domingo, 28 de setembro de 2025

setembro 28, 2025




Aprender é lançar-se


As estrelas vivem de mecânica pura: gravidade, reação nuclear. Não precisam aprender. Mas os seres vivos, sim: uma parte é engrenagem, outra é experiência; uma parte é impulso, outra é caminho aberto pela aprendizagem. Tudo começou com as bactérias. Para se manterem vivas, não bastava apenas dividir-se em duas, repetir o gesto cego da reprodução. Era preciso lidar com o mundo e aprender com ele, aprender a evoluir.


Como seres vivos, carregamos essa sina iniciada há bilhões de anos com as bactérias e, mais tarde, aprimorada pelos primatas. Desde então, trazemos essa herança: o destino de aprender para viver e evoluir. Por isso, ninguém aprende a jogar apenas assistindo ou lendo sobre jogos. Tudo isso inspira. Mas é ao ser lançado na arena do jogo – no chute, no arremesso, no passo em falso, no erro, na queda, na lesão e na persistência – que nasce a habilidade, que se encarna o verdadeiro saber jogar.


Assim também com o nadar. O livro sobre a água, os tratados de técnica, informam, mas não abrem o espaço físico das águas – calmas ou revoltas, claras ou turvas, rasas ou profundas. É preciso o corpo lançado ao líquido, o choque frio, a medida, a busca pelo ar, o risco do afogamento; só então o aprendizado se imprime na carne e na mente. 


Ninguém aprende a docência apenas lendo sobre docência. Textos, teorias, métodos – tudo necessário. Mas o ofício só se aprende de fato ao lançar corpo e mente às salas de aula: no embate entre olhares, na tensão, no silêncio que pesa, na pergunta que desconcerta, no conteúdo difícil de ensinar e de aprender, no planejamento que falha ante as surpresas, na intencionalidade ofuscada pela espontaneidade, no erro, na raiva que distancia, no afeto que aproxima.


Foi desse confronto que a Pedagogia redescobriu o óbvio esquecido: grande parte das dificuldades de aprendizagem não se escondem nas crianças, nos meninos ou nas meninas. Apesar das adversidades, elas estão, sobretudo, no modo de ensinar do docente, no seu modo de se relacionar, de estar presente diante do outro, de reconhecê-lo como alguém que precisa aprender para viver melhor e evoluir como pessoa. E, para isso, parece necessário o docente também se ver no outro – feito como alguém em contínuo processo de aprender.


Carlos Bonfim

Professor-Adjunto de Pedagogia da UECE.

Crônicas pedagógicas iconoclastas: 16. Fortaleza, CE, 27/09/2025. 


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

setembro 25, 2025

Ato contra PEC da Blindagem e PL da Anistia, em Copacabana — Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo



CARTA N.º 5 SOBRE A CONJUNTURA: TRÊS TÓPICOS IMEDIATOS DA REALIDADE POLÍTICA

 

Fábio José de Queiroz

 

Nesta carta, discuto brevemente três tópicos da conjuntura: a continuidade das ameaças de Donald Trump ao Brasil, a campanha do Plebiscito Popular e o significado geral das manifestações populares de 21 de setembro.

 

UMA VEZ MAIS, O PROBLEMA DA SOBERANIA NACIONAL 

 

Os Estados Unidos da América (EUA) estão produzindo desestabilização interna no Brasil, inclusive com interferência em negócios que dizem respeito à sua autonomia como Estado nacional. Logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar a cúpula que articulou o golpe de 8 de janeiro de 2023, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Claire Leavitt, ameaçou novamente o Brasil, inclusive com uma ação militar (que, aliás, já está em curso na Venezuela). Nessa conjuntura, pergunto: Não se posicionar ao lado da nação oprimida, em nome de um tipo ideal de soberania, objetivamente, favorece as posições do opressor ou não? 

Creio que isso merece uma reflexão, sobretudo de intelectuais acadêmicos (de expressão nacional), que, em lugar de trabalhar com a realidade, preferem discutir o problema, não partindo das questões concretas e sim de suas idealizações. O Brasil está sob ataque imperialista. A questão é como se posicionar diante disso. A meu ver, nesse contexto, ao defender o Brasil, não se trata de uma defesa abstrata da soberania, mas de um exercício objetivo e concreto de sua salvaguarda. O fato dessa soberania sofrer de visíveis e inequívocas imperfeições e insuficiências não pode ser motivo para renunciar à sua defesa frente às chantagens e ao ataque geral da maior potência imperialista dos últimos 70 anos. Isso é leninismo de gabinete.

