Aprender é lançar-se
As estrelas vivem de mecânica pura: gravidade, reação nuclear. Não precisam aprender. Mas os seres vivos, sim: uma parte é engrenagem, outra é experiência; uma parte é impulso, outra é caminho aberto pela aprendizagem. Tudo começou com as bactérias. Para se manterem vivas, não bastava apenas dividir-se em duas, repetir o gesto cego da reprodução. Era preciso lidar com o mundo e aprender com ele, aprender a evoluir.
Como seres vivos, carregamos essa sina iniciada há bilhões de anos com as bactérias e, mais tarde, aprimorada pelos primatas. Desde então, trazemos essa herança: o destino de aprender para viver e evoluir. Por isso, ninguém aprende a jogar apenas assistindo ou lendo sobre jogos. Tudo isso inspira. Mas é ao ser lançado na arena do jogo – no chute, no arremesso, no passo em falso, no erro, na queda, na lesão e na persistência – que nasce a habilidade, que se encarna o verdadeiro saber jogar.
Assim também com o nadar. O livro sobre a água, os tratados de técnica, informam, mas não abrem o espaço físico das águas – calmas ou revoltas, claras ou turvas, rasas ou profundas. É preciso o corpo lançado ao líquido, o choque frio, a medida, a busca pelo ar, o risco do afogamento; só então o aprendizado se imprime na carne e na mente.
Ninguém aprende a docência apenas lendo sobre docência. Textos, teorias, métodos – tudo necessário. Mas o ofício só se aprende de fato ao lançar corpo e mente às salas de aula: no embate entre olhares, na tensão, no silêncio que pesa, na pergunta que desconcerta, no conteúdo difícil de ensinar e de aprender, no planejamento que falha ante as surpresas, na intencionalidade ofuscada pela espontaneidade, no erro, na raiva que distancia, no afeto que aproxima.
Foi desse confronto que a Pedagogia redescobriu o óbvio esquecido: grande parte das dificuldades de aprendizagem não se escondem nas crianças, nos meninos ou nas meninas. Apesar das adversidades, elas estão, sobretudo, no modo de ensinar do docente, no seu modo de se relacionar, de estar presente diante do outro, de reconhecê-lo como alguém que precisa aprender para viver melhor e evoluir como pessoa. E, para isso, parece necessário o docente também se ver no outro – feito como alguém em contínuo processo de aprender.
Carlos Bonfim
Professor-Adjunto de Pedagogia da UECE.
Crônicas pedagógicas iconoclastas: 16. Fortaleza, CE, 27/09/2025.