quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O que expressa o plágio de Roberto Alvim?



Foto: The Intercept

Sobre o pronunciamento do ex-secretário da cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim.

No dia 16 de janeiro, Roberto Alvim, em pronunciamento oficial da Secretaria de Cultura, copiou o discurso e a estética do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels. Como se não fosse suficiente, ainda utilizou a ópera de Lohengrin de Wagner elogiada por Hitler.


O plágio gerou uma péssima repercussão, tendo sido criticado até por apoiadores do governo como Olavo de Carvalho. O caso é que o secretário foi exonerado, neste dia 17, porque não caiu bem sua apologia explícita ao nazismo, afinal, melhor ser sorrateiro como Damares Alves e Abraham Weintraub.

Disse Alvim:

A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.

Se o trecho plagiado já assusta, o restante do discurso apavora. Mas o que significa o pronunciamento de Roberto Alvim? Significa uma política cultural articulada com o projeto de sociedade bolsonarista: profundamente antidemocrática, conservadora, reacionária, fundamentalista.

A política do regime nazista subjugava a cultura estética aos interesses nacionais. “A cultura é a base da pátria. Quando a cultura adoece, o povo adoece junto”, disse o secretário. A arte incentivada pelos nazistas era uma arte que deveria destacar a alma do povo e expressar seus eternos ideais e valores. Aqui, o secretário nos exorta a produzir uma arte “enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes”. Para o nazismo, o único papel da arte era reproduzir mecanicamente o que a política determinava como caráter eterno do povo, pregavam a família, a raça e o povo como valores alemães.

Eles exigiam concordância com esses princípios, não havia espaço para uma arte crítica e livre. Outra semelhança está na defesa da lealdade e do autossacrifício na luta contra o mal. A política cultural de Hitler tinha as virtudes militares em alto apreço. Para o nazismo a arte seria purificada pela eugenia. Da mesma forma, Alvim, denomina o território da arte de sagrado, fazendo um chamado para o retorno à ideia de harmonia do homem com sua terra e sua natureza. Se o ex-secretário retirara a palavra romantismo do plágio, ele o constrói aqui.

Os “mesquinhos interesses particulares”, segundo Alvim, não podem estar acima dos valores da nação, desta forma, a arte, para os nazistas, deveria superar a noção individualista e sentimental para expressar os anseios do povo, mas o povo ansiava o que sua política determinava.

E o trecho abaixo resume tudo.

Ao país a que servimos só interessa uma arte que cria a sua própria qualidade, a partir da nacionalidade plena, e que tem significado constitutivo para o povo para o qual é criada” e ainda “São estas formas estéticas, geradas por uma arte nacional que agora começará a se desenhar, que terão o poder de nos conferir, a todos, energia e impulso para avançarmos na direção da construção de uma nova e pujante civilização brasileira.

Se você está tentado a pensar que tudo acabou com a demissão de Roberto Alvim, se engana. O site The Intercept Brasil [1] divulgou, na noite desta sexta-feira, um e-mail confidencial do assessor de José Paulo Martins, em nome deste, que reproduz os ideais proclamados no pronunciamento do ex-secretário. O e-mail expõe parâmetros para “os objetivos e ações para 2020”, são eles: o nacionalismo, a exaltação à família, a “profunda ligação com Deus” e a “luta contra o que degenera”.

       Em 19 de julho de 1937, na Casa da Arte Alemã, foi inaugurada uma exposição que se chamou “Arte degenerada" [2]. Tratava-se de um termo para difamar toda a arte moderna. “O termo alemão para degeneração é entartet, um termo que insinua um desvio da Art, a palavra alemã para espécie. O significado literal do termo parecia confirmar a posição nazista de que a fonte de degeneração na arte – e em outras áreas da vida – era a impureza racial e o desvio da saudável linhagem nórdica" [3]. O e-mail trazido à público pelo The Intercept Brasil só prova que a política seguirá firme, mesmo sem Roberto Alvim, e permanecerá independentemente de quem vir a sentar na cadeira da secretaria especial de cultura, ou da educação, ou da justiça, enquanto este projeto estiver à frente do país.

       Tudo o que se desvia da ideologia bolsonarista, degenera. Não nos iludamos com o discurso aparentemente elitista. O nazismo não defendeu apenas a arte clássica, mas todas as manifestações artísticas tinham espaço na estética nazista desde que coadunassem com seu projeto social. Estética nazista não é sinônimo de estética burguesa e não é antônimo de arte popular. Não se trata de gêneros, de escolas, de abordagens, de localização social. Trata-se de algo maior: de colocar a cultura à serviço da ideologia bolsonarista.

     Clara Zetkin [4] apontou que uma das principais ofensivas do fascismo foi a educacional, moral e cultural. A hegemonia da cultura cria uma coesão social que se estende a todos os âmbitos da sociedade, desde produções artísticas complexas até as mais cotidianas atividades corriqueiras.


O que tudo isso significa?

Significa que a política cultural bolsonarista está intrinsecamente ligada a seu projeto político, e não poderia ser diferente. O fascismo e o nazismo são totalizantes. Todas as esferas da sociedade precisam se articular para dar sustentação ao projeto nacional bolsonarista, por isso, tenho defendido que as falas de Damares Alves não são cortinas de fumaça, mas expressam um projeto que abarca a condição da mulher, a configuração da família, o controle do corpo e da sexualidade, a educação, o pensamento livre, a arte, a cultura, a vida privada do povo, a religião.

É assim que a ideologia neofascista/neonazista do bolsonarismo quer entrar na vida do real povo brasileiro, criando uma retórica de orgulho nacional, de grande nação de enormes possibilidades, criando uma mitologia romântica de nossas origens e associando um falso elitismo artístico à nossa grandeza nacional.

Não nos iludamos. Toda essa retórica nazista não produziu grande arte na Alemanha, ao contrário, produziu artistas medíocres sem sensibilidade estética, de talento questionável. Principalmente, não confundam a defesa da grande arte, da arte verdadeira, com o arremedo que produziu o nazismo cujo bolsonarismo quer imitar.

A Arte verdadeira eleva, enriquece, desnuda a realidade, faz avançar a consciência. Defendamos a Arte contra o bolsonarismo!

Karla Raphaella Costa Pereira
Militante da Resistência