domingo, 28 de setembro de 2025

setembro 28, 2025




Aprender é lançar-se


As estrelas vivem de mecânica pura: gravidade, reação nuclear. Não precisam aprender. Mas os seres vivos, sim: uma parte é engrenagem, outra é experiência; uma parte é impulso, outra é caminho aberto pela aprendizagem. Tudo começou com as bactérias. Para se manterem vivas, não bastava apenas dividir-se em duas, repetir o gesto cego da reprodução. Era preciso lidar com o mundo e aprender com ele, aprender a evoluir.


Como seres vivos, carregamos essa sina iniciada há bilhões de anos com as bactérias e, mais tarde, aprimorada pelos primatas. Desde então, trazemos essa herança: o destino de aprender para viver e evoluir. Por isso, ninguém aprende a jogar apenas assistindo ou lendo sobre jogos. Tudo isso inspira. Mas é ao ser lançado na arena do jogo – no chute, no arremesso, no passo em falso, no erro, na queda, na lesão e na persistência – que nasce a habilidade, que se encarna o verdadeiro saber jogar.


Assim também com o nadar. O livro sobre a água, os tratados de técnica, informam, mas não abrem o espaço físico das águas – calmas ou revoltas, claras ou turvas, rasas ou profundas. É preciso o corpo lançado ao líquido, o choque frio, a medida, a busca pelo ar, o risco do afogamento; só então o aprendizado se imprime na carne e na mente. 


Ninguém aprende a docência apenas lendo sobre docência. Textos, teorias, métodos – tudo necessário. Mas o ofício só se aprende de fato ao lançar corpo e mente às salas de aula: no embate entre olhares, na tensão, no silêncio que pesa, na pergunta que desconcerta, no conteúdo difícil de ensinar e de aprender, no planejamento que falha ante as surpresas, na intencionalidade ofuscada pela espontaneidade, no erro, na raiva que distancia, no afeto que aproxima.


Foi desse confronto que a Pedagogia redescobriu o óbvio esquecido: grande parte das dificuldades de aprendizagem não se escondem nas crianças, nos meninos ou nas meninas. Apesar das adversidades, elas estão, sobretudo, no modo de ensinar do docente, no seu modo de se relacionar, de estar presente diante do outro, de reconhecê-lo como alguém que precisa aprender para viver melhor e evoluir como pessoa. E, para isso, parece necessário o docente também se ver no outro – feito como alguém em contínuo processo de aprender.


Carlos Bonfim

Professor-Adjunto de Pedagogia da UECE.

Crônicas pedagógicas iconoclastas: 16. Fortaleza, CE, 27/09/2025. 


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

setembro 25, 2025

Ato contra PEC da Blindagem e PL da Anistia, em Copacabana — Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo



CARTA N.º 5 SOBRE A CONJUNTURA: TRÊS TÓPICOS IMEDIATOS DA REALIDADE POLÍTICA

 

Fábio José de Queiroz

 

Nesta carta, discuto brevemente três tópicos da conjuntura: a continuidade das ameaças de Donald Trump ao Brasil, a campanha do Plebiscito Popular e o significado geral das manifestações populares de 21 de setembro.

 

UMA VEZ MAIS, O PROBLEMA DA SOBERANIA NACIONAL 

 

Os Estados Unidos da América (EUA) estão produzindo desestabilização interna no Brasil, inclusive com interferência em negócios que dizem respeito à sua autonomia como Estado nacional. Logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar a cúpula que articulou o golpe de 8 de janeiro de 2023, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Claire Leavitt, ameaçou novamente o Brasil, inclusive com uma ação militar (que, aliás, já está em curso na Venezuela). Nessa conjuntura, pergunto: Não se posicionar ao lado da nação oprimida, em nome de um tipo ideal de soberania, objetivamente, favorece as posições do opressor ou não? 

