quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Eu não assisto BBB, mas vou falar sobre ele

 


Não posso começar esse texto sem dizer para os leitores que eu não assisto ao Big Brother Brasil, sob pena de ter cancelada a minha carteirinha de intelectualAcontece que, na chamada era digital, é muito difícil não receber uma informação que não te interessa, então, sou obrigada a acompanhar o BBB 21 quando pipocam notícias sobre o que acontece na casa mais vigiada do Brasil”. Admita: você também já enjoou dessa nomenclatura, mas não resiste em dizê-la. 

Tenho estado afastada das redes sociais e acompanhado apenas aplicativos e sites de notícias e fico impressionada com a importância dada às maiores banalidades que acontecem naquela casa: quem chorou, quem bebeu na festa, quem deu o primeiro beijo etc. Há muito de publicidade, claro, masse o jornal veicula, há leitores interessados. 

Na edição passada, vimos o desenvolvimento de uma narrativa que se utilizou de temas em alta como o antirracismo e o feminismo, assuntos que alavancaram o interesse das pessoas pelo ocorria na convivência dos participantes. 

Nesta edição, as notícias em destaque tem relação com o tal do cancelamento e, aparentemente, por serem famosos, os participantes se preocupam demasiadamente com a imagem que projetam para fora. Karol Conká tem estado na maioria das notícias que leio e causado muita revolta por seu comportamento dentro da casa e pela prática de bullying com outro participante, Lucas Penteado. Confesso que não conheço Lucas e, Karol, só de nome. 

Vale a pena usar o BBB para pensar a construção da opinião média brasileira, para compreender o nível de desenvolvimento cultural da nossa sociedade, sem esquecer que o contexto da pandemia pode gerar mais audiência para o programa vinda de pessoas que buscam uma fuga da própria realidade. 

Tenho apontado como algumas categorias feministas têm sido aplicadas pelo feminismo liberal e causado mais alienação do que emancipação. O comportamento de Karol Conká é um exemplo disso. Parece-me que a rapper aplica a noção de empoderamento de forma equivocada, como o exercício de um poder opressivo sobre o outro, sobre o agente da opressão, o homem. Feito de maneira irrefletida, sem qualquer intencionalidade emancipatória, sem escopo, um comportamento sem uma finalidade cuja agressividade é um fim em si mesma. 

Ora, muitas tem sido as críticas dirigidas à rapper, inclusive, por ela ser negra e o alvo de sua agressividade ser um homem negro. Algumas artistas que se afirmam feministas, inclusive homens, tem se manifestado nas redes sociais para reprovar o comportamento de Karol e eu entendo o porquê dessa indignação, mas preciso apontar que ela esse tipo de desdobramento era absolutamente esperado vindo desse feminismo que a mídia veiculada, de vertente liberal, ou ainda radical, porque não direcionam a luta para a causa essencial da opressão da mulher: o capitalismo, mas ficam na superfície do fenômeno, centram-se em ações individuais, colocam os homens (sem distinguir uma série de mediações) como os principais inimigos, esquecem as relações institucionais e estruturais. 

Esses feminismos apontam como uma das soluções para a opressão justamente esse comportamento de Karol Conkáatire antes de ser atingida, comporte-se como os homens se comportam, mulheres poderosas humilham os homens, os subjugam, façam com eles o que eles fazem conosco. Por mais tentador que possa parecer, assumir esse comportamento não soluciona a opressão, ao contrário, causa mais alienação, pois mascara para onde devemos direcionar nossas ações: a luta organizada e coletiva com o capitalismo que, sem dúvida, vai exige de nós, mulheres, muitas disputas com os homens, mas essas disputas não são vazias nem um fim em si mesmas. 

comportamento de Karol tem muito da própria personalidade dela, sem dúvida, mas ele é um produto natural de uma compreensão equivocada de feminismo, por isso essa indignação das famosas e dos famosos que defendem o mesmo tipo de feminismo é, no fundo, hipócrita porque, eles ajudam a construir essa imagem distorcida. 

Vejam a normalização do comportamento da “empresária agressiva", no documentário "Anitta: made in Honório" da Netflix, da cantora Anitta que precisou assumir um modus operandi masculino para se fazer respeitar no mundo dos negócios. Uma mulher, em ambientes masculinos, precisa de uma atitude mais agressiva sim, qualquer uma das leitoras que viveu essa experiência no mundo do trabalho ou na Universidade sabe que é verdade, mas chamar isso de feminismo é problemático porque não é uma atitude emancipatória, mas uma conformação ao jogo capitalista. 

O feminismo liberal não emancipa as mulheres porque nos subjuga às regras do sistema capitalista machista e só saem vencedoras aquelas mulheres que aprendem as regras e não sem perdas na sua humanidade. Estão aí os exemplos para comprovar. 

 

Prof. Dra. Karla Costa (GPOSSHE)

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