quinta-feira, 9 de abril de 2020

América Latina: O caminho histórico da opressão




 Este texto é uma singela contribuição para o debate político que urge, em função das contradições do capitalismo hodierno e dos ataques do governo fascista em nosso país. Busco , pois, apenas atiçar os debates políticos que são necessários à preparação intelectual dos camaradas que, como nós, intentam honestamente construir uma sociedade sem classes, a partir do conhecimento da realidade  de nosso país, de nosso continente e do planeta, além da história da luta de classes e das teorias que as fundamentam.


1. A colonização europeia

Habitada por diversas populações aborígenes, cuja cultura, organização social e domínio territorial diferiam substancialmente, mas cujo destino convergiu para o mesmo trágico desfecho: a dominação colonial europeia, o continente latino-americano vivencia há cinco séculos o drama da opressão política e a exploração econômica estrangeiras.
O massacre da população nativa pelos invasores-saqueadores e a inadequação daquela aos interesses destes impuseram a importação de novos escravos oriundos do continente africano, para o cultivo agrícola de produtos direcionados ao mercado europeu.
Ao longo dos séculos, uma população quantitativamente extensa e explorada pelos impérios europeus em nossa região continental foi gestando ideais libertários de cunho nacionalista, mas que manteve intacto o sistema de dominação política e econômica sobre os pobres em cada país do continente. A ruptura política atendeu a interesses de grupos econômicos locais, que mantiveram o mesmo processo de exploração sobre os trabalhadores do continente. As elites agrárias, que conduziram as lutas emancipatórias, não romperam os liames econômicos com o continente europeu, o que lhes assegurou os privilégios econômicos e as alçou à condição de dirigentes políticos em cada nação latino-americana.
Heróis libertários como Símon Bolívar, que dirigiu a luta pela independência da região da Grã-Colômbia ( Colômbia, Venezuela, Panamá e parte do Equador) e do Peru e da Bolívia;  José Martí, que inspirou a luta anticolonial em Cuba e em países do Caribe e Emiliano Zapata, no México não conseguiram êxito na tentativa de criar nações independentes economicamente dos países centrais europeus. E essa dependência econômica, cujo marco eram as dívidas externas para com aqueles países da Europa, consolidou uma relação de dependência tecnológica e financeira alimentada pelas elites nacionais, que preferiram associar-se às elites da Europa a confrontá-las, tentando fortalecer a economia nacional e rompendo com as dívidas de que eram legatárias.
E a única tentativa de construção de uma economia nacional sólida e independente da Europa, desenvolvida por Solano Lopez no Paraguai, foi exterminada pela intervenção estrangeira, capitaneada pela Inglaterra, que promoveu a Guerra do Paraguai, na qual Brasil, Uruguai e Argentina, para terem parcelas de suas dívidas perdoadas, aniquilaram o país vizinho, e abortaram aquela experiência que poderia ser modelo de independização econômica em relação aos países centrais europeus.
As elites de nosso continente, portanto, sempre estiveram determinadas a manterem seus privilégios econômicos e políticos a partir de sua submissão aos interesses das oligarquias estrangeiras em nosso continente, como o fazem ainda. Seu nacionalismo é só retórico, pois se subordinam aos ditames forâneos, que ampliam a exploração e a opressão sobre os povos de cada país da LatinoAmérica.
Assim, a exploração econômica dos colonizadores foi determinando a gestação de regimes políticos que alicerçavam o seu controle político-ideológico em todo o nosso continente. Governos títeres apoiados pela plutocracia europeia alinhavam o terror político com o controle ideológico, para imporem as diretrizes econômicas que ampliavam a concentração de riqueza e disseminavam a pobreza e a miséria entre os trabalhadores e a população pobre nas colônias.
As sublevações dos explorados eram reprimidas com extrema violência. E foram diversas, em toda a América Latina.
Uma das mais significativas, mas pouco conhecida (deliberadamente, aqui pouco se estuda a história dos países do nosso continente, ao contrário da história dos países colonizadores) foi a revolução anti-escravocrata e anticolonial haitinana, liderada pelos escravos africanos, que erigiu a primeira nação dirigida por escravos (em cujo processo se destacaram os escravos Toussaint Louverture e Jean-Jacques Dessalines, que liderou o movimento insurrecional) em nosso continente, e que foi debelada pelo exército de Napoleão Bonaparte ( a região do atual Haiti foi colônia francesa de São Domingo, conquistada definitivamente pela França pelo tratado de Ryswick, pelo qual a Espanha cedia àquele país a parte oeste das suas colônias).

