de si. Uma bipartição, uma fuga de si (o que permanece aniquila o melhor lado daquilo que se foi). O eu cindido transborda então como forma de indexação das subjetividades ao ridículo espetáculo do pertencimento mercantil. Emerge assim a linguagem do suborno subjetivo.
Especificando a abordagem, educar se transforma em meio de barganha escolar. Assim, ressalta-se que, infelizmente, a educação escolar opera apenas neste segundo nível. Por isso, é hoje em dia oclocrática (voluntarista-demagógica), intrinsecamente não democrática.
Eis o caso: discentes-clientes, consumidores tacitamente sequestrados de si mesmos ao endossarem a dinâmica de que seus interesses "inatos" estão acima de tudo e todos, mesmo lá onde suas demandas já estão a priori forjadas pelo artifício utilitário da compra e venda de suas demandas.
Mesmo que através delas seja enunciado aquilo que se chama "inclusão", trata-se de pertencimento mercantil, ou seja, de plasmar "eus" artificiais amputados subjetivamente, sob a tutela das autarquias que operam como sucursais do capital.
Portanto, a educação em jogo não é marcada pelo tempo de desenvolvimento das ideias, mas pela lógica abstrata das mercadorias linguísticas como extensão do orçamento escolar (discentes-orçamento como parte do cálculo do suborno), tanto quanto reconhecimento dos sujeitos como reflexos estritos das gôndolas simbólicas.
Aqui não custa uma breve remissão. Trata-se de trazer à tona a lembrança das análises críticas de Althusser a respeito dos aparelhos ideológicos de Estado. Não custa lembrar que a escola já era por ele evidenciada como um desses aparelhos. De todo modo, intui-se um avanço analítico.
As enunciações que Althusser apenas esboça em termos filosóficos (epistemológicos) podem ser melhor especificadas a partir de mecanismos atuais de gestão educacional, concretizados nos processos orçamentários que vocalizam e cadenciam a forma pela qual a “linguagem-capital” é atualizada nas escolas enquanto aparelho ideológico complexo (aparelho que estrutura e enrijece palavras de ordem no estabelecimento do clima e da cultura escolar).
Sendo este o caso, a escola capitalista já não se limita a interpelar os sujeitos e forjar estruturalmente a subjetividade mediante uma linguagem genérica; ela os interpela sob o cálculo de sua quantificação orçamentária, vinculando a existência discente e suas formas de expressão à matemática financeira do repasse de recursos públicos. O ser estudantil é configurado no entorno de uma forma bastante precisa, pela qual a circulação da mercadoria-dinheiro anexa em seu entorno as individualidades escolares, sobrecodificando-as financeiramente e, consequentemente, determinando o modo pelo qual as palavras e demandas devem ser proferidas.
Trata-se de algo que se segue à exata medida em que se cria um hiato entre a forma pela qual os enunciados são expressos e o modo como as ideias, o pensamento, deve ser cerceado, posto à distância de sua visualidade simbólica, intrainstitucional. É dessa engrenagem que nasce o léxico do cerceamento e das barganhas simbólicas, produzindo performances e fabricando um jogo de cena cotidiano. No limite, os docentes são constrangidos, ou melhor, esmagados pelas pressões orçamentárias do estado e desejos estudantis modulados pela linguagem do capital.
Levando em consideração tal sequestro do jogo de enunciações e determinação de palavras de ordem, a linguagem esvaziada de pensamento se diferencia como expressão das trocas das mercadorias e, no limite, é depurada. Consequentemente, se lumpemproletariza nos marcos de fortes tendências protofascistas. A linguagem do suborno é essencialmente lumpemproletária e fascista.
Sob esse registro, o véu mercantil das enunciações é expresso pedagogicamente através dos códigos que atravessam as escolas. Enquanto departamento capitalista especial, fabrica indivíduos-capitais lumpenizados, discentes formados para delatar, perseguir e auxiliar como espiões de professores dissidentes, que atuem em dissintonia com o processo descrito: o da mais-valia da fabricação estudantil segundo mecanismos de recompensa por esforço nos marcos da tarefa da implosão de ideias anticapitalistas impossibilitadas de nomeação (cuja função é problematizar a dinâmica das escolas como empresas peculiares convenientes ao capital, as quais engendram a fascistização estudantil e, posteriormente, catapultam tal comunidade ao mercado de trabalho, mediante consciência humana rebaixada).
Com tal sofisticação técnica, a linguagem do suborno, longe de ser neutra, apresenta-se em alinhamento com práticas de fascitização social à brasileira. A domesticação da linguagem é proporcional às práticas de espionagem e embargos de divergências. Não é por acaso que o número de professores medicados e com patologias psíquicas é alarmante.
Portanto, eis então a atualização dos aparelhos ideológicos do Estado de Althusser sob o signo da chantagem discursiva, onde o processo formativo se transfigura em administração de expectativas fabricadas e em supressão orquestrada da potência crítica. Por meio de um léxico monetarizado, todo pensamento complexo é impossibilitado. O rebaixamento do aprendizado e embargo das críticas ao atual modelo escolar acima expresso é parte de uma economia política que se realiza como projeto capitalista intraescolar. Cumpre a tarefa de formatar sujeitos lumpenizados e protofascistas, aptos para inserção na lógica capital-trabalho: uma blitzkrieg burguesa que se atualiza através da administração da gestão e do corpo estudantil.
A fala-mercantil é uma ofensa ao desenvolvimento das ideias na esfera da educação. Não custa dizer que no tocante à linguagem do amor tem sido a mesma coisa, assim como nas famílias e no amplo e diversificado mundo do trabalho. Há uma discussão milenar a respeito disso, e ela já estava pautada entre os Gregos. O que nos leva a pensar no grau de primitividade e torpeza que continua a dar o tom acerca do que significa falar sem pensar, educar sem humanizar, ensinar a desaprender, orientar com ardil para fugir de si (desaprendizado do pensamento e assimilação pelo mercado como forma de lobotomia social).
Leonardo Lima Ribeiro, professor