sexta-feira, 11 de julho de 2025

julho 11, 2025





É PRECISO ROMPER COM OS GRILHÕES NEOLIBERAIS E MONETARISTAS PARA O BRASIL AVANÇAR


Numa primeira aproximação, pode-se dizer que a ideologia neoliberal é uma espécie de tentativa de superação da crise do “velho capitalismo” por uma nova e dinâmica corrente do pensamento econômico, gestada a partir da renovação da Escola Austríaca. Friedrich von Hayek (1889-1992), intelectual da Escola Austríaca e ganhador do Prêmio Nobel de 1974 em Ciências Econômicas, teve sua obra, O caminho da servidão (1944), transformada numa escritura sagrada para o neoliberalismo, ao lado do monetarismo moderno da Escola de Chicago e dos mitos que envolvem as teses da globalização e estabilidade.


No frigir dos ovos, a aplicação generalizada do receituário neoliberal desde a década de 1990, configurou, na dimensão teórica, os fundamentos do empobrecimento do debate econômico atual. Essa verdade única aplicada por governos neoliberais aprofundou a concentração de renda, o aumento da criminalidade, a precarização de empregos, a desintegração familiar, a queda de qualidade na saúde e educação públicas, a falta de horizontes e de empregabilidade para jovens, a concentração e centralização crescente do capital, a marginalização de faixas inteiras da população economicamente ativa em diversos graus, além do estímulo a guerras e alternativas políticas antidemocráticas (ditadura, fascismo, golpes de Estado). Em resumo, há uma grave crise social, cada vez mais aprofundada pelo credo neoliberal e suas políticas, e a resposta neoliberal para esta é o ajuste fiscal, privatizações, ataques às condições de vida dos trabalhadores e mais guerras. Não é à toa que Samir Amin (1931-2018), intelectual egípcio, caracterizou o imperialismo dos Estados Unidos de império do caos. É o que estamos presenciando na Líbia, Síria, na guerra da Otan e dos Estados Unidos contra a Rússia na Ucrânia, nos golpes na América Latina.


Desde 1999, após a crise cambial, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) substituiu a âncora cambial pelo regime de metas de inflação. As políticas neoliberais consubstanciadas no Consenso de Washington colocavam como centro das políticas macroeconômicas a estabilidade monetária substituindo o objetivo da busca do pleno emprego, nos países centrais, e a superação do subdesenvolvimento, nos países periféricos, por meio da intervenção e planejamento estatal. A inflação se torna o grande inimigo e o combate a esta foi o abre-alas para  privatizações, retirada de direitos sociais, abertura da conta de capitais, desindustrialização e financeirização da economia.  


Nessa perspectiva, o controle da taxa de inflação torna-se uma função da política monetária através de ajustes na taxa básica de juros. Logo, as autoridades monetárias guiam-se por metas de inflação para tentar manter a taxa de inflação em torno destas metas. Em termos de operacionalidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) é responsável por definir o valor da taxa básica de juros (a famosa taxa Selic) com base em uma meta para a inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e avaliada segundo a trajetória do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


A teoria monetarista afirma que a elevação da taxa de juros é um instrumento de controle inflacionário que produziria efeitos desestimulantes sobre consumo de bens duráveis, investimentos produtivos e investimento residencial, reduzindo a demanda agregada com o objetivo de diminuir a inflação e reequilibrar as contas públicas por meio das políticas de austeridade para retomar a confiança dos investidores.  


 A demanda agregada é um conceito da macroeconomia que representa a quantidade total de bens e serviços que todos os agentes econômicos (famílias, empresas, governo e setor externo) estão dispostos a adquirir a diferentes níveis de preços em um determinado período. É um indicador fundamental para avaliar a atividade econômica de um país e é frequentemente utilizado para guiar políticas públicas neoliberais que visam o crescimento econômico e o controle da inflação, que é um dogma. Pois, para que não haja inflação todo custo social é justificável. Por isso, a estabilidade seria central para combater a inflação e gerar crescimento interno. A ideia de estabilidade monetária e austeridade fiscal está vinculada à analogia dos gastos públicos ao orçamento doméstico. O que é algo completamente estapafúrdio pois, o Estado pode se endividar em sua própria moeda, imprimir dinheiro, e cobrar impostos dos mais ricos (taxação das grandes fortunas). 


Do ponto de vista, histórico, pode-se ver que o crescimento econômico de um país depende de inúmeras variáveis, não apenas da inflação. Um dos aspectos centrais do crescimento é o investimento em formação bruta de capital fixo. A China, por exemplo, investe mais de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) na produção de bens de capital (máquinas, equipamentos etc.). Ela não caiu no conto de fadas das políticas neoliberais e nem pratica uma política de austericídio.


Segundo a teoria monetarista, a inflação é causada por excessos de demanda, então a redução da demanda agregada acompanhada de aumento de desemprego possibilitaria o controle inflacionário. Isso explica por que após a adoção de políticas neoliberais, desde o governo FHC, o crescimento do Brasil é chamado de voo de galinha. Toda vez que o Brasil começa a crescer a taxas maiores, vem a pressão para aumentar as taxas de juros brecando o crescimento em nome do combate a inflação de demanda.


Mas algum setor social, ganha com os grilhões neoliberais que ainda amarram a política econômica do governo Lula?


Resposta, claro que sim. Porque uma parcela importante da dívida pública é composta de títulos indexados à taxa Selic, portanto, o gasto com pagamentos de juros é influenciado pelas alterações dessa taxa, o que mostra a conexão entre política fiscal e política monetária. Assim, a cada elevação da taxa aumentam os problemas da dimensão fiscal pelas consequências no custo da dívida pública, que favorecem frações das classes dominantes do Brasil. 


Como o Brasil é um país capitalista periférico de passado escravista e colonial, há profundas desigualdades de propriedade, de riqueza e, consequentemente de renda. A fração de burguesia (capital financeiro), que detêm a Dívida Pública Federal sob a forma da propriedade de títulos de dívida pública é o setor hegemônico no bloco de poder ao lado da burguesia agrária (agronegócio). Então, quando a taxa de juros se eleva o capital financeiro e as famílias de alta renda, milionários e bilionários ganham cada vez mais. Simultaneamente, as famílias mais pobres e endividadas enfrentam maiores dificuldades em quitar suas dívidas, elevando as taxas de inadimplência e de empobrecimento. Assim, a taxa Selic exerce um forte poder concentrador de renda por drenar recursos dos mais pobres para os mais ricos através de pagamento de juros. Eis a função classista das políticas econômicas neoliberais e monetaristas: concentração maior de riquezas nas mãos de uma minoria cada vez menor. Além da orientação monotemática no ajuste fiscal, nas políticas de austeridade e no teto de gastos para manter o parasitismo financeiro de uma ínfima minoria.


Por isso, é necessário que o governo Lula vire à esquerda, rompa com o arcabouço fiscal que privilegia o pagamento da dívida pública em detrimento do investimento em saúde, educação, e políticas que gerem emprego e renda. Urge a definição e mobilização de uma pauta que contemple: o fim do arcabouço fiscal e da autonomia do Banco Central; estatização do sistema financeiro para que este sirva ao desenvolvimento nacional; reforma agrária; reestatização das empresas privatizadas. Este é o único caminho para vencer a extrema direita e o imperialismo. Isto significa um rompimento com a política de aliança com as frações hegemônicas das classes dominantes (frente ampla) e as políticas econômicas que favorecem os interesses dessa minoria. Isso exigiria o apelo às grandes maiorias e às suas reivindicações. O futuro deve ser depositado nas mãos plebeias e trabalhadoras de diversas etnias, gêneros e singularidades que constroem o Brasil.


Frederico Costa, professor da UECE

Emmanoel Lima Ferreira, professor da URCA


segunda-feira, 7 de julho de 2025

julho 07, 2025

Hugo Motta, Davi Alcolumbre e Lula (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)


NÃO É HORA DE UM BALANÇO SOBRE A FRENTE AMPLA?


Foi ainda durante a pandemia que a expressão frente ampla adentrou o vocabulário de uma parte expressiva da população brasileira. Outro ponto importante a ser notado é que a militância marxista, desde o princípio, se opôs a qualquer proposta direcionada a constituir algo com essa noção política como alternativa popular ao bolsonarismo.

Tampouco se pode esquecer que, ao fim e ao cabo, malgrado toda oposição da esquerda socialista, foi a tática da frente ampla que animou a formação de uma chapa que, tendo Lula da Silva como cabeça, derrotou o candidato neofascista, dando origem ao terceiro mandato do líder petista.

Traçadas essas linhas gerais, há que se problematizar,  pelo menos, incialmente, duas questões: i) o que é a frente ampla e qual o seu significado? ii) no caso da experiência concreta, iniciada em primeiro de janeiro de 2023, pode-se falar de êxito ou de fracasso? Enfim, o que pode ser dito da experiência de dois anos e meio de frente ampla?

A partir dessas perguntas inicia-se o debate que desenvolvo ao longo desta terceira carta sobre a conjuntura; essas são as questões e os fatos.


O QUE É A FRENTE AMPLA?


Arriscando-me a ser demasiadamente simples, diria que a frente ampla é um episódio piorado da frente popular, entendendo essa como a unidade política entre as principais organizações e lideranças da classe trabalhadora com sombra da burguesia. No Brasil, nunca me pareceu que a frente popular – expressão cunhada pelo stalinismo, quando girou do terceiro período “esquerdista” para defender a colaboração de classe com partidos burgueses – tenha se dado com a sombra da burguesia.

Para ser breve, diria que Lula iniciou o seu terceiro mandato muito mais comprometido e muito mais amarrado com a democracia formal da época da decadência capitalista imperialista e de seu receituário econômico, permeado de palavras trágicas para a classe trabalhadora, a exemplo de corte de gastos, do rigor fiscal e da austeridade.

Tal como se apresenta o problema, a frente ampla, diferentemente do que se observou com a frente popular no Chile, no começo da década de 1970, e mesmo de Lula 1 e 2, e esse talvez seja o detalhe significativo, implica  maiores dificuldades no sentido de que o governo possa desenvolver algumas reformas de conteúdo progressista. Disso decorre a compreensão de que a frente ampla é uma modalidade piorada de frente popular.


A FRENTE AMPLA FRACASSOU?


Aqui me parece que estou diante de uma coisa a que posso enquadrar na tal crônica de uma morte anunciada. Como a frente ampla poderia ter êxito, uma vez que faço referência a um fenômeno político no qual 100 pares de braços empurram a carroça em uma direção e 300 pares de braços empurram o coche em um sentido oposto?

Há quem recorde que a frente ampla teria sido um instrumento importante para i) eleger o Lula; ii) enfrentar o golpe bolsonarista; e iii) aprovar as medidas iniciais do governo. Responder a isso, contudo, só é possível no plano das suposições. E, nesse sentido, posso especular que Lula poderia ter efetuado acordos práticos no segundo turno sem se comprometer com o ideário embutido na frente ampla, e, por outro lado, mobilizar as massas populares para defender o governo e o programa eleito nas urnas sem, evidentemente, renunciar a acordos políticos pontuais e a unidade de ação contra os golpistas.

Posso concluir, desse modo, que era possível outro caminho, ainda que apenas me restrinja ao terreno das conjecturas.

É possível também supor que, caminhando nos passos determinados pela frente ampla, em algum momento,  Lula, para conseguir governar plenamente, pudesse desenvolver uma tática cujo centro se traduzisse em uma ruptura que, lentamente, se instalasse. O que se viu, contudo, não foi assim. Inversamente, o governo foi se enredando mais e mais nas armadilhas da frente ampla, partindo para uma política de concessões que entrava em uma trajetória de choque com o programa com o qual foi eleito. O arcabouço fiscal foi o golpe de misericórdia. E tudo isso apoiado em uma base parlamentar instável e com elementos profundamente reacionários, com reflexos catastróficos nos ministérios.

Trata-se de um exemplo instrutivo no sentido de que uma força política A + uma força política B + uma força política C não significa a constituição de uma fortaleza governamental. Na razão oposta, pode ser a sua fraqueza.

Não surpreende, portanto, que o fato dominante nesses últimos dias foi a admissão que o governo de frente ampla não governa, salvo naquilo que interessa a Faria Lima, que, por seu turno, tem o parlamento em suas mãos. De resto, Lula está encurralado, e o programa ungido pelas urnas pode ser deixado para as calendas gregas. Se isso pode ser chamado de êxito de uma tática, o que seria a sua frustração e ruína?


UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL?


A história política tem seus meandros, seus segredos e o seu próprio tempo. O fato é que muita gente, finalmente, descobriu por si mesma que o país, e não apenas o governo Lula, está temporariamente à mercê dos humores de um congresso antipopular e cinicamente sintonizado com os interesses dos bilionários. Esse congresso, mais do que nunca, segue testando a força dos trabalhadores e do governo.

A partir disso a luta de classes escalou. Só quem toma a realidade como um esquema acha que a luta de classes sempre comparece. Não! Às vezes, ela se dissimula e ninguém a enxerga. Outras vezes, sai das sombras e mostra o seu rosto à distinta plateia. Não por acaso, a Globo sentiu o golpe e reservou quase 7 minutos do Jornal Nacional para acalmar a dona luta de classes.

Saberá o governo aproveitar essa oportunidade ou seguirá refém da moderação traiçoeira da frente ampla? O fato é: ou o governo derrota o restricionismo imposto pela pauta neoliberal ou, desde já, deve ser tomado como um condomínio governamental moribundo.

A felicidade passou duas vezes na janela de Luís Inácio Lula da Silva, primeiro, quando lhe deu o terceiro mandato; segundo, há pouco, dando-lhe a oportunidade, de apoiado na mobilização popular, lançar ao mar as algemas da frente ampla, para, afinal, lutar pelo fim da escala 6x1, pela taxação dos milionários e por outras bandeiras da classe trabalhadora.


REMATE PROVISÓRIO


Esta é uma discussão que apenas começa. De qualquer maneira,  parece-me nítido que não se deve naturalizar a frente ampla e, pior, tê-la como se não restasse às organizações da classe trabalhadora outro destino a não ser a fatalidade desse encontro miserável.

Uso aqui um vocabulário sem grande carga emocional porque o que almejo é a discussão política e não me apresentar, de antemão, como o ilusório vencedor de uma contenda.

O fato é que o balanço da frente ampla é o check-up de uma estratégia política que renuncia a luta em lugar de encorajá-la. Por isso, indago: que luz esses mais recentes episódios lançam sobre os apoiadores da política da frente ampla?

Posso apenas concluir que uma ruptura se instala lentamente, até porque o contraste entre os partidos, as suas personagens e as bases sociais que constituem a frente ampla, em algum momento, haveria de se manifestar com nitidez cristalina. A questão é: saberão os defensores da tática da frente ampla realizar o necessário balanço? Irão até o fim no embate que recém começa? Conseguirão, por fim, mudar o rumo do governo?

O ponto final a notar é: quem caminha sem nitidez não pode reclamar sob a hipótese de machucar o dedão na próxima pedra. Posto isso, a naturalização da experiência da frente ampla é o começo do fim.


                                                    Fábio José de Queiroz, professor da URCA

julho 07, 2025




Com nome, mas sem identidade


Há alguns anos, ao ler um livro, deparei-me na contracapa com a descrição de um físico doutor que era indicado apenas como Professor-Adjunto de Física na Washington University, St. Louis. Naquele momento, decidi descrever-me como Professor-Adjunto de Pedagogia na Universidade Estadual do Ceará.


Apesar de um colega também ser pedagogo, fui questionado por ele sobre essa "estranha maneira de eu me identificar". Desde então, comecei a refletir por que me nomear como professor de Pedagogia causava estranheza. Esse fato me remeteu ao tempo em que cursava Pedagogia, e lembrei-me da postura dos professores — fossem eles pedagogos ou não — quanto às suas identidades. Gostaria de delinear essa reflexão com base em alguns exemplos, mas de antemão observo que eram excelentes pessoas, por quem nutria profundo respeito e admiração.


Naquela época, tínhamos a impressão de que a professora de Sociologia era socióloga e a de Psicologia, psicóloga. Embora fossem pedagogas de formação, pareciam aceitar essas novas identidades. Formado em Pedagogia, o professor das disciplinas de Metodologia e Pesquisa, estudioso de György Lukács e Karel Kosik, era tido como filósofo marxista. Outro pedagogo que havia concluído mestrado em Educação não se via como pedagogo, mas sim como teórico marxista. Já a pedagoga que ensinava Estrutura e Planejamento detestava a ideia de associar Pedagogia a crianças. E a professora de Didática, por exemplo, ensinava mais sobre "tecnicismo" e "neotecnicismo" e menos sobre as nuances da relação entre ensino e aprendizagem. 


Quanto aos não pedagogos: o professor graduado em Letras, que lecionava Língua Portuguesa e Introdução à Educação, por seguir Marx e Bakhtin, era tido como marxista. O professor graduado em Ciências Econômicas, que ensinava os componentes de Economia, abominava os marxistas e demonstrava desprezo pela Pedagogia. A professora graduada em Filosofia ensinava Introdução à Filosofia e Filosofia da Educação como se estivesse em um curso de Filosofia. O professor graduado em Matemática lecionava Estatística e Medidas Educacionais como se estivesse ensinando em um curso de Matemática Pura. Por fim, o professor graduado em História lecionava pregando contra o marxismo e não fazia nenhuma conexão entre o que ensinava e os propósitos do curso.


Esses fatos servem para demonstrar que as professoras e os professores do curso de Pedagogia baseavam suas identificações docentes estritamente nas disciplinas lecionadas e em suas próprias autoimagens identitárias, falhando em integrar os conteúdos e os objetivos em uma unidade coesa que chamamos Pedagogia. Cada docente, em sua área, estava isolado, como uma ilha em um lago com densidade e margens difusas. Em suma, todos atuavam em um curso de graduação que possuía um nome, mas carecia de uma identificação unificada.


Ainda que esta seja uma análise do passado, ela pode nos revelar muito sobre as implicações que a falta de uma identidade unitária de um campo do conhecimento pode ter, impactando negativamente os estudantes em sua formação e os egressos em sua atuação profissional.


Carlos Bonfim, professor da UECE.



sábado, 5 de julho de 2025

julho 05, 2025



Os memes e a luta política


Tudo a favor de bons memes, usando a ponta da tecnologia digital.


Mas dizer que foram os memes que melhoraram um pouco a posição da esquerda no tabuleiro é esconder o que realmente é fundamental e que deve ser aprofundado. 


A saber, a reação, o enfrentamento, limitado mas real, à direita e ao golpismo, por meio de propostas e medidas claras.


A óbvia (mas até aqui ignorada) explicação bastante pragmática de que a fortuna dos ricos se fundamenta na miséria dos  pobres que os memes fazem é um instrumento muito bom, mas só funciona porque expressa esta mudança política. 


Para os memes seguirem dando certo é necessário ir em frente em medidas assim. Por exemplo, o governo se pondo na primeira linha da taxação dos Super Ricos e do fim da escala 6x1.


Neste sentido, é preciso passar da Internet para as ruas pois os meios só engajam se refletirem a vida real.


Na batalha a frio no Congresso, não temos chance. Se pudermos transferir a guerra pras escolas, pras empresas, pras universidades, pra periferia, pras ruas, teremos uma boa chance...inclusive em 2026.


Virar à esquerda é uma questão de vida ou de morte neste momento.


 Eudes Baima, professor da UECE

quinta-feira, 3 de julho de 2025

julho 03, 2025




A linguagem do suborno: onde as palavras da mercadoria atacam o pensamento anticapitalista


“Todo documento de cultura é também um documento de barbárie.”

 — Walter Benjamin, Teses sobre o conceito de história


“A linguagem serve hoje não para revelar, mas para encobrir a realidade.”

— Herbert Marcuse, O Homem Unidimensional


“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a linguagem do poder.”

— Pasolini, “Ensaios”


“A linguagem política é projetada para fazer as mentiras parecerem verdades e o assassinato respeitável.”

— George Orwell, “Política e a Língua Inglesa”


“A escola, ao mesmo tempo que ensina, inculca. A inculcação ideológica é a sua verdadeira função.”