Creio que isso merece uma reflexão, sobretudo de intelectuais acadêmicos (de expressão nacional), que, em lugar de trabalhar com a realidade, preferem discutir o problema, não partindo das questões concretas e sim de suas idealizações. O Brasil está sob ataque imperialista. A questão é como se posicionar diante disso. A meu ver, nesse contexto, ao defender o Brasil, não se trata de uma defesa abstrata da soberania, mas de um exercício objetivo e concreto de sua salvaguarda. O fato dessa soberania sofrer de visíveis e inequívocas imperfeições e insuficiências não pode ser motivo para renunciar à sua defesa frente às chantagens e ao ataque geral da maior potência imperialista dos últimos 70 anos. Isso é leninismo de gabinete.

Reafirmo o que escrevi na carta anterior: é necessário defender o Brasil sem vacilações, meu caro. Do contrário, é o seu anti-imperialismo que vira uma abstração.

 

A SOBERANIA E O PLEBISCITO POPULAR

 

Soberania é um termo relativo, nomeadamente porque, no caso em tela, essa noção está impregnada do Estado nacional objetivamente existente e que, no caso do Brasil, é uma instância que despreza questões comezinhas como os direitos de uma gente historicamente oprimida – indígenas, negros, camponeses, sem-terra etc. – e a própria soberania alimentar da imensa massa da população pobre e trabalhadora, sem se falar do seu grau restringido de autonomia. Falar de soberania nacional e desprezar essa realidade, que se manifesta por meio de milhares de fatos da vida cotidiana, é mistificar esse Estado nacional objetivamente existente. Isso não pode ser obra de uma genuína apreciação marxista que, em última análise, julga os fenômenos históricos com base em suas contradições.

Por esse motivo, vê-se até a importância de movimentos como o do Plebiscito Popular, que, a rigor, se volta para temas que dizem respeito às pautas populares, como a redução da jornada de trabalho sem a diminuição de salário (com o fim da escala 6x1) e a isenção de impostos para setores ponderáveis da classe trabalhadora (elevando a taxação de setores socialmente mais favorecidos).

Os mesmos agrupamentos que tergiversam na defesa da soberania do Brasil diante do intervencionismo de Donald Trump hesitam, contornam e dão de ombros para o plebiscito popular, sob o argumento, muitas vezes, de que ele é programaticamente rebaixado e politicamente apenas favorece o governo Lula.

Veja-se o que é um principismo vazio. Não apoia uma campanha para reduzir a jornada de trabalho e para isentar a trabalhadora ou o trabalhador que ganha até 5 mil reais de pagar imposto porque isso, por tabela, favorece o governo Lula. Ou seja, se isso indiretamente beneficia o governo Lula, danem-se então os amplos estratos da classe trabalhadora que seriam beneficiados com essas conquistas.

Ah, mas há o arcabouço fiscal! Ora, o que impede que, por dentro dessa campanha, seja travada uma luta sem trégua contra o famigerado arcabouço fiscal? Diria o velho Trotsky: falta a essa gente a dialética.

 

21 DE SETEMBRO: “SEM ANISTIA”

 

Sem renegar às suas convicções e ao seu programa, diversas forças políticas se juntaram no dia 21 de setembro para enfrentar a declaração de guerra da Câmara dos Deputados, que, dominada pelo Centrão e pela extrema-direita, aprovou o que o povo já classificou como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da bandidagem e, 24 horas depois, ainda aprovou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei que anistia os golpistas. 

Quem não viu a Campanha das Diretas (1984) ou a campanha presidencial de Lula em 1989 (notadamente no segundo turno), teve a oportunidade de testemunhar algo aparentado: a ampla unidade que aglutinou intelectuais, artistas, democratas, marxistas, sindicatos, movimento popular e organizações políticas de esquerda, questão de grande importância quando se quer produzir grandes mobilizações nesse país.

Nesse cenário de intensas disputas, o governo Lula sonha com o tranquilo começo do século, embora o mundo já esteja caminhando para o segundo quartel do século XXI. Nessa quadra, os fascistas obtiveram influência de massa, ao passo que os socialistas e os comunistas, até mesmo a social-democracia, que são os seus alvos políticos prioritários, tiveram a sua capacidade mobilizadora reduzida. O mundo mudou, mas uma coisa não se alterou: a necessidade da unidade das organizações da classe trabalhadora (revolucionárias, centristas, reformistas, semi-reformistas etc.) para enfrentar o fascismo nas ruas.