2. A neocolonização norte-americana

Com o desenvolvimento do capitalismo, os interesses nacionais foram se impondo às disputas territoriais entre as nações mais ricas da Europa. E, com a independência e desenvolvimento dos Estados Unidos, as oligarquias daquele país começaram a disputar a mão de obra barata e os produtos essenciais ao desenvolvimento econômico no continente latino-americano junto com os países europeus. E, para demarcar seu domínio econômico sobre os países vizinhos ou adjacentes, determinaram a Doutrina Monroe, pela qual o governo daquele país não admitiria a criação de mais colônias europeias em nosso continente. Começava, naquele período, a mudança da dominação predatória sobre as colônias do continente Sul.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a decadência da Europa e a ascendência definitiva da economia americana e seu poderio bélico-militar, e a consolidação da primeira sociedade de cunho socialista no planeta, a URSS (denominada União Soviética), o presidente americano Harry Truman impôs a “Doutrina Truman”, sob a alegativa de impedir o avanço do “comunismo” no planeta, mas que verdadeiramente tencionava impor ditaduras draconianas no continente latino-americano e alhures, para preservar os interesses dos grupos econômicos centrais daquele país sobre os concorrentes europeus. Foi arquitetado, naquele governo, a famigerada “Operação Condor”, que, sob o controle da recém criada CIA (órgão da inteligência política americana), unificou os militares e empresários subalternos de Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Paraguai em torno da criação de ditaduras cívico-militares no continente sulamericano. A partir da solidificação desses regimes, foi implementado o ataque às organizações de luta anticapitalista e o massacre a seus membros, concomitante com políticas de ataque às condições de vida da classe trabalhadora, cujo objetivo era maximizar os lucros do capital naqueles países.
Essas ditaduras sanguinárias deixaram ainda mais submissas ao domínio do imperialismo norte-americano as nações do nosso continente. E, em função das crises cíclicas do sistema capitalista, o mais desumano e ameaçador à vida no planeta projeto capitalista pôde ser aplicado como protótipo no país onde a ditadura militar beirou à selvajaria: o Chile. Esse projeto, denominado paradoxalmente de neoliberalismo (quando, na verdade, buscava a concentração absurda e o controle minucioso do capital, que se opõem à tese do liberalismo clássico), intensificou a exploração e a precarização do trabalho e ampliou substancialmente o saque às economias dos países dependentes, o que gerou uma distância abismal entre as economias dos países mais ricos e os demais países do mundo, e minou as condições objetivas de desenvolvimento destes.
Assim como impôs ditaduras no continente, o governo americano, sempre assessorado pela CIA, dominou o processo de redemocratização dos países do cone Sul. E sua influência nas determinações dos governos na região se comprova pelas últimas eleições presidenciais na América Latina. Na América do Sul: No Peru (Martin Vizcara, 2018); na Colômbia (Ivan Duque, 2018);  no Chile (Sebastian Piñeda, 2017); no Equador (Lenin Moreno,2017); na Argentina (Mauricio Macri,2015) no Paraguai (Mario Benitez, 2018), o golpe contra Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro no Brasil. E na América Central: em Honduras (Juan Hernandez,2018) e na Costa Rica (Carlos Alvareda,2018). Todos esses governos professam seu inarredável compromisso com a “aliança” político-econômica com o governo Trump, que significa a subornação das elites desses países aos interesses imperialistas ianques em casa país.
O único país em que a influência nefasta norte-americana não se manifesta mais em nosso continente é a Venezuela, cujo governo resiste bravamente às tentativas de golpe institucional maquinado pelos USA, com a aval da maioria dos países europeus.

