quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Esquerdo-macho ou machista de esquerda?

Esses dias, devido ao caso da prisão em flagrante do vereador Ronivaldo Maia (atualmente com sua filiação do PT suspensa) por tentativa de feminicídio, caso em que me solidarizo em absoluto com a vítima e espero, juntamente com as mulheres da classe trabalhadora, justiça; um tema tem me despertado interesse: o uso do termo “esquerdo-macho”.

Aqui destaco que esse texto expressa a minha opinião sobre o assunto e que estou trazendo o debate para pensar junto àquelas e aqueles que me leem. Por se tratar de um artigo de opinião, isso deveria estar implícito, mas nunca é demais destacar para delimitar o tom da conversa.

Ocorre que, devido ao caso de violência cometido por um militante do Partido dos Trabalhadores, um homem de esquerda, diversos foram os ataques à própria esquerda como um todo. Dou destaque aqui a expressão “esquerdo-macho” por não simpatizar muito com ela, pelo menos não quando ela é usada para significar simplesmente “machista de esquerda”.

Na minha compreensão (não fiz um estudo linguístico para afirmar isso), o termo “esquerdo-macho” nomeia um tipo social: um homem que, estando num meio de esquerda, seja organizado ou não, talvez até alguém que está apenas no campo progressista, e que constrói uma autoimagem de “desconstruído”. Ele diz que é aliado da luta feminista, antirracista, antiLGBTQIAP+fóbica, anticapacitista, anticapitalista etc., ele se veste como aliado, ele discursa como aliado, mas ele, na verdade, reproduz e se beneficia das relações machistas, racistas, etc. como qualquer outro ou pior.

Você deve me questionar qual a diferença do "esquerdo-macho" para o machista de esquerda. A diferença é que você não identifica fácil o “esquerdo-macho”, como ele se fantasia de aliado, você baixa a guarda, você acredita nele, você se entrega, você age com ele como se ele fosse seu aliado. Quando a violência vem dele, você não está preparada, você está desarmada. Muitas vezes, é muito difícil desmascarar um “esquerdo-macho”, muitos (o masculino aqui é proposital) demoram a crer que aquele “camarada" é violento. Não é simplesmente porque ele é de esquerda, é porque ele é (diz ser) um aliado da luta das mulheres.

Não sei, se você está compreendendo meu raciocínio. Veja: o machismo é estrutural. Todes somos socializados em uma sociedade machista. Não é surpresa que existam machistas e homens violentos em todos os lugares. Na esquerda não seria diferente. O capitalismo precisa do machismo para que as mulheres sigam realizando o trabalho não pago de reprodução social, o capitalismo fomenta relações machistas na classe trabalhadora, por isso a luta contra o machismo é uma luta anticapitalista e revolucionária. Uma organização de esquerda só pode combater as relações de exploração capitalista, se combate qualquer forma de opressão dos seus próprios militantes.

Eu, no entanto, tenho que dizer que acho que homens que se colocam no campo da esquerda tem obrigação de combater o machismo em si mesmo e nos outros. Na minha compreensão, homens de esquerda, de todas as vertentes, que estudam a sociedade capitalista e querem superá-la revolucionariamente não podem permanecer reproduzindo, seja onde for, o machismo. Aqui o “esquerdo-macho” se diferencia: ele é cínico, ele é sonso, ele é cruel. Ele discursa sobre apoio ao feminismo na mesa de bar e, ao mesmo tempo, ele violenta, ele ilude, ele usa de charme para conquista, descartar, maltratar mulheres, ele estupra e diz que “foi socializado assim”, mas que está tentando mudar, ele põe uma mulher contra a outra, ele engana.

Quando penso no “esquerdo-macho” lembro da caricatura que uma humorista faz que é simplesmente brilhante: @ademaravilha, busquem na internet. É preciso identificar os “esquerdo-machos” e combatê-los. Eles podem ser seus colegas de partido, até mesmo seu dirigente, seu orientador acadêmico, seu amigo de bar. Eles estão por aí.

Entendam: eu não estou dizendo que está tudo bem ser machista na esquerda porque o machismo é estrutural. Ao contrário, na esquerda, o combate ao machismo precisa ser intransigente. Precisamos dar um basta às relações machistas, precisamos chamar os camaradas a se somarem na luta feminista, serem verdadeiramente aliados, precisamos dar combate às relações machistas, desiguais nas nossas organizações, mas tudo isso exige uma compreensão do que é o machismo no capitalismo. Chega de acreditar que deixar a  luta  pela emancipação das mulheres para depois está tudo bem. Se ainda há homens na esquerda que pensam assim, está errado. Mudar esse pensamento é fundamental para começar um combate ao machismo nos organizamos de esquerda.

Em tempo: acho que por causa do calor do debate eu esqueci de falar dos verdadeiros aliados. Dos camaradas homens da esquerda que verdadeiramente praticam a autocrítica, que procuram mudar suas atitudes, avaliando o machismo que reproduzem, que buscam se apropriar das discussões feministas, principalmente, mas não apenas, para construir uma luta revolucionária que inclua as pautas urgentes da luta de classes.  

 

Karla Costa

Líder do GPOSSHE