Reafirmo o que escrevi na carta anterior: é necessário defender o Brasil sem vacilações, meu caro. Do contrário, é o seu anti-imperialismo que vira uma abstração.

 

A SOBERANIA E O PLEBISCITO POPULAR

 

Soberania é um termo relativo, nomeadamente porque, no caso em tela, essa noção está impregnada do Estado nacional objetivamente existente e que, no caso do Brasil, é uma instância que despreza questões comezinhas como os direitos de uma gente historicamente oprimida – indígenas, negros, camponeses, sem-terra etc. – e a própria soberania alimentar da imensa massa da população pobre e trabalhadora, sem se falar do seu grau restringido de autonomia. Falar de soberania nacional e desprezar essa realidade, que se manifesta por meio de milhares de fatos da vida cotidiana, é mistificar esse Estado nacional objetivamente existente. Isso não pode ser obra de uma genuína apreciação marxista que, em última análise, julga os fenômenos históricos com base em suas contradições.

Por esse motivo, vê-se até a importância de movimentos como o do Plebiscito Popular, que, a rigor, se volta para temas que dizem respeito às pautas populares, como a redução da jornada de trabalho sem a diminuição de salário (com o fim da escala 6x1) e a isenção de impostos para setores ponderáveis da classe trabalhadora (elevando a taxação de setores socialmente mais favorecidos).

Os mesmos agrupamentos que tergiversam na defesa da soberania do Brasil diante do intervencionismo de Donald Trump hesitam, contornam e dão de ombros para o plebiscito popular, sob o argumento, muitas vezes, de que ele é programaticamente rebaixado e politicamente apenas favorece o governo Lula.

Veja-se o que é um principismo vazio. Não apoia uma campanha para reduzir a jornada de trabalho e para isentar a trabalhadora ou o trabalhador que ganha até 5 mil reais de pagar imposto porque isso, por tabela, favorece o governo Lula. Ou seja, se isso indiretamente beneficia o governo Lula, danem-se então os amplos estratos da classe trabalhadora que seriam beneficiados com essas conquistas.

Ah, mas há o arcabouço fiscal! Ora, o que impede que, por dentro dessa campanha, seja travada uma luta sem trégua contra o famigerado arcabouço fiscal? Diria o velho Trotsky: falta a essa gente a dialética.

 

21 DE SETEMBRO: “SEM ANISTIA”

 

Sem renegar às suas convicções e ao seu programa, diversas forças políticas se juntaram no dia 21 de setembro para enfrentar a declaração de guerra da Câmara dos Deputados, que, dominada pelo Centrão e pela extrema-direita, aprovou o que o povo já classificou como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da bandidagem e, 24 horas depois, ainda aprovou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei que anistia os golpistas. 

Quem não viu a Campanha das Diretas (1984) ou a campanha presidencial de Lula em 1989 (notadamente no segundo turno), teve a oportunidade de testemunhar algo aparentado: a ampla unidade que aglutinou intelectuais, artistas, democratas, marxistas, sindicatos, movimento popular e organizações políticas de esquerda, questão de grande importância quando se quer produzir grandes mobilizações nesse país.

Nesse cenário de intensas disputas, o governo Lula sonha com o tranquilo começo do século, embora o mundo já esteja caminhando para o segundo quartel do século XXI. Nessa quadra, os fascistas obtiveram influência de massa, ao passo que os socialistas e os comunistas, até mesmo a social-democracia, que são os seus alvos políticos prioritários, tiveram a sua capacidade mobilizadora reduzida. O mundo mudou, mas uma coisa não se alterou: a necessidade da unidade das organizações da classe trabalhadora (revolucionárias, centristas, reformistas, semi-reformistas etc.) para enfrentar o fascismo nas ruas.

À primeira vista, Lula sonha governar em condições de paz com um parlamento chefiado por reacionários a serviço do capital e por fascistas periculosos, quando só há uma forma dele governar esse país: apoiado na mobilização popular. Posto isso, a tática da Frente Ampla, isto é, do governo tíbio e glacial, não pode ser a saída para favorecer as centenas de milhares de pessoas que foram às ruas em 21 de setembro, e, principalmente, aos que apoiaram sem participar das manifestações, pois, em larga medida, estavam trabalhando sob a regência brutal da escala 6x1, fazendo entregas para as plataformas ou penando para garantir o almoço de domingo.