3. O papel das esquerdas na América Latina

As organizações de esquerda sempre tiveram destacada atuação no combate às formas de dominação imperialista em cada país da América Latina. Seja no enfrentamento das forças repressivas para-militares ou estatais, na luta parlamentar, nas lutas camponesas ou indígenas ou nas lutas sindicais, esses movimentos refrearam, em alguns momentos históricos, os interesses imperialistas ou minimizaram os seus efeitos para o povo explorado em seu país.
Governos eleitos democraticamente ou que foram gestados por movimentos insurrecionais disseminaram políticas que, em alguns países, permitiram um abrandamento, ainda que fugaz, na condição de existência da maioria da população nacional.
O peronismo na Argentina, o aprismo no Peru, o ptismo no Brasil, o masismo na Colômbia, dentre outros exemplos da vitória eleitoral da esquerda latino-americana, desenvolveram políticas econômicas que, em maior ou menor substância, proporcionaram algumas conquistas sociais (e/ou a manutenção delas) para os explorados em seus países, mas, por uma adesão à via de conciliação de classes e sabotagem político-econômica do imperialismo, acabaram sendo destituídos da governança estatal e permitiram a ascensão de governos abertamente pró-imperialistas. O chavismo na Venezuela ainda resiste, pelo apoio da Rússia, mas a não ruptura com a sociedade capitalista e a não formação de comitês de trabalhadores e explorados em torno de um projeto anticapitalista podem decretar a derrota política daquela corrente de esquerda naquele país e sua substituição por um governo títere dos Estados Unidos.
E mesmo os governos instituídos após a luta revolucionária, como em El Salvador e na Nicarágua, capitularam ao imperialismo ao não desenvolverem políticas de ruptura com o capitalismo e a extensão pelo continente das revoluções nacionais.
Como a realidade objetiva de cada país difere em relação à organização e enfrentamento dos explorados ao Estado burguês, aos condicionamentos econômicos, políticos, culturais e sociais, não se pode presumir que haverá uma teoria revolucionária única para a construção do socialismo em cada nação do continente, mas urge a necessidade de os movimentos revolucionários se debruçarem de forma enfática na teorização das táticas e da estratégia que melhor se aplique a cada realidade nacional dele.
                                                                     
4. A efervescência das lutas e a tarefa dos revolucionários

As inovações no sistema capitalista suscitaram novos fenômenos sociais que intensificam o seu caráter predatório, desumanizador e genocida. O desemprego estrutural, a destruição irretroagível da natureza, a miséria absoluta de milhões de seres humanos e as doenças derivadas da precarização das condições de vida são anomalias irreversíveis para a humanidade dentro do capitalismo putrefato.
Ao mesmo tempo, a mundialização da informação e das lutas dos explorados começam a marcar uma nova perspectiva de embate de classes, que tende a suplantar o espaço nacional.
As manifestações e lutas dos trabalhadores e demais explorados pelo planeta repercutem em todos os continentes e se convertem em estímulo para outros explorados em outros países.
Em nosso continente, as ebulições sociais sugerem uma reação dos explorados, ainda que não contra o sistema, mas que potencializam as lutas anticapitalistas. Se, em nosso país, o proletariado e demais explorados silenciam diante dos desmandos de um governo assumidamente fascista, devemos lembrar que foram as manifestações de 2013 no Brasil que serviram de inspiração para as manifestações recentes em nossos países vizinhos.
Parte da omissão política dos explorados em nosso país deve-se á política de contenção desenvolvida pela “esquerda oficial”, que espera a desmoralização do atual governo, para apresentar uma candidatura à presidência da República em 2022.
Portanto, urge que nós, comprometidos com o processo de construção do socialismo, tenhamos a lucidez política de buscarmos o estudo de nossa realidade nacional e de promover a disseminação de debates políticos que possam nortear a construção de alternativas de enfrentamento e de construção de organismos políticos que elevem a consciência e a organização dos explorados, rumo à superação da sociedade de classes.

Prof. Maurício de Oliveira - Membro do GPOSSHE, é professor da rede estadual do Ceará, da rede municipal de Maracanaú e mestrando em Educação pelo PPGE/UECE.
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