— Althusser, “Aparelhos Ideológicos de Estado”


O tempo das ideias não é o tempo das palavras que circulam como mercadorias do capital. As palavras foram seccionadas em prateleiras, gôndolas de prova social, engendrando efeito manada de tribos segmentadas.


Deixemos esclarecido o que está em jogo. As ideias são forjadas numa temporalidade não verborrágica. Seu paradigma não é a velocidade do mercado, com aparentes desacelerações comunicativas. A tradução de ideias em palavras exige um trabalho plástico, artístico, mediado pelo pensamento como potência descodificada, que recusa sua apreensão no cardápio dos símbolos mercantis. 


Mas, no interior da esfera da circulação das mercadorias, o que ocorre é o oposto. Trata-se de embargar o pensamento, impedir que sua existência temporal seja parte da livre circulação das palavras, a não ser na forma específica de sua falsificação. Há todo um cordão de isolamento discursivo, o qual propõe o ocultamento, o apagamento da singularidade do pensamento como potência antimercantil, não mediada pela lógica da monetização discursiva.


Trata-se de algo que tem causado impactos perversos no interior de questões clássicas como a do "conhece-te a ti mesmo". Lá onde se tratava de autoconhecimento, emerge no lugar a dinâmica da sonegação de si. Uma bipartição, uma fuga de si (o que permanece aniquila o melhor lado daquilo que se foi). O eu cindido transborda então como forma de indexação das subjetividades ao ridículo espetáculo do pertencimento mercantil. Emerge assim a linguagem do suborno subjetivo. 


Especificando a abordagem, educar se transforma em meio de barganha escolar. Assim, ressalta-se que, infelizmente, a educação escolar opera apenas neste segundo nível. Por isso, é hoje em dia oclocrática (voluntarista-demagógica), intrinsecamente não democrática.


Eis o caso: discentes-clientes, consumidores tacitamente sequestrados de si mesmos ao endossarem a dinâmica de que seus interesses "inatos" estão acima de tudo e todos, mesmo lá onde suas demandas já estão a priori forjadas pelo artifício utilitário da compra e venda de suas demandas. 


Mesmo que através delas seja enunciado aquilo que se chama "inclusão", trata-se de pertencimento mercantil, ou seja, de plasmar "eus" artificiais amputados subjetivamente, sob a tutela das autarquias que operam como sucursais do capital.


Portanto, a educação em jogo não é marcada pelo tempo de desenvolvimento das ideias, mas pela lógica abstrata das mercadorias linguísticas como extensão do orçamento escolar (discentes-orçamento como parte do cálculo do suborno), tanto quanto reconhecimento dos sujeitos como reflexos estritos das gôndolas simbólicas.


Aqui não custa uma breve remissão. Trata-se de trazer à tona a lembrança das análises críticas de Althusser a respeito dos aparelhos ideológicos de Estado. Não custa lembrar que a escola já era por ele evidenciada como um desses aparelhos. De todo modo, intui-se um avanço analítico. 


As enunciações que Althusser apenas esboça em termos filosóficos (epistemológicos) podem ser melhor especificadas a partir de mecanismos atuais de gestão educacional, concretizados nos processos orçamentários que vocalizam e cadenciam a forma pela qual a “linguagem-capital” é atualizada nas escolas enquanto aparelho ideológico complexo (aparelho que estrutura e enrijece palavras de ordem no estabelecimento do clima e da cultura escolar). 


Sendo este o caso, a escola capitalista já não se limita a interpelar os sujeitos e forjar estruturalmente a subjetividade mediante uma linguagem genérica; ela os interpela sob o cálculo de sua quantificação orçamentária, vinculando a existência discente e suas formas de expressão à matemática financeira do repasse de recursos públicos. O ser estudantil é configurado no entorno de uma forma bastante precisa, pela qual a circulação da mercadoria-dinheiro anexa em seu entorno as individualidades escolares, sobrecodificando-as financeiramente e, consequentemente, determinando o modo pelo qual as palavras e demandas devem ser proferidas. 


Trata-se de algo que se segue à exata medida em que se cria um hiato entre a forma pela qual os enunciados são expressos e o modo como as ideias, o pensamento, deve ser cerceado, posto à distância de sua visualidade simbólica, intrainstitucional. É dessa engrenagem que nasce o léxico do cerceamento e das barganhas simbólicas, produzindo performances e fabricando um jogo de cena cotidiano. No limite, os docentes são constrangidos, ou melhor, esmagados pelas pressões orçamentárias do estado e desejos estudantis modulados pela linguagem do capital. 


Levando em consideração tal sequestro do jogo de enunciações e determinação de palavras de ordem, a linguagem esvaziada de pensamento se diferencia como expressão das trocas das mercadorias e, no limite, é depurada. Consequentemente, se lumpemproletariza nos marcos de fortes tendências protofascistas. A linguagem do suborno é essencialmente lumpemproletária e fascista. 


Sob esse registro, o véu mercantil das enunciações é expresso pedagogicamente através dos códigos que atravessam as escolas. Enquanto departamento capitalista especial, fabrica indivíduos-capitais lumpenizados, discentes formados para delatar, perseguir e auxiliar como espiões de professores dissidentes, que atuem em dissintonia com o processo descrito: o da mais-valia da fabricação estudantil segundo mecanismos de recompensa por esforço nos marcos da tarefa da implosão de ideias anticapitalistas impossibilitadas de nomeação (cuja função é problematizar a dinâmica das escolas como empresas peculiares convenientes ao capital, as quais engendram a fascistização estudantil e, posteriormente, catapultam tal comunidade ao mercado de trabalho, mediante consciência humana rebaixada). 


Com tal sofisticação técnica, a linguagem do suborno, longe de ser neutra, apresenta-se em alinhamento com práticas de fascitização social à brasileira. A domesticação da linguagem é proporcional às práticas de espionagem e embargos de divergências. Não é por acaso que o número de professores medicados e com patologias psíquicas é alarmante. 


Portanto, eis então a atualização dos aparelhos ideológicos do Estado de Althusser sob o signo da chantagem discursiva, onde o processo formativo se transfigura em administração de expectativas fabricadas e em supressão orquestrada da potência crítica. Por meio de um léxico monetarizado, todo pensamento complexo é impossibilitado. O rebaixamento do aprendizado e embargo das críticas ao atual modelo escolar acima expresso é parte de uma economia política que se realiza como projeto capitalista intraescolar. Cumpre a tarefa de formatar sujeitos lumpenizados e protofascistas, aptos para inserção na lógica capital-trabalho: uma blitzkrieg burguesa que se atualiza através da administração da gestão e do corpo estudantil.


A fala-mercantil é uma ofensa ao desenvolvimento das ideias na esfera da educação. Não custa dizer que no tocante à linguagem do amor tem sido a mesma coisa, assim como nas famílias e no amplo e diversificado mundo do trabalho. Há uma discussão milenar a respeito disso, e ela já estava pautada entre os Gregos. O que nos leva a pensar no grau de primitividade e torpeza que continua a dar o tom acerca do que significa falar sem pensar, educar sem humanizar, ensinar a desaprender, orientar com ardil para fugir de si (desaprendizado do pensamento e assimilação pelo mercado como forma de lobotomia social).