À primeira vista, Lula sonha governar em condições de paz com um parlamento chefiado por reacionários a serviço do capital e por fascistas periculosos, quando só há uma forma dele governar esse país: apoiado na mobilização popular. Posto isso, a tática da Frente Ampla, isto é, do governo tíbio e glacial, não pode ser a saída para favorecer as centenas de milhares de pessoas que foram às ruas em 21 de setembro, e, principalmente, aos que apoiaram sem participar das manifestações, pois, em larga medida, estavam trabalhando sob a regência brutal da escala 6x1, fazendo entregas para as plataformas ou penando para garantir o almoço de domingo.

Felizmente, o 21 de setembro evidenciou que a esquerda não perdeu inteiramente a sua capacidade de mobilização, embora também tenha demonstrado que isso só é possível pela vigorosa unidade de suas forças. Apenas a frente única (e, em alguns casos, a unidade de ação) e a mobilização popular podem salvar o Brasil das garras do imperialismo e do fascismo local, inclusive impedindo a anistia aos golpistas (questão central nas manifestações deste domingo).

Os lados para dançar estão se estreitando. De que lado você dança?


Fábio José de Queiroz, professor da URCA









domingo, 14 de setembro de 2025

setembro 14, 2025



DISPARARON AL PIANISTA

Depois de 49 anos, os restos mortais de Francisco Tenório Jr., talentoso músico brasileiro, tiveram identificação confirmada na Argentina e serão enviados para ter o sepultamento devido no Brasil.


Tenório Jr. "desapareceu" na Argentina enquanto ecompanhava Vinícius de Moraes e Touquinho numa excursão que realizavam naquele país. Seu rapto seguido de morte, em 18 de março de 1976, provavelmente se inseriu na Operação Condor, acordo entre os EUA e as ditaduras latino-americanas que visava à perseguir a resistência democrática em todo o continente.


Esta hipótese se fortalece porque seu "desaparecimento" se deu quando o sangrento golpe de Estado argentino já estava nos últimos preparativos e foi desencadeado 24 de março, apenas 6 dias após a captura do músico. A esta altura, todo o sistema repressivo dos generais argentinos já estava em operação e, como hoje se sabe, em colaboração com os gorilas brasileiros. 


Por uma coincidência, a identificação dos restos de Tenório Jr. ocorre no momento em que os golpistas Bolsonaro e mais 4 generais e membros de seu infeliz governo são condenados pela tentativa de perpretar um novo golpe militar no Brasil.


A inesperada presença de Tenório Jr. nos alerta para o fato de que todos os que golpearam as liberdades públicas, prenderam, torturaram, mataram e exilaram, assim como aqueles, como Bolsonaro e sua organização criminosa, que tentaram repetir isso, precisam ser julgados e pagar na forma da lei por seus crimes.


Mais ainda, é preciso varrer da Constituição e da legislação infraconstitucional todos os mecanismos de tutela militar sobre a nação. 


Reportagem do Estadão informa que o "filme "Atiraram no Pianista", do diretor espanhol Fernando Trueba, conta a história de Tenório Júnior. Com depoimentos de Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Ferreira Gullar, Gilberto Gil, Toquinho e mais figuras importantes da música brasileira, o longa ganhou como melhor animação o Prêmio Goya, de 2024, e foi indicado ao Oscar"


O filme está no Prime Video em versão para compra ou aluguel.


A música chora mais uma vez a perda de Tenório  Jr., mas sua memória também nos traz esperança de que as ditaduras não mais passarão.


Eudes Baima, professor da UECE

setembro 14, 2025



Sobre a concepção marxista de ser humano

 

O Homo sapiens é, em primeiro lugar, um ser natural vivo, isto é, corpóreo, sensível e objetivo, que possui toda uma história evolutiva anterior– constituída pela dialética da aleatoriedade das mutações genéticas e da necessidade da seleção natural –, uma base biológica não eliminável.

Mas, não só isso, o ser humano compartilha, com os animais e as plantas, a esfera orgânica do ser, a dependência e a limitação de não ser autossuficiente, pois os objetos de suas necessidades existem fora dele na natureza, os quais são indispensáveis para a atuação e confirmação de suas forças essenciais.