Felizmente, o 21 de setembro evidenciou que a esquerda não perdeu inteiramente a sua capacidade de mobilização, embora também tenha demonstrado que isso só é possível pela vigorosa unidade de suas forças. Apenas a frente única (e, em alguns casos, a unidade de ação) e a mobilização popular podem salvar o Brasil das garras do imperialismo e do fascismo local, inclusive impedindo a anistia aos golpistas (questão central nas manifestações deste domingo).

Os lados para dançar estão se estreitando. De que lado você dança?


Fábio José de Queiroz, professor da URCA









domingo, 14 de setembro de 2025

setembro 14, 2025



DISPARARON AL PIANISTA

Depois de 49 anos, os restos mortais de Francisco Tenório Jr., talentoso músico brasileiro, tiveram identificação confirmada na Argentina e serão enviados para ter o sepultamento devido no Brasil.


Tenório Jr. "desapareceu" na Argentina enquanto ecompanhava Vinícius de Moraes e Touquinho numa excursão que realizavam naquele país. Seu rapto seguido de morte, em 18 de março de 1976, provavelmente se inseriu na Operação Condor, acordo entre os EUA e as ditaduras latino-americanas que visava à perseguir a resistência democrática em todo o continente.


Esta hipótese se fortalece porque seu "desaparecimento" se deu quando o sangrento golpe de Estado argentino já estava nos últimos preparativos e foi desencadeado 24 de março, apenas 6 dias após a captura do músico. A esta altura, todo o sistema repressivo dos generais argentinos já estava em operação e, como hoje se sabe, em colaboração com os gorilas brasileiros. 


Por uma coincidência, a identificação dos restos de Tenório Jr. ocorre no momento em que os golpistas Bolsonaro e mais 4 generais e membros de seu infeliz governo são condenados pela tentativa de perpretar um novo golpe militar no Brasil.


A inesperada presença de Tenório Jr. nos alerta para o fato de que todos os que golpearam as liberdades públicas, prenderam, torturaram, mataram e exilaram, assim como aqueles, como Bolsonaro e sua organização criminosa, que tentaram repetir isso, precisam ser julgados e pagar na forma da lei por seus crimes.


Mais ainda, é preciso varrer da Constituição e da legislação infraconstitucional todos os mecanismos de tutela militar sobre a nação. 


Reportagem do Estadão informa que o "filme "Atiraram no Pianista", do diretor espanhol Fernando Trueba, conta a história de Tenório Júnior. Com depoimentos de Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Ferreira Gullar, Gilberto Gil, Toquinho e mais figuras importantes da música brasileira, o longa ganhou como melhor animação o Prêmio Goya, de 2024, e foi indicado ao Oscar"


O filme está no Prime Video em versão para compra ou aluguel.


A música chora mais uma vez a perda de Tenório  Jr., mas sua memória também nos traz esperança de que as ditaduras não mais passarão.


Eudes Baima, professor da UECE

setembro 14, 2025



Sobre a concepção marxista de ser humano

 

O Homo sapiens é, em primeiro lugar, um ser natural vivo, isto é, corpóreo, sensível e objetivo, que possui toda uma história evolutiva anterior– constituída pela dialética da aleatoriedade das mutações genéticas e da necessidade da seleção natural –, uma base biológica não eliminável.

Mas, não só isso, o ser humano compartilha, com os animais e as plantas, a esfera orgânica do ser, a dependência e a limitação de não ser autossuficiente, pois os objetos de suas necessidades existem fora dele na natureza, os quais são indispensáveis para a atuação e confirmação de suas forças essenciais.

O ser humano, como os demais seres da esfera orgânica, vive da natureza por sere, também, parte dela: “[...] a natureza é seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer” (MARX, 2004, p. 84). Homens e mulheres, porém, não são simples seres naturais que se adaptam ao meio ambiente, segundo as leis da seleção natural. Municiado de suas próprias forças naturais – como, por exemplo, o cérebro grande e complexo, a visão binocular, o bipedismo, a habilidade manual e a potencialidade da “fala” – homens e mulheres são seres naturais ativos, nos quais essas forças se apresentam como capacidades e possibilidades.

 Segundo Costa (2007), do ponto de vista natural, a constituição física do Homo sapiens é inferior a da maioria dos animais. O ser humano não tem a pelagem necessária para manter o calor do corpo num ambiente frio. O corpo humano não é tão eficiente para a fuga, defesa própria ou caça; não possui uma velocidade excepcional, uma coloração protetora ou uma armadura corporal; falta-lhe acuidade visual ou força muscular para lhe dar vantagem sobre sua presa ou defender-se.