Leonardo Lima Ribeiro, professor

segunda-feira, 30 de junho de 2025

junho 30, 2025


Sobre a ideologia de trabalhar por conta própria


A imprensa burguesa em Pesquisa Datafolha, de 20 de junho de 2025 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/06/trabalhar-por-conta-propria-e-melhor-que-ter-emprego-para-59-dos-brasileiros-mostra-datafolha.shtml) afirmou que 59% dos brasileiros gostariam de trabalhar por conta própria. É óbvio que qualquer trabalhador ou trabalhadora quer melhorar de vida, ter acesso a mais bens e serviços, enfim, ser feliz. 


Esse desejo de melhoria de vida por parte de milhões de brasileiros e brasileiras é capturado e apropriado pelos mecanismo ideológicos burgueses, que apresentam uma falsa solução. Nesse sentido, as vítimas do modo de produção capitalista se veem com os olhos de seus exploradores e opressores.


No mínimo, o resultado da citada pesquisa indica o poder de influência da ideologia burguesa na consciência dos explorados e oprimidos. A ideologia dominante é a ideologia das classes dominantes e reflete de forma invertida as relações sociais imperantes, no caso, as relações capitalistas de produção. Dessa maneira, um maior nível de exploração e opressão é compreendido por trabalhadores e trabalhadoras como algo positivo. Tal percepção invertida da realidade é comemorada e divulgada pelos órgãos de hegemonia privada das classes dominantes como meios de comunicação, associações empresariais, setores relogiosos da fé capitalista e todo tipo de ideólogos liberais.


Na verdade, o emprego, expressão do trabalho assalariado, devido ao aumento da taxa de exploração, passa por profunda precarização, salários baixos e crescente informalização. 


Apesar disso, a classe trabalhadora brasileira ainda possui importantes conquistas: 13 salários por ano,  cobertura previdenciária, férias de 30 dias, Fundo de Garantia, multa de 40% para o empregado demitido, salário desemprego, direito legal à Participação nos Lucros/PLR, garantia de emprego à trabalhadora-mãe por 120/180 dias, licença-paternidade, estabilidade no emprego para acidentados no trabalho, adicional noturno, adicional de hora extra e adicional de insalubridade. Na maioria das empresas, o trabalhador e a trabalhadora têm direito a refeitório, restaurante, tiquete-refeição, uniforme profissional, vale-alimentação, vale-transporte e Cipa contra acidentes. O trabalhador ou trabalhadora possui o direito de até dois anos para reclamar na Justiça eventuais diferenças de salário ou descumprimento da Convenção Coletiva de seu sindicato, seja ou não sindicalizado. Ainda é possível, pelo nível de organização sindical, usufruir de clubes, colônias de férias, dentista, escolas, convênios com descontos de seus sindicatos. 


Tudo isso foi produto da luta de classes em torno da duração da jornada de trabalho, de melhores condições no processo de trabalho e de direitos sociais para milhões de trabalhadores do campo e da cidade. Foram as organizações de classe (sindicatos, partidos de esquerda) e os movimentos populares que arrancaram esses direitos com muita luta e resistência. Pelo menos, desde o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 que criou a Consolidação da Leis do Trabalho-CLT, durante o governo de Getúlio Vargas, no período conhecido como Estado Novo (semi-fascista) em diante. Além, do direito à educação e à saúde públicas, entre diversas conquistas sempre contra a vontade das denominadas classes empresariais.


E o pequeno "empreendedor", o "trabalhador autônomo", o "uberizado" e o "pejotizado", por exemplo, como ficam? Não têm direito a nada disso.


Isso significa que os trabalhadores e trabalhadoras que não têm emprego por CLT (carteira assinada), provavelmente, não irão se aponsentar, não estarão sob a proteção da Justiça do Trabalho e, sofrendo acidente ou doença, não serão amparados pela seguridade social.


Então, quem ganha com a redução do emprego com carteira assinada? Advinha? 


Isso mesmo, os empresários que vivem do trabalho não pago (mais-valor) de trabalhadores e trabalhadoras, lucrando mais com o aumento da jornada de trabalho, precarização e informalização. 


No entanto, há coisas que não podem ser ditas diretamente. Logo, é precisso dissumular os interesses das classes dominantes e as relações capitalistas de produção. Daí a ideologia da teologia da prosperidade, da meritocracia, do empreendedorismo e do neoliberalismo com sua função de vender mais exploração como sendo uma melhoria nas condições de vida de milhões. Triste engano para quem compra essas ideias.


De fato, a melhor opção para a maioria da população, nos marco do capitalismo periférico brasileiro, ainda é o emprego privado por CLT ou o emprego público por meio de concurso. As demais alternativas não passam de "conto do vigário", isto é, uma fraude elaborada para favorecer os que sempre lucraram com o sofrimento da maioria do povo brasileiro.

Frederico Costa,  professor  da UECE

sexta-feira, 20 de junho de 2025

junho 20, 2025


Cegueira estratégica do Irã: a guerra e a força moral


Um dos fatores essenciais em uma guerra é a capacidade de compreensão que possuem os comandantes dos lados beligerantes. Acompanhamos o desenrolar da guerra entre Irã e Israel. A eficácia militar em um conflito armado depende, em grande parte, da capacidade dos comandantes em compreender a dimensão estratégica da guerra. No atual confronto entre Irã e Israel, a liderança iraniana tem enquadrado suas ações dentro de um princípio de autodefesa, dividido em duas fases: 1) fase da tentativa de dissuadir Israel e assim impedir novos ataques; 2) fase punitiva pelas perdas de vidas e a destruição no Irã. O princípio geral é o da autodefesa diante da agressão covarde de Israel em meio a negociações diplomáticas sobre o programa nuclear iraniano, concentrando sua compreensão do conflito unicamente em si mesmo. Com as negociações ainda em andamento, houve o ataque por parte de Israel. O princípio da autodefesa foi aplicado como se o ataque israelense fosse um evento desconexo e inusitado. Não há compreensão da escala mais ampla das operações militares de Israel.

A cúpula iraniana parece não entender que Israel executa fases de uma larga operação estratégica, que envolve o genocídio do povo palestino em Gaza, os ataques ininterruptos à população palestina na Cisjordânia, a destruição de grande parte do Líbano, a tentativa de destruição do Iêmen, a destruição da Síria, os ataques aos grupos de resistência à ocupação americana no Iraque. O regime iraniano, em vez de liderar uma resistência unificada, age como um jogador isolado, priorizando sua sobrevivência diplomática em vez da vitória coletiva dos povos da região. Esses movimentos fazem parte de uma única guerra com teatros de operações distintos. A liderança iraniana ajuda os que confrontam as tropas israelenses em seus diversos cenários. Porém, parece não entender o horizonte completo do conflito.

