quinta-feira, 29 de abril de 2021

A quebra de patentes, o espírito do capitalismo e o filho do capeta

Foto: Reuters

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará - UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO.


O Senado deve votar, nesta quinta-feira (29), o Projeto de Lei (PL) 12/2021, que permite a quebra de patentes de vacinas, testes de diagnóstico e medicamentos de eficácia comprovada contra a covid-19 enquanto vigorar o estado de emergência de saúde. De acordo com o texto, os titulares de patentes ficam obrigados a ceder ao poder público todas as informações necessárias para a produção de vacinas e medicamentos para o enfrentamento à covid-19. O objetivo, segundo o autor, Senador Paulo Paim (PT-RS), é agilizar a produção de imunizantes na tentativa de acelerar o processo de vacinação contra a doença no país. Em sua justificativa, o senador afirma que a medida não implica ignorar os direitos à propriedade intelectual relacionados ao comércio, mas relativizá-los em caráter temporário, diante do interesse maior do povo brasileiro[1].

Índia e África do Sul apresentaram proposta nesse sentido à Organização Mundial de Saúde e esse movimento tem apoio de 100 países. No entanto, essa medida é rejeitada pelos Estados Unidos, países da União Europeia, como Suíça e Noruega, Japão, além do Brasil.

O secretário do Ministério das Relações Exteriores, Sarquis José, ponderou que a quebra de patentes não tem efeitos de curto prazo e traz riscos ao país. O representante da Organização Mundial de Propriedade Intelectual no Brasil, José Graça Aranha, também se manifestou contrário à quebra das patentes[2]No entanto, a quebra de patentes ainda é apoiada por instituições brasileiras, como o Conselho Nacional de Saúde (CNS)[3].

Tal medida é urgente. Até agora 30,2 milhões de brasileiros receberam a primeira dose da vacina contra a covid-19, enquanto apenas 13,9 milhões tiveram aplicadas as duas doses necessárias para a imunização. 

Na realidade, o que se vê é uma disputa entre a vida de bilhões de seres humanos e os lucros de corporações farmacêuticas sediadas em países imperialistas (EUA, Europa, Japão).

Karl Marx, recentemente acusado por fundamentalistas obtusos de satanista, matou a charada do capitalismo já no século XIX. E o século XXI confirma sua descoberta: o que caracteriza o capitalismo é a compra e a venda da capacidade de trabalho dos trabalhadores e seu uso na produção de mercadorias para o lucro. Nesses termos, vacinas, testes, insumos e medicamentos não passam de veículos para lucros e acumulação de riquezas nas mãos de poucos. Essa relação de produção primordial condiciona todas as conexões sociais, jurídicas, políticas, militares e culturais do mundo burguês.

Por isso, o cuidado do senador Paulo Paim em dizer que o PL 12/2021 é temporário e não visa atingir “os direitos à propriedade intelectual relacionados ao comércio”, ou seja, o espírito do capitalismo na sua busca insaciável por lucro. Quando, de fato, é preciso socializar a propriedade privada das grandes corporações farmacêuticas a serviço da maioria da humanidade. Mas, mesmo assim, é um avanço a defesa da aprovação do PL12/2021, no sentido de que a vida de milhões de brasileiros é o que importa.

Só não podemos esquecer, a partir desse fato, a lição de Marx (2008, p. 47):

Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se a haviam desenvolvido até em tão. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social.

Noutras palavras, no capitalismo do século XXI, torna-se mais evidente que o lucro está acima do principal elemento das forças produtivas: a vida. Essa verdade é incômoda para os poderosos, porque conduz à conclusão necessária: superar o capitalismo para desenvolver as forças produtivas, isto é, o conjunto das capacidades humanas.

Referências

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.



[1] Fonte: Agência Senado.

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/politica/audio/2021-04/governo-federal-critica-quebra-de-patentes-de-vacinas-contra-covid-19

[3] http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1691-cns-defende-quebra-de-patentes-das-vacinas-contra-a-covid-na-camara-dos-deputados