O ser humano, como os demais seres da esfera orgânica, vive da natureza por sere, também, parte dela: “[...] a natureza é seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer” (MARX, 2004, p. 84). Homens e mulheres, porém, não são simples seres naturais que se adaptam ao meio ambiente, segundo as leis da seleção natural. Municiado de suas próprias forças naturais – como, por exemplo, o cérebro grande e complexo, a visão binocular, o bipedismo, a habilidade manual e a potencialidade da “fala” – homens e mulheres são seres naturais ativos, nos quais essas forças se apresentam como capacidades e possibilidades.

 Segundo Costa (2007), do ponto de vista natural, a constituição física do Homo sapiens é inferior a da maioria dos animais. O ser humano não tem a pelagem necessária para manter o calor do corpo num ambiente frio. O corpo humano não é tão eficiente para a fuga, defesa própria ou caça; não possui uma velocidade excepcional, uma coloração protetora ou uma armadura corporal; falta-lhe acuidade visual ou força muscular para lhe dar vantagem sobre sua presa ou defender-se.

Não obstante tudo isso, a espécie Homo sapiens historicamente demonstrou uma capacidade superior de ajustar-se ativamente a diversos ambientes do que qualquer outro ser biológico. De multiplicar-se mais rápido do que qualquer mamífero superior. E, no fundamental, foi capaz de, subordinando a natureza às suas necessidades, constituir uma nova estrutura da realidade – a esfera social – não presente na natureza, embora sem ela não exista.


Frederico Costa, professor da UECE

 

Referências

MARX. Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

COSTA, Frederico Jorge Ferreira. Ideologia e educação na perspectiva da ontologia marxiana.Tese (Doutorado em educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.


sábado, 13 de setembro de 2025

setembro 13, 2025


153 ANOS DA MORTE DE LUDWIG FEUERBACH, FILÓSOFO DA LIBERTAÇÃO 


Hoje, 13 de setembro, há 153 anos, morria o filósofo materialista Ludwig  Feuerbach.


Feuerbach encarna a mais significativa ruptura à esquerda com o idealismo de Hegel, antes de Marx e Engels.


Com efeito, Feuerbach exerceu uma importante influência sobre os próprios Marx e Engels. 


É certo que Marx e Engels superaram e romperam com Feuerbach em função deste, no que pese ter afirmado a precedência da vida material sobre a produção das ideias e da ideologia, não ter chegado a entender que o próprio ser humano é a parte ativa do mundo sensível, quer dizer que a superação da alienação é uma tarefa antes de tudo prática, ou seja, revolucionária. 


Contudo, o patamar compreensivo a que Feuerbach chegou foi imprescindível para a emergência de uma perspectiva revolucionária, como disse Marx ao afirmar que Feuerbach já realizara por completa a crítica da religião.


Agora, um aspecto pouco conhecido da vida de Ludwig Feuerbach é que ele foi, longe de meramente um pensador, um homem ativo na transformação da realidade: sua vida esteve ligada às organizações operárias e populares de sua época. Ao passar dos anos, Feuerbach se sentia cada vez mais ligado ao proletariado, e se sabe que estudou O Capital, de Marx, nos últimos anos de sua vida. 


Feuerbach não foi apenas um intérprete da realidade posta, mas um homem da "Filosofia do Futuro".


Seu funeral, em 13 de setembro de 1872, congregou num cortejo milhares de trabalhadores, e recebeu a saudação seguinte do Partido Social Democrata, ao qual se filiara: “Trabalhadores! Companheiros! O grande lutador pela libertação do povo em relação à escravidão espiritual, o famoso pensador, o instruído filósofo Ludwig Feuerbach caiu para a morte… e… nem a situação política e nem a situação social, pela qual ele nos é conhecido, vos impedirá de nos estender as mãos para uma manifestação de massas contra o sacerdócio!”.


Para ler:


- Princípios da Filosofia do Futuro

- A Essência do Cristianismo

- Preleções sobre a Essência das Religiões 


Eudes Baima - professor da UECE