As derrotas táticas foram se acumulando. Em Gaza um genocídio ininterrupto. O massacre sofrido pela direção do Hezbollah no Líbano. A derrubada do governo Assad na Síria e a instalação de um governo oriundo das fileiras do Daesh (auto intitulado Estado Islâmico). Essas ações não são eventos desconexos, mas sim partes de uma estratégia expansiva israelense-americana para reconfigurar o equilíbrio de poder no Oriente Médio.  A liderança iraniana repete, como um mantra, que está apenas "respondendo" a uma agressão israelense. Mas essa narrativa é ingênua. 

Israel não está travando uma guerra apenas contra o Irã – está exterminando palestinos, esfacelando o Líbano, e estrangulando a Síria com ocupações e bloqueios. Enquanto isso, o Irã fracassou em impedir o massacre em Gaza, assistiu à direção do Hezbollah ser dizimada no Líbano, permitiu que a Síria fosse invadida por mercenários do Estado Islâmico (financiados pelos mesmos que armam Israel). As duas únicas vitórias táticas dos aliados dos iranianos foram a sobrevivência do Hamas em Gaza, com toda a brutalidade das tropas israelenses em tudo semelhante às táticas nazistas, e a vitória dos Houthis do Iêmen, ao impedir a passagem de navios no Mar Vermelho, com a expulsão da frota americana. Ainda assim, os comandantes iranianos expressam uma visão de que se trata de um conflito de Israel unicamente com o Irã. Suas vitórias foram conquistadas apesar da falta de uma estratégia iraniana clara, não por causa dela.

Vejamos o grande laboratório das guerras: a experiência histórica. Historicamente há uma semelhança entre a luta entre a Guerra de Secessão americana no século XIX e o atual conflito Irã – Israel . As tropas do Norte dos Estados Unidos só conseguiram derrotar as tropas confederadas sulistas quando adotaram um princípio ético superior: a luta contra a escravidão. Uma força moral indispensável para reverter as derrotas das tropas nortistas que se acumulavam. Da mesma forma que as tropas do Norte dos Estados Unidos na Guerra de Secessão só tiveram a força moral pra vencer quando assumiram a luta pelo fim da escravidão, as forças armadas iranianas precisam assumir o mesmo princípio dos iemenitas houthis: o genocídio contra os palestinos deve parar.

Precisamos assumir a natureza mais ampla do conflito. Não se trata de simples autodefesa pontual nem de defender o seu direito a ter um programa nuclear. Essas são reivindicações particularistas que beiram o isolacionismo, além de uma tentativa de ser finalmente aceito pelo Ocidente. Esse é o caminho da derrota. O Irã não está ganhando decisivamente a guerra contra Israel não por falta de armas ou coragem, mas por uma incapacidade de enxergar o conflito em sua dimensão coletivo-estratégica. Enquanto Teerã insiste em reduzir o embate a simples "autodefesa" após o ataque israelense às suas instalações nucleares, Israel age em múltiplas frentes, executando um projeto genocida coordenado: Gaza esmagada, o Líbano sangrando, a Síria em ruínas, o Iêmen sob bombardeios. O regime iraniano, em vez de liderar uma resistência unificada, age como um jogador isolado, priorizando sua sobrevivência diplomática em vez da vitória dos povos da região.

A vitória iraniana impedirá imensa mortandade das populações civis. Impedirá também a continuidade de um projeto de caos permanente que os Estados Unidos e Israel buscam expandir na região. A paz regional só será alcançada com a derrota das forças israelenses, o que permitiria até a continuidade do Estado de Israel em condições não mais agressivas e genocidas. Se o regime dos aiatolás quisesse vencer, adotaria três medidas decisivas: 1) assumiria a defesa do povo palestino como eixo central de sua retórica – não como "apoio", mas como guerra pela libertação coletiva; 2) exigiria publicamente e de forma inequívoca a retirada israelense de todos os territórios ocupados, incluindo Gaza, Cisjordânia, Sul do Líbano e Colinas de Golã; e 3) romperia de vez com a ilusão de aceitação pelo Ocidente.

Não é suficiente uma retaliação pontual. É preciso construir uma aliança militar e política inexorável, que force Israel a recuar. A vitória não virá com mísseis lançados de forma reativa. Israel deve sair de Gaza e da Cisjordânia. Deve aceitar a constituição de um Estado palestino. Deve sair do sul do Líbano e do sul da Síria. Deve ter desmantelada sua máquina de assassinatos e de terrorismo implementada por seu serviço de inteligência. A vitória iraniana permitiria a efetivação dessa nova realidade. Há uma bandeira moral irrefutável a defender: "Israel é um Estado genocida, e sua máquina de guerra deve ser desmontada". É necessário exercer uma pressão global, explorando a crescente rejeição às políticas israelenses até mesmo no Ocidente. As narrativas de Israel já se esfacelam em face de seus reiterados genocídios.

Não se trata de uma luta em oposição aos judeus, afinal a comunidade judaica iraniana é enorme e a convivência islâmico-judaica foi a regra ao longo de mais de mil e quatrocentos anos. É necessário assumir a força moral de uma luta coletiva contra a destruição das populações do Oeste da Ásia (ou Oriente Médio na visão imperial britânica). É preciso parar o massacre em Gaza e estabelecer as bases iniciais para uma paz duradoura. O Irã carrega o custo da hesitação: enquanto receia em coordenar um movimento de libertação coletiva contra o estado sionista de Israel, este avança com seu projeto de limpeza étnica regional.  Se Teerã não acordar e assumir a liderança política e moral dessa guerra, a região assistirá, em poucas décadas, ao extermínio completo da resistência palestina, à fragmentação do Líbano e à servidão da Síria. A escolha é clara: mudar de estratégia ou ser cúmplice do inimigo.


Fábio Sobral, professor da UFC

domingo, 8 de junho de 2025

junho 08, 2025



 A hegemonia da "crítica" Zé Ruela 


Nestes tempos onde meios de comunicação e informação instantâneos constituíram um dos maiores fenômenos de desinformação, ignorância e obscurantismo da história, um autêntico retrocesso intelectual (sim, não guardo entusiasmo nenhum pelo mundo digital), tornou-se muito comum o revisionismo do papel e da importância de certos autores e obras literárias.


Já vi muitas vezes gente dizendo que Machado não é essas coisas todas, que Cem Anos de Solidão é um livro confuso e ilegível, que o povo diz que gosta de Grande Sertão: veredas para passar por inteligente, mas que a obra é na verdade um saco, sem falar na crítica woke, incapaz de penetrar na obra ela mesma e que ressuscita a "crítica moral"...uma iconoclastia generalizada.


As pessoas podem ou não gostar de um livro. Inclusive obviamente de um livro tido como clássico. Eu pessoalmente, quando não gosto ou não consigo ler um gigante da literatura universal (travei na Ilíada/Odisséia, quase ficou pelo caminho em Dom Quixote, nunca ultrapassei as primeiras estrofes d'A Divina Comédia e dos Lusíadas, para ficar em poucos casos), evito emitir qualquer opinião sobre ele, respeito litúrgicamente sua condição de clássico, sua contínua presença na cultura através dos séculos, que por si só desautoriza uma diatribe mal educada de minha parte.


Mas é perfeitamente normal não gostar de obras que a coletividade mundial considera vigentes, válidas depois de tanto tempo de sua primeira publicação. Ninguém é obrigado a gostar de nada.


O que me incomoda é a critica do zé ruela que em duas ou três linhas, normalmente, desinformadas, esculacha de Homero e Dante a Machado, Guimarães e Gabo. Chato é o juízo ligeiro e debochado com que se descartam obras que, ignorando a ignorância do zé ruela, perduram. 


Insuportável é a arrogância e o orgulho com que a incultura detona os clássicos como se falasse da sobremesa de que não gostou. Pior ainda é aquele clima de "agora vou dizer toda a verdade que ninguém teve coragem de dizer sobre Vidas Secas", tão típico destes tempos infernais de podcasts.


Meu filho, vai esculhambar Camões, pois então se arme, leia, se aprofunde na obra, em suma, estude.  Não seja este personagem protagonista do mundo virtual, o zé ruela.


Eudes Baima, professor da UECE

domingo, 18 de maio de 2025

maio 18, 2025



CARTA N.º 2 SOBRE CONJUNTURA: A CARESTIA

 

 

Nesta segunda carta, abordo o tema da carestia, aproveitando que o assunto diminuiu a sua circulação na mídia em geral, o que permite uma reflexão mais cuidadosa. Exposta a tese fundamental da carta, destaco que ela se divide em três pequenas partes: o legado do golpe (de Temer a Bolsonaro), os limites da resposta do governo Lula ao problema e, por fim, a apresentação de possíveis soluções.

 

O legado do golpe

 

Na esteira do golpe de 2016, que derrubou o governo de Dilma Rousseff, a internacionalização dos preços no Brasil deu um salto de vara que, entre outras coisas, liberou os preços dos combustíveis como gasolina e diesel (além do gás de cozinha), problema que ainda hoje afeta a população brasileira, embora o governo Lula tenha se desvencilhado do Preço de Paridade de Importação (PPI). 

Constata-se que essa questão não será resolvida sem recuperar a Petrobrás como estatal estratégica (conduta que deve orientar as ações das estatais de um modo geral), pondo um fim, inclusive, ao processo de privatização-financeirização da empresa, posta a serviço da sanha incontrolável dos especuladores por mais dividendos.

Como se sabe, o impacto do preço alto dos combustíveis e do GLP na economia geral do país é descomunal, provocando a elevação do custo de uma infinidade de produtos, tornando um inferno a vida do brasileiro comum.

Compare-se agora esse fenômeno articulado ao aumento do preço de alimentos que constituem parte inseparável do cotidiano das pessoas, e, decerto, esse inferno excede, em muito, as fantasias de Dante Alighieri, lembrando aqui o velho Marx. 

Nesse caso, a discussão exige um recuo no tempo. No caso dos produtos agrícolas, como no caso dos derivados do petróleo, os preços “se ajustam”, cada vez mais, às condições do mercado global. Nesse caso, também, os capitalistas não levam em conta nem as necessidades, sequer as particularidades, do mercado brasileiro.

A verdade é que, a pretexto de reestruturar a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Jair Bolsonaro encerrou as atividades de 27 unidades do conjunto de armazéns que formam a estrutura material da companhia, o que trouxe prejuízos para agricultura familiar e, sobretudo, para os estratos mais socialmente desprovidos da população nacional. Em situação exatamente inversa, o governo do inelegível disponibilizou linhas de financiamento para o agronegócio cerealista construir ou expandir armazéns privados.

Antes de seguir, porém, cabe uma observação. A CONAB existe desde o começo da década de 1990 e, sem dúvidas, é a mais importante ferramenta política do Estado com relação à agricultura familiar. Logo, não surpreende como a extrema-direita, em seu ultraliberalismo, adote, no que se refere a essa companhia, uma atitude drasticamente destrutiva. Em suma, os 22 armazéns fechados e os outros 64 desprovidos de manutenção dão uma ideia exata do caráter antipopular e antioperário que marcou o governo liderado pelo golpista Bolsonaro.

Assim, em lugar da falsa história decantada pelos bolsonaristas, o que se viu foi o governo da extrema-direita zerar os estoques públicos de arroz, exatamente no ano da eleição presidencial, 2022. Aqui, não custa lembrar, no governo Dilma, as reservas de arroz eram da ordem de 1 milhão de toneladas. Por seu turno, o inelegível reduziu em 500 mil toneladas a capacidade de estocagem da CONAB (que, aliás, tem atualmente uma restrita capacidade de armazenar apenas 1,6 milhão de toneladas) e, como já citado, zerou o estoque de arroz. Eis o resumo da ópera.

 

Como o governo Lula responde ao tema da carestia?

 

Toda essa discussão remete o leitor a um assunto estratégico para qualquer país: segurança (ou soberania) alimentar. Nesse sentido, é necessário frisar que, em meados de 2023, o governo Lula retornou a política de estoque público de alimentos. Como refutação objetiva das relações econômicas próprias à ultradireita, o governo de Lula da Silva adquiriu 500 mil toneladas de milho com objetivo anunciado de assegurar preço mínimo para o produto e salvaguardar a renda do agricultor. Aqui é preciso sublinhar o impacto do preço do milho, que pode incidir sobre itens que compõem “a mistura” da maioria da população: frango, ovo e carne suína.

Parece não haver necessidade de comentar esse assunto para além do que já foi exposto. Em contrapartida, há de se indagar: Como abordar questões como o armazenamento de feijão ou a estocagem de arroz? No caso do arroz, o governo alega a contradição entre a necessidade de estocar e o alto preço do produto na atual conjuntura.

Nessa ótica, quando pretende o governo começar a armazenar arroz nas unidades da CONAB? A necessidade de formar estoques é nítida, até porque a carestia se tornou o centro de gravidade da economia popular. Os trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos gastam mais da metade do ordenado com alimentos. A fome ameaça bater na porta de uns e já bate na porta de outros. No curto prazo, autorizar a importação de arroz soa apenas como uma admissão da ausência de prudência prévia. Ademais, a importação de produtos, seja ele ou arroz ou não, é sempre algo emergencial, e nem deveria existir.

Nesse quadro, no momento em que escrevo esta segunda carta, não há estoque de arroz, de feijão, de trigo, de café etc. Ou seja: não há reservas para garantir abastecimento e regular os preços de produtos que constituem a zona de costumes do sistema alimentar histórico do(a) brasileiro(a).

Na questão que interessa aos que ganham menos, o fato é que os supermercados seguem majorando os preços amplamente. Desse modo, e ao lado de tudo que anotei há pouco, a inflação dos alimentos se articula à falta de espaço para estocar alimentos, constituindo  uma ameaça à soberania alimentar do povo brasileiro, que não consegue acompanhar a variação ensandecida dos preços. 

A julgar pelos dados da economia e pelo desespero do trabalhador e da trabalhadora dentro do supermercado e no meio da feira, o trabalho só perde, ao passo que o capital não se cansa de se valorizar. Nem a iniciativa de aliviar o ônus fiscal da cesta básica tem sido suficiente para resolver o problema. Longe disso.

 

Que fazer?

 

Nos limites de uma carta premeditadamente sucinta, não há como entrar em detalhes, restando trabalhar com aquilo que julgo substancial para elucidação do debate.

Os dados expostos são particularmente importantes não apenas para ressaltar a natureza repugnante do golpe de 2016, bem como dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que, inapelavelmente, abriram caminho para essa situação na qual o Brasil se encontra, carente de soberania alimentar.

Mas esses dados são também importantes para destacar que um governo de reformas mínimas, quase ínfimas, mostra-se aquém das necessidades da ampla massa que o elegeu e nele confiou para buscar as possíveis soluções para as questões mais cruciais que atingem a maior parte da população.

A situação exige do governo Lula uma mudança de rumo, o que implica enfrentar os radicais do mercado com política social, com política de Estado, com ampla formação de estoques públicos, reforma agrária, crédito barato para agricultura familiar, deixando para trás a triste ideia de que os homens do agronegócio são heróis nacionais. 

Nesse domínio, as reformas dos armazéns não podem ser feitas a passos hesitantes. Elas precisam ser tratadas como prioridade. Do mesmo modo, a estocagem de produtos básicos e a garantia de preços acessíveis aos produtos da cesta básica. Para que esse processo avance, com condições de armazenagem, preços nacionalizados (o que reclama a reestatização do Banco Central e a defesa do país frente a avalanche especulativa) e, no final de tudo, a soberania alimentar, é preciso renunciar ao arcabouço fiscal, pois só assim as políticas sociais deixarão de aparecer aos olhos das massas como mera pintura de paredes arruinadas, enquanto os super-ricos dançam rock and roll na Flórida.


Fábio José de Queiroz, professor da URCA

 

sexta-feira, 28 de março de 2025

março 28, 2025

 

Foto: resistenciapsol50.com.br


CARTA N. 1 SOBRE A CONJUNTURA

 

É difícil imaginar-se começar um texto de conjuntura com uma digressão, mas é assim que principio esta carta.

A esquerda tem em si muitos desafios. Um deles é de como unir análise e prática política. Há quem estabeleça no campo da esquerda – que é vasto – uma relação exclusiva da análise concreta com os desdobramentos teórico-estratégicos, quando, com efeito, a conexão mais imediata é a que se dá entre análise e desdobramentos táticos. Algumas vezes, ao se desprezar esse aspecto da questão, o analista da conjuntura tende a oferecer não mais do que fórmulas gerais.

De fato, os desdobramentos táticos não podem estar separados da teoria, dos princípios, do programa e da estratégia, mas eles não podem ser um mero efeito repetitivo, automático e, portanto, maquinal desses quatro elementos-chave.

Escrevo isso pensando, sobretudo, na situação política nacional e internacional e no agrupamento de forças da atualidade, questões que a esquerda, em suas distintas variantes, é obrigada a enfrentar, exceto se vive em um mundo de fantasias.

Nessa quadra, em escala mundial, qual a tarefa que deve mover centralmente os socialistas senão a de lutar contra a extrema-direita? Isso quer dizer que o movimento socialista/comunista deve desprezar o combate a uma esquerda de pequenas reformas, que, na América Latina e em outras partes do mundo, segue o seu curso de inconsequência com relação ao combate ao neofascismo em suas diferentes configurações?

Seguramente, não! Mas isso não significa colocar um sinal de igual nos dois tipos de embate: o que se faz contra a esquerda das pequenas reformas e o que se faz contra uma extrema-direita feroz que quer esmagar os partidos de esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais. Na prática, essa geração nunca havia se deparado com um quebra-cabeças tão complicado.

Mirando o caso do Brasil, observa-se que algumas vertentes políticas que apresentam uma crítica rotunda ao que caracterizam como a “agenda neoliberal do governo Lula”, efetivamente, não conseguem ir além do individualismo da subjetividade neoliberal, ao descolar a sua crítica das “condições e da consciência de amplas camadas da classe trabalhadora”, para tomar de empréstimo as palavras de Trotsky (2017, p. 21).

É verdade que as forças governamentais preferem os bajuladores e não os militantes críticos. E, nesse sentido, é louvável que haja militantes críticos ao governo, e não conformistas que passam pano para os seus erros e as suas contradições. Nesse terreno pantanoso, de certo, não é fácil encontrar um equilíbrio analítico e, muito menos, as táticas justas que disso decorrem.

De minha parte, tenho acordo com o Lênin (1989), particularmente quando ele assinalou que a correta teoria revolucionária só assume forma final em contato estreito com a atividade prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário. Acontece que esse contato estreito se faz inicialmente à luz de incontáveis mediações táticas e, pensando nisso e na conjuntura nacional, entendo que nivelar o lulismo e o bolsonarismo (“Fora todos”) é sugerir a validade da hipótese de que o reformismo não apresenta diferenças importantes com relação à barbárie política do neofascismo.

Nessa perspectiva, ainda que os reformistas vacilem diante do enfrentamento à extrema-direita, isso não é argumento que um marxista possa esgrimir para abdicar do chamado a táticas unitárias diante da escalada da ultradireita, até porque, como já assinalara Lênin (1989), não se deve desprezar os acordos e os compromissos com setores hesitantes que influenciam ou dirigem amplas camadas da classe trabalhadora e do movimento de massas.

A inflexão na correlação de forças no Brasil é realizável, mas a condição necessária para isso é a classe trabalhadora entrar em movimento, e, hoje por hoje, isso é improvável sem o concurso das direções – social e politicamente – reconhecidas por essa classe.

Uns dirão que isso é difícil; outros  que é impossível ou mesmo inadmissível por princípio. A meu ver, isso é renunciar ao combate, até porque é mais confortável falar sempre para o próprio auditório. Contudo, a linha de combate mais acertada nem sempre é a mais convidativa e agradável.


                                           Fábio José de Queiroz, é professor da URCA-CE


 

Referências

LÊNIN, Vladimir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Tradução de Luiz Fernando. 6. ed. São Paulo: Global Editora, 1989.

TROSKY, Leon. Programa de Transição. Tradução de Ana Luiza da Costa Moreira. São Paulo: Sundermann, 2017.