Não obstante tudo isso, a espécie Homo sapiens historicamente demonstrou uma capacidade superior de ajustar-se ativamente a diversos ambientes do que qualquer outro ser biológico. De multiplicar-se mais rápido do que qualquer mamífero superior. E, no fundamental, foi capaz de, subordinando a natureza às suas necessidades, constituir uma nova estrutura da realidade – a esfera social – não presente na natureza, embora sem ela não exista.


Frederico Costa, professor da UECE

 

Referências

MARX. Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

COSTA, Frederico Jorge Ferreira. Ideologia e educação na perspectiva da ontologia marxiana.Tese (Doutorado em educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.


sábado, 13 de setembro de 2025

setembro 13, 2025


153 ANOS DA MORTE DE LUDWIG FEUERBACH, FILÓSOFO DA LIBERTAÇÃO 


Hoje, 13 de setembro, há 153 anos, morria o filósofo materialista Ludwig  Feuerbach.


Feuerbach encarna a mais significativa ruptura à esquerda com o idealismo de Hegel, antes de Marx e Engels.


Com efeito, Feuerbach exerceu uma importante influência sobre os próprios Marx e Engels. 


É certo que Marx e Engels superaram e romperam com Feuerbach em função deste, no que pese ter afirmado a precedência da vida material sobre a produção das ideias e da ideologia, não ter chegado a entender que o próprio ser humano é a parte ativa do mundo sensível, quer dizer que a superação da alienação é uma tarefa antes de tudo prática, ou seja, revolucionária. 


Contudo, o patamar compreensivo a que Feuerbach chegou foi imprescindível para a emergência de uma perspectiva revolucionária, como disse Marx ao afirmar que Feuerbach já realizara por completa a crítica da religião.


Agora, um aspecto pouco conhecido da vida de Ludwig Feuerbach é que ele foi, longe de meramente um pensador, um homem ativo na transformação da realidade: sua vida esteve ligada às organizações operárias e populares de sua época. Ao passar dos anos, Feuerbach se sentia cada vez mais ligado ao proletariado, e se sabe que estudou O Capital, de Marx, nos últimos anos de sua vida. 


Feuerbach não foi apenas um intérprete da realidade posta, mas um homem da "Filosofia do Futuro".


Seu funeral, em 13 de setembro de 1872, congregou num cortejo milhares de trabalhadores, e recebeu a saudação seguinte do Partido Social Democrata, ao qual se filiara: “Trabalhadores! Companheiros! O grande lutador pela libertação do povo em relação à escravidão espiritual, o famoso pensador, o instruído filósofo Ludwig Feuerbach caiu para a morte… e… nem a situação política e nem a situação social, pela qual ele nos é conhecido, vos impedirá de nos estender as mãos para uma manifestação de massas contra o sacerdócio!”.


Para ler:


- Princípios da Filosofia do Futuro

- A Essência do Cristianismo

- Preleções sobre a Essência das Religiões 


Eudes Baima - professor da UECE

sábado, 6 de setembro de 2025

setembro 06, 2025


EM DEFESA DA VIDA DO POVO PALESTINO E PELA PAZ

O genocídio permanente e brutal, praticado por Israel contra o povo Palestino, é um crime contra a humanidade. O assassinato continuado de crianças, mulheres e adultos não pode continuar. Precisamos, todas e todos humanistas e democratas, reagir contra estas atrocidades. Propomos, neste documento, dez pontos de luta contra o genocídio sionista, em defesa do Povo Palestino e da Paz.


- Que o Estado Sionista de Israel pare, imediatamente, os ataques com mísseis, aviões de caça, drones, tanques e explosivos, suspendendo a destruição de hospitais, universidades, casas e a matança sistemática de criança, mulheres e adultos palestinos.


- Que todas as fronteiras e acessos à Palestina sejam abertos para permitir o fluxo de ajuda humanitária internacional de alimentos, água, medicamentos, roupas e demais utensílios de proteção da saúde e da vida.


- Que sejam construídas, tempestivamente, creches e abrigos seguros para acolher, cuidar e proteger a saúde e a vida de pequenos palestinos órfãos de guerra.


- Que seja criado um Fundo Soberano Internacional, que assegure recursos para a reconstrução de Gaza e demais regiões palestinas.


- Que se iniciem as negociações de Paz, mediadas pelo Conselho de Segurança da ONU, começando-se pela libertação de todos os prisioneiros de guerra.


