segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Não olhe para cima: ciência, decadência burguesa e revolução



Finalmente assisti ao filme Não olhe para cima; e trago, aqui, minhas primeiras impressões. Embora primeiras impressões nunca sejam completas, penso que isso não quer dizer que sejam insignificantes.

Em primeiro lugar, gostei. O roteiro de Adam McKay e David Sirota prende do início ao fim. A trama gira em torno de Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) e Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), astrônomos que fazem a descoberta de um cometa que está em rota de colisão com a Terra. Com a ajuda do doutor Teddy Oglethorpe (Rob Morgan), Kate e Randall vão à Presidente dos Estados Unidos (EUA), Janie Orlean (Meryl Streep), e a seu filho, Jason Orlean (Jonah Hill), Chefe de Gabinete, que, inicialmente, mostram-se indiferentes diante do desastre iminente. Como é comum à política burguesa, só se interessam em buscar uma solução quando precisam capitalizar politicamente o caso. A apenas seis meses do impacto que irá destruir a civilização e boa parte da diversidade biológica, trava-se uma batalha da verdade científica contra os interesses políticos da extrema direita, a lógica destrutiva do capitalismo e a decadência da sociabilidade burguesa.

Em segundo lugar, a sátira consegue expressar esteticamente a crise da sociedade estadunidense, profundamente dividida. O elenco se destaca por caricaturar diversas facetas de uma sociedade decadente: o general trapaceiro, a jornalista medíocre com dois mestrados, o machista ávido por ascensão social que se faz sobre a reputação de uma mulher, o coronel-mercenário fascista, a Presidente negacionista, o dono egocêntrico de corporação, o ator alienado, as relações de cientistas com o poder, uma juventude desiludida e sem perspectivas. Os personagens sintetizam relações contraditórias que conformam problemas da sociedade contemporânea: o negacionismo, a desvalorização do pensamento científico, o machismo, a função do aparato militar, a subordinação da estrutura política aos interesses dos capitalistas, o fanatismo religioso, a natureza reacionária do imperialismo estadunidense, os ataques aos direitos democráticos (ação do FBI), o caráter alienante da grande mídia e o desprezo pelos interesses da maioria por parte das classes dominantes.

Por último, o filme tem uma limitação básica: o seu horizonte histórico. Apesar de situar diversos problemas, ainda se coloca nos limites da sociabilidade burguesa, por isso a única saída é a catástrofe, não há uma ruptura positiva. A trama identifica a lógica do capital acima da sobrevivência da humanidade, mostra a tibieza da União Europeia e apresenta a última possibilidade de destruir o cometa, o projeto da Rússia, China e Índia, provavelmente sabotado pelo imperialismo estadunidense. No entanto, levanta como alternativa a resignação de relações humanas verdadeiras com um toque de uma oração vazia para um ser inexistente.

Moral da história. Não é o comenta que destrói a Terra, mas o capitalismo. A lógica da acumulação do capital se sobrepõe à possibilidade real de desviar a trajetória do cometa. Existe uma realidade objetiva, com um funcionamento próprio, independente dos desejos humanos. A ciência é fundamental, quando desvinculada dos interesses do capital. A solução é superarmos o mundo atual. O caminho é o da revolução dos bilhões de assalariados e oprimidos.

Com os pés no presente, olhemos para o futuro.

 

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO