terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Os trabalhadores devem combater o nazifascismo


É natural para um liberal falar de “democracia” em geral. Um marxista nunca se esquecerá de colocar a questão: “para que classe”? (Lênin)

O fascismo tem como função essencial e única a destruição, até os alicerces, de todas as instituições da democracia proletária [...] O ponto de partida da luta contra o fascismo não é a abstração do Estado democrático, mas as organizações vivas do próprio proletariado, nas quais está concentrada toda a sua experiência e que preparam seu futuro. (Trotsky)



Está ocorrendo um grande debate em torno da liberdade de expressão do nazismo no Brasil. O fato foi originado pelas afirmações de um bolsonarista, Monark, num podcast no dia 7 de fevereiro. Monark defendeu a existência de um Partido Nazista no Brasil e o direito de ser antijudeu. Já o deputado golpista e liberal Kim Kataguiri (Democratas), presente no debate, afirmou que foi um erro a Alemanha ter criminalizado o Partido Nazista.

Diante disso, qual deve ser a posição dos trabalhadores? Deve-se partir de onde para fortalecer a defesa de direitos imediatos e históricos do proletariado?

 

O fascismo é coisa do passado?

 

O fascismo é bem atual. Na Europa ele vem crescendo como na França (Éric Zemmour), na Eslovênia (Janez Jansa), Hungria (Viktor Orbán), na Holanda (Fórum pela Democracia), Inglaterra (UKIP, Partido Nacional Britânico ou BNP), Áustria (Partido Livre), Polônia (PiS), Espanha (Vox), Grécia (Aurora Dourada) e Itália (Liga Italiana) de maneira simulada e renovada. Na recente eleição portuguesa o partido de extrema direita, “Chega”, tornou-se a terceira força política, apresentando-se como antissistema, atacando ciganos e defendendo a castração química de pedófilos. Na Ucrânia, ponta de lança da ofensiva da OTAN contra a Rússia, o governo é sustentado por forças claramente neonazistas.

Na Ásia, há o governo de extrema direita de Rodrigo Duterte nas Filipinas. E na América do Sul, temos os governos de Iván Duque Márquez (Colômbia) e Jair Bolsonaro (Brasil) que integram a ofensiva neofascista.

Aqui não falta fascistas para todo tipo de gosto. Segundo a antropóloga Adriana Dias, que estuda o neonazismo no Brasil desde 2002, há pelo menos 530 núcleos de extrema direita no Brasil que pode chegar a dez mil pessoas. De acordo com a pesquisadora, houve um crescimento de 270,6 % de janeiro de 2019 a maio de 2021i.

Há neonazistas, integralistas, carecas, White Power, monarquistas, reacionários católicos (TFP, Instituto Plinio Correia de Oliveira/IPCO, defensores da Missa Tridentina, sedevacantistas), saudosos da ditadura militar, evangélicos de extrema direita, milícias urbanas e grupos que defendem o latifúndio, que formam uma frente única de ataque não só à democracia burguesa, mas principalmente aos direitos democráticos dos trabalhadores brasileiros. São exemplos da extrema direita brasileira, com características protofascistas e fascistas.

 

Mas, o que é mesmo o fascismo?

 

O fascismo não é uma saudação ou um uniforme apenas, mas um movimento político e social que visa atacar e destruir conquistas históricas dos trabalhadores da cidade e do campo, o que o coloca a serviço do grande capital contra os direitos das grandes maiorias. Portanto, o fascismo apareceu no século XX como um recurso da dominação burguesa diante da crise capitalista, do acirramento da luta de classes e do avanço das lutas/conquistas do movimento proletário e camponês. De acordo com Leon Trotsky, que com Lênin dirigiu a Revolução Socialista Russa de 1917:

 

A hora do regime fascista chega no momento em que os meios militares-policiais “normais” da ditadura burguesa, com a sua capa parlamentar, se tornam insuficientes para manter a sociedade em equilíbrio. Por meio da agência fascista, a burguesia põe em movimento as massas da pequena burguesia enfurecida, os “desclassados”, os “lupen-proletários” desmoralizados, todas essas miseráveis existências humanas que o próprio capital financeiro levou ao desespero e à fúriaii

 

Mas, qual o objetivo da burguesia em utilizar os bandos fascistas? Quais tarefas o fascismo deve cumprir?

Novamente Trotsky responde, no mesmo texto de 1932, referindo-se à experiência do fascismo italiano:

 

A burguesia exige do fascismo um trabalho “limpo”: desde que admite os métodos de guerra civil, ela quer ter paz durante uma série de anos. E, os agentes fascistas, servindo-se da pequena burguesia como de uma arma, e aniquilando tudo à sua passagem, prosseguem no seu trabalho até o fim. A vitória do fascismo coroa-se quando o capital financeiro subordina, direta e imediatamente, todos os órgãos e instituições de domínio, de direção e de educação: o aparelho de Estado e o exército, as prefeituras, as universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos, as cooperativas. A fascistização do Estado não significa “mussolinizar” as formas e os processos de direção – neste domínio as mudanças desempenham, no final das contas, um papel secundário – mas, antes de tudo e sobretudo, destruir as organizações operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de organismos que penetre profundamente nas massas e esteja destinado a impedir a cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a essência do regime fascistaiii.

 

Essa é a característica universal do fascismo em suas diversas formas históricas, seja no Brasil, nos Estados Unidos, na França ou nas Filipinas: destruir os direitos dos trabalhadores e suas organizações a serviço do grande capital.

 

Um pouco de história

 

Daniel Guérin (2021) no clássico Fascismo e grande capital, que teve sua primeira edição em 1936, indica características gerais do avanço fascista na Itália e na Alemanha: 1) a crise gerada pela I Guerra Mundial tanto no imperialismo italiano como alemão; 2) a ação revolucionária do proletariado e do campesinato que resultou em inúmeras conquistas trabalhistas e sociais; 3) a utilização e financiamento dos fasci italianos e dos Freikorps alemães para retomar as concessões feitas aos trabalhadores; 4) as disputas entre as frações das burguesias italianas e alemã (indústria pesada X indústria leve); 5) as vacilações e erros das esquerdas, reformistas e comunistas, nos dois países; 6) diante da crise as burguesias italiana e alemã apostam respectivamente no fascismo e no nacional-socialismo (nazismo). O resultado desse processo levou à II Guerra Mundial, uma guerra interimperialista, e à barbárie do nazifascismo, que foi esmagado, em última instância, pelo Exército Vermelho do Estado operário da URSS.

Bem, e no Brasil, há um avanço do fascismo, como em outros países?

Vamos analisar, de maneira sintética, o processo de luta de classes no Brasil: 1) a ditadura militar (1964-1985) foi derrotada no Brasil por uma forte mobilização de massas que mesmo não evoluindo para a conquista do poder pelos trabalhadores arrancou várias concessões asseguradas na Constituição de 1988; 2) o grande capital nacional e internacional, por meio dos governos neoliberais de Collor (1990-1992), Itamar (1992-1995) e FHC (1995-2003)tentaram arrancar inúmeras concessões arrancadas pelos trabalhadores; 3) os governos do PT, Lula (2003-2011) e Dilma (2011-2016), da esquerda reformista, diante de uma conjuntura internacional favorável, dentro das limitações de seu projeto não atacaram diretamente as massas como os governos neoliberais anteriores; 4) frente aos efeitos da crise econômica desencadeada em 2008 e dos erros da esquerda moderada (PT e PC do B), foram se criando condições para um golpe de Estado impulsionado pela burguesia brasileira e o imperialismo; 5) para o golpe de Estado foram mobilizados as forças armadas, a grande imprensa, o judiciário, a pequena burguesia enraivecida e diversos grupos da extrema direita com contornos fascistas; 6) consumado o golpe de 2016 houve um salto de qualidade na desconstrução das conquistas dos trabalhadores e ataque às suas organizações (contrarreforma trabalhista e previdenciária, Novo Ensino Médio, prisão de Lula, perseguição ao movimentos sociais); 7) a extrema direita levantou a cabeça, o candidato do PSDB, do grande capital, naufragou e, diante da possibilidade do retorno do PT, as classes dominantes convergiram para a candidatura do fascista Jair Bolsonaro; 8) hoje vive-se sob um regime golpista, mas não fascista, pois o movimento operário-popular não foi esmagado e atomizado pelo governo de extrema direita de Bolsonaro.

Agora há uma polarização entre a continuidade na destruição das conquistas dos trabalhadores brasileiros ou de uma retomada das lutas contra o imperialismo e a burguesia brasileira. Tal contradição de expressa de forma distorcida entre a candidatura da esquerda reformista de Lula, o continuísmo do projeto fascista de Bolsonaro e outras candidaturas golpistas (Moro, Ciro, Dória). É nesse contexto que se coloca o debate sobre a liberdade de expressão para o nazismo no Brasil.

 

Deve-se garantir a liberdade de expressão aos nazistas no Brasil? Uma questão mal colocada

 

A liberdade de expressão e de organização do nazismo no Brasil é uma discussão abstrata em torno da natureza democrática do Estado burguês se não parte do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores.

De fato, ideias e práticas nazistas já têm liberdade de expressão e ação no Brasil: na internet, no governo Bolsonaro e no cotidiano da vida de milhões de brasileiros. O racismo está presente nas políticas de governo (Fundação Palmares, retirada de conteúdo sobre a cultura afro-brasileira dos currículos escolares), nos ataques às religiões de matriz africana por parte de igrejas evangélicas extremistas, no extermínio da juventude negra nas periferias e no etnocídio de populações indígenas. As tendências de aniquilação das organizações dos trabalhadores estão em constante avanço na criminalização dos movimentos sociais, no assassinato seletivo de lideranças no campo e no poder de milícias nas periferias. Grupos paramilitares, setores da polícia e das forças armadas são abertamente fascistas. Liberalismo e extrema direita estruturam-se em várias formas de organização e propaganda. Há parlamentares, prefeitos e até governadores que arrancariam aplausos de Mussolini, Hitler, Franco, Salazar ou Plínio Salgado.

Diante disso, a esquerda não pode reivindicar o direito de liberdade de expressão e ação do nazismo. Isso significa fortalecer a extrema direita e o grande capital na tarefa de destruir as conquistas e as organizações dos trabalhadores. O fascismo, e sua forma mais grotesca, o nazismo não precisam de defensores de sua liberdade. Aliás, sua liberdade de expressão e ação é a aniquilação não só da democracia burguesa-parlamentar, mas principalmente da democracia proletária, isto é, dos sindicatos, da CUT, do MST, do MTST, das associações de bairro, das Comunidades Eclesiais de Base, do movimento negro, dos grupos feministas, das organizações estudantis, do movimento LGBT e dos partidos de esquerda.

Também é um erro a seguinte tese: devemos defender a liberdade de expressão do nazismo para, também, garantir a liberdade de expressão do comunismo/socialismo. Por dois motivos básicos. Primeiro, não é o Estado democrático burguês que garante a liberdade para comunistas, socialistas e democratas, mas a correlação de forças favorável aos trabalhadores por sua capacidade de organização e mobilização. Segundo, porque, historicamente, as frações burguesas tratam diferentemente os militantes do movimento operário-popular dos agentes fascistas. Fascistas italianos foram integrados no aparelho burguês reconstruído despois da II Guerra Mundial, o mesmo ocorrendo na Alemanha pós-guerra. Também, no Brasil, integralistas que participaram do levante de 1938 foram anistiados, membros do semifascista Estado Novo (1937-1945) não foram punidos, assim também como torturadores da Ditadura Militar (1964-1985).

De fato, a garantia das liberdades democráticas para as amplas massas é fruto da luta organizada dos trabalhadores por seus direitos. E para as diversas formas de fascismo: a denúncia, a resistência, o combate...

Frederico Costa

Professor da Universidade Estadual do Ceará e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO

 

Referências bibliográficas

GUÉRIN, Daniel. Fascismo e grande capital. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2021.

ii TROTSKY, Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha. São Paulo: Editora Sundermann, 2011, p. 152.

 

iii Idem, p. 152.