- Que o Brasil participe ativamente das negociações de Paz, contribua com generosidade para o Fundo Soberano, pressione com vigor Israel para parar o extermínio, através de rigorosas sanções econômicas e rompimento das relações diplomáticas com o Estado Sionista de Israel.


- Que haja o reconhecimento Internacional do Estado Soberano da Palestina e de seu Governo, a ser livremente eleito e sejam instaladas Embaixadas, num movimento de fortalecimento de sua autonomia. Que Jerusalém seja a Capital da Palestina e Sede do Governo.


- Que os territórios, propriedades e residências Palestinas, ocupadas arbitrariamente por israelitas sionistas, sejam devolvidas e os limites geográficos e políticos do Estado Palestino sejam reconstituidos, desconsiderando a Resolução 181 da ONU de 29 de Novembro de 1947, pois esta resolução configura-se como injusta, arbitrária e ilegal, pois as Nações Unidas não tinham nenhuma jurisdição sobre os territórios palestinos.  Ela fixa uma deformidade, pois destina 57% da Palestina para os imigrantes israelitas e apenas 43% para os árabes palestinos nativos. E arbitra pela necessidade de reconhecimento de dois Estados, o Palestino e o Israelense. O episódio que segue a Resolução 181 é chamado pelos irraelenses de "independência". Para os palestinos, no entanto, este período é chamado de "Nakba" (destruição), em que se inicia a limpeza étnica por parte de Israel. Tempos depois os palestinos iniciaram uma campanha em defesa dos seus territórios históricos com o slogan "do rio (Jordão) ao mar", como resistência e reconquista.


- Que Netanyahu e o comandante das Forças de Defesa de Israel sejam denunciados formalmente ao Tribunal Penal Internacional de Haia, como genocidas qualificados, e sejam devidamente julgados, assegurando-se seu plano direito de defesa.


- Que a paz, a liberdade, a soberania e o direito sagrado à vida renasçam no solo Palestino e que suas "crianças cantem livres sobre os muros".


Romper relações diplomáticas e comerciais com o Estado Sionista de Israel!


O POVO PALESTINO MERECE VIVER!

PALESTINA LIVRE E SOBERANA!


Fortaleza - Ce, 30 de julho de 2025


Manoel Fonseca - Médico Epidemiologista e Escritor

Iracema Serra Azul da Fonseca - Bióloga e Auditora Fiscal

terça-feira, 19 de agosto de 2025

agosto 19, 2025


85 ANOS DEPOIS DE SEU ASSASSINATO, TROTSKY AINDA É O CARA

Diante dessa conjuntura, nos 85 anos do assassinato de Trotsky, 21 agosto de 1940, por ordem de Stalin, surge a necessidade de um reencontro com a obra do dirigente, ao lado de Lênin, da Revolução Socialista Russa de 1917 e organizador do Exército Vermelho, que venceu forças militares contrarrevolucionárias apoiados por catorze países na guerra civil. Trotsky conseguiu unir, em sua defesa das lições da Revolução de Outubro e do internacionalismo proletário, uma frente única composta de estranhos aliados de ocasião como liberais, conservadores, fascistas, social-democratas, anarquistas e é, óbvio, seu tenaz inimigo, o stalinismo com seu aparato burocrático. Mesmo assim, seu nome se destaca ao lado de dirigentes revolucionários e intelectuais marxistas como Lênin, Rosa Luxemburgo, Gramsci e Lukács.

 

Embora o nome de Trotsky, como o de Lênin, não seja palatável nas universidades, não se pode pensar o mundo atual, na perspectiva política radical da emancipação humana, isto é, do comunismo, sem dialogar com ele, adjetivado por um de seus principais biógrafos de profeta.


Esse adjetivo não foi ato de uma simples admiração de discípulo ou crença sobrenatural, mas evidência da sensibilidade analítica Trotsky em perceber a realidade com a arquitetura teórica do materialismo histórico a partir de uma imersão profunda na luta de classes de seu tempo.

 

 Trotsky identificou, em 1905, as coordenadas do futuro processo revolucionário russo baseado na legalidade histórica do desenvolvimento desigual e combinado, o que ficou conhecido como “teoria da revolução permanente”. 


Trotsky antecipou, também em 1905, a função futura dos sovietes (conselhos operários) como órgãos de auto-organização dos trabalhadores, expressão da independência de classe e a possibilidade de se constituírem como estruturas de poder.


Trotsky percebeu, na luta interna no Partido Comunista da URSS, a tendência do fracasso e isolamento da Revolução de Outubro caso vencesse a fração stalinista, representante política da burocracia emergente, com sua teoria antimarxista do “socialismo num só país”.


Trotsky vislumbrou a vitória do nazismo e, consequentemente da barbárie, como resultado das políticas divisionistas do stalinismo e da social-democracia em se negarem a construir uma frente única no movimento operário alemão para deter o crescimento das hordas nazistas.


Trotsky indicou a emergência da hegemonia do imperialismo estadunidense no sistema imperialista mundial, fruto do enfraquecimento dos imperialismos europeu (Alemanha, Inglaterra e França) e do imperialismo japonês, além das tendências para a estruturação de um “Estado forte” e a absorção das contradições mundiais do capitalismo pelos EUA. 


Trotsky, em relação à China, apreendeu as contradições de seu processo revolucionário e sua dinâmica, na década de 1920, o que serviu de base para lapidar a teoria da revolução permanente, mostrando as possibilidades de revolução socialista nos países atrasados ou periféricos da América Latina, Ásia e África.


Trotsky prognosticou a inevitável derrota do movimento operário como consequência da política stalinista de “Frentes Populares” (hoje, frentes amplas) e da divisão da revolução em “etapas”, o que desarmava o protagonismo dos trabalhadores. Pois, descartando a experiência da Revolução Russa, o stalinismo reeditava as teses mencheviques de aliança estratégica com a burguesia, na década de 1930, como da França (1934-1936) e na guerra civil espanhola (1936-1939).


Essas contribuições de Trotsky ao marxismo e ao movimento operário-popular se tornaram efetivas e vigentes não só para o movimento comunista trotskista, chamado por Trotsky, em seu tempo, de bolchevique-leninista, mas para a luta de classe pelo socialismo. Isso porque a história do século XX confirmou o legado revolucionário de Trotsky.


Nos países periféricos como China, Coreia, Vietnã e Cuba, por exemplo, evidenciou-se os mecanismos da teoria da revolução permanente. A revolução socialista só foi vitoriosa porque houve um movimento interno de superação dos limites de uma revolução democrática para uma revolução socialista, implicando um rompimento estratégico com a burguesia e o imperialismo. 


A lógica da revolução socialista permaneceu, também, nos países imperialistas, contra as concepções stalinistas e social-democratas. Na Europa Ocidental no imediato fim da Segunda Guerra Mundial (1945), como na França e Itália, houve um processo revolucionário que foi detido por concessões inéditas ao movimento de massas (Estado de Bem-estar Social) e pela capitulação das direções do movimento operário (PCs stalinistas e social-democracia). 


A tática de Frentes Populares (frente amplas) propugnada pelo stalinismo continuou colhendo derrotas e sepultando possibilidades de revolução socialista, onde foi aplicada: na Europa ocidental no imediato pós-guerra, com Partido Comunista Italiano (PCI) e o Partido Comunista Francês (PCF), na Revolução do Cravos em Portugal de 1974, no Chile em 1970-1973, na Nicarágua em 1980 e, no Brasil no ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores (PT).


A ausência de uma direção revolucionária internacional limitou a articulação dos processos revolucionários nacionais. Sob ordem de Stalin, a III Internacional (Internacional Comunista) foi dissolvida em 1943 para não provocar o imperialismo. O que não adiantou nada, pois em 1948 as provocações imperialistas desataram a Guerra Fria. Isso contribui para o atraso de processos revolucionários vitoriosos, que quando ocorreram não se expandiram numa perspectiva mundial, levando-os ao isolamento e à burocratização.


Os Estados operários como URSS, Leste Europeu e China chegaram a um impasse, o que levou a maioria à restauração do capitalismo, devido a crise econômica e política causada pela burocracia, camada social que tomou a direção política do proletariado. Mesmo assim, os Estados operários sobreviventes sustentam-se sobre processos revolucionários que expropriaram a burguesia e o imperialismo, garantido condições de vida para a maioria da população que cada vez mais parecem sonhos se comparadas com as condições sociais de trabalhadores até do chamado “Norte global”.


Isso que foi dito até aqui, indica como a denominada orientação trotskista, fundada nas conquistas teóricas e programáticas de um dos dirigentes da Revolução Socialista de 1917, conseguiu apanhar a linha mestra do desenvolvimento da luta de classes no século XX. 


Nessa perspectiva, Trotsky ainda tem muito a disser aos trabalhadores e oprimidos no século XXI. Sua derrota política e assassinato levantam o dedo acusador para a política vencedora da fração stalinista, que conduziu o movimento comunista internacional a sucessivas derrotas, que hoje reverberam no cotidiano dos que tudo produzem.


Frederico Costa, professor da UECE

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

agosto 18, 2025





UMA REPUBLICAÇÃO NECESSÁRIA

Nesta semana, nosso excelente Miguel Angelo Azevedo Nirez, cumprindo seu papel de memorialista, registrou a data da morte do filósofo Gustavo Barroso, e o fez corretamente, dando sequência aos registros que faz diariamente de datas relacionadas à nossa história.
Problema é que logo apareceram os comentários de admiradores do pensador antissemita nazifascista cearense.
Por isso acho adequado republicar uma crítica que fiz a um pequeno livro do professor Diatahy Menezes sobre a vida do nazifascista. O post original que republico é de 19/6/2023.

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Agora, enquanto esperava atendimento da gerência do banco, li o pequeno ensaio de Diatahy Menezes, Gustavo Barroso - um cearense "ariano" (2006, Museu do Ceará).
O título faz a promessa de uma visão mais crítica sobre o personagem, mas o ensaio biográfico é decepcionante.
E não só porque é pouco elucidativo, mas também porque o professor Diatahy passa um pano gigante para o pensador fascista cearense, tratando seu período de maior militância na extrema-direita como uma espécie de acidente no geral de sua biografia política, mas também reiterando uma queixa acerca do tratamento dado a Barroso pela historiografia em função de sua inclinação ideológica.
Mas curiosamente, ao contrário dos comunistas, esquerdistas e democratas, que pagaram duramente pela resistência ao Estado Novo, Barroso não perdeu por muito tempo nenhum único privilégio ou cargo, mesmo tendo conspirado e participado de duas tentativas de golpe de Estado.
Ao fim do período Vargas, Barroso estava lépido e fagueiro à frente do Museu Nacional e da Academia Brasileira de Letras, como se nada tivesse acontecido.
Sem falar no tratamento simpático que Diatahy dispensa ao perfil humano de Barroso.
A título de justiça, Diatahy não deixa de citar todas as posições fascistas e racistas de Barroso, expressos principalmente no seu período de membro da alta cúpula do Integralismo.
Aos que não sabem, Gustavo Barroso representava a "ala direita" do Integralismo. Enquanto Plínio Salgado macaqueava os modos de Mussolini, Barroso era da vertente hitlerista da Ação Integralista Brasileira.
A relativa simpatia pelo personagem da parte do autor aparece logo na dedicatória do livro, feita a seus filhos e onde se refere a Barroso como "um homem que amou estranhamente sua sofrida e bela Terra da Luz". Na abertura do capítulo "O Integralista Antissemita", Diatahy escreve: "Com o movimento revolucionário de 30, é evidente que Gustavo Barroso, homem conservador e amante da ordem e da disciplina, saiu politicamente disprestigiado"...e o caso de perguntar cearensemente ao professor: diabeisso? As pessoas "amantes da ordem e da disciplina" teriam salvo conduto para aderir ao fascismo? Esta característica diminui a responsabilidade de Barroso por sua opção consciente ao hitlerismo?
Enfim, Barroso ainda precisa de uma biografia que lhe faça justiça como um nazifascista que envergonha o estado do Ceará.
PS: Entre uma série de atitudes criminosas, inclusive atacar fisicamente uma operária grevista no RJ, Barroso traduziu e fez publicar a célebre falsificação antissemita intitulada "Protocolo dos Sábios do Sião" e o libelo racista de Henry Ford, "O Judeu Internacional".

Eudes Baima, professor da UECE

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Sem anistia, nem aos fascistas vivos, nem aos mortos!
agosto 18, 2025

CARTA N.º 4 SOBRE A CONJUNTURA: ALGUÉM FALOU IMPERIALISMO?


 

Fábio José de Queiroz

 

INTRODUÇÃO

 

Nesta carta, analiso as últimas semanas nas quais os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, decidiram taxar e sancionar o Brasil à luz de motivações políticas e econômicas, trazendo, depois de algum tempo, o tema do imperialismo das páginas amareladas dos livros para o centro da conjuntura política. É disso que eu trato na Carta n.º 4: Conjuntura e Imperialismo (com uma necessária contextualização histórica).

 

IMPERIALISMO?

 

Demétrio Magnoli, o reacionário comentarista da Globo News, militou no movimento estudantil na mítica Liberdade e Luta (Libelu). Não é surpreendente, portanto, que, ao romper com o seu passado de esquerda, uma das primeiras atitudes adotadas por Magnoli foi opor-se à categoria histórica do imperialismo. Para ele,   

 

[...] o conceito de imperialismo – uma formulação de origem liberal, assimilada pelo marxismo no curso de sua subordinação ao pensamento nacionalista – completou a sua evolução singular, transformando-se em lugar comum ideológico destituído de qualquer interesse analítico (Magnoli, 1995, p. 426).

 

E assim ocorreu com muitos “ex-esquerdistas”, convertidos ao credo liberal e a outros valores e crenças que a burguesia desenvolveu ao longo de seu domínio. Só que um dos traços da época imperialista é a existência continuada de nações opressoras e nações oprimidas, e a névoa teórica que oculta esse fato é a que, em regra, vem dando origem a numerosos equívocos.

De modo particularmente incisivo, a agressiva política imperialista de Trump, o caubói fora da lei, em lugares tão distantes e distintos entre si, a exemplo do chamado Oriente Médio e do Brasil, é apenas um mero exemplo de que o esquematismo antimarxista de negar o imperialismo se desmancha no ar.

 

IMPERIALISMO E QUESTÃO NACIONAL NA TRADIÇÃO MARXISTA

 

A chamada questão nacional marcou fortemente os debates entre os marxistas. Rosa Luxemburgo e Karl Radek defendiam que esse era um problema que se encerrara no século XIX no contexto das revoluções burguesas. Lênin, ao contrário, sustentava que esse tema mantinha toda a sua gravíssima atualidade na época imperialista, e, desse modo, não era uma questão resolvida. Assim, nos primeiros congressos da III Internacional, Lênin e Trotsky deram grande relevância a esse tema, que, desenvolvido nas “teses sobre as questões nacional e colonial” e nas célebres “teses sobre o oriente”, se tornou uma questão de primeira ordem para os comunistas/socialistas ao longo do século XX, alcançando o XXI. 

No Programa de Transição, Trotsky esgrimiu a tese de que as principais tarefas nos países coloniais e semicoloniais, no plano imediato, passava pela defesa da independência nacional e da transformação radical da estrutura agrária. No plano prático, chegou a afirmar que, em uma disputa entre o Brasil de Vargas e o imperialismo “democrático” britânico, os revolucionários deveriam ficar ao lado do Brasil como nação oprimida.

Esse problema retomou a praticidade mais de 40 anos depois, durante a Guerra das Malvinas, quando o marxista argentino Nahuel Moreno, ainda em meio à ditadura militar, defendeu que era necessário apoiar a Argentina contra a Inglaterra, incondicionalmente. 

Note-se que, nas mais diferentes circunstâncias, mesmo entre os marxistas, essa questão não foi tratada como um ponto pacífico. Independentemente disso, contudo, o que se evidencia é que, dessa complexa situação, deve ser extraído que a questão nacional não se concluiu no século XIX, como acreditavam Luxemburgo e Radek, mas ela permaneceu (e permanece) como uma das questões mais candentes da atual época histórica, tal como se depreende dos pressupostos de Lênin e dos primeiros congressos da III Internacional.

Assim, a defesa incondicional dos povos oprimidos mantém-se como ponto programático de qualquer organização que, à luz da experiência histórica, apoia as suas posições no arsenal marxista, que as consolidou levando em consideração um sem-número de discussões e controvérsias, o que demonstra o caráter proativo do marxismo.

 

UM BREVE EXEMPLO HISTÓRICO NO BRASIL

 

A última vez que o Brasil esteve sob o ataque do imperialismo ianque, com esse grau de brutalidade, foi às vésperas do golpe de 1964. À época, a defesa de uma nação oprimida entrou na ordem do dia. Quantas pessoas decididamente de esquerda, no entanto, não se recusaram a se posicionar ao lado de João Goulart diante das investidas do imperialismo estadunidense? Alegavam que o programa liberal do ministro da fazenda, Santiago Dantas – o Plano Trienal, marcado por um rigoroso corte de gastos –, era uma demonstração não só do caráter “liberal”, mas também “pró-imperialista” do governo nacionalista-burguês. Desse modo, ele estaria inabilitado politicamente a mudar o seu rumo e de defender o país.

Goulart, no entanto, fez aprovar no Congresso Nacional a sua proposta de controle da remessa de lucros e, depois, lançou o seu programa de reformas de base. Em seguida, foi derrubado por um golpe de Estado amparado pelo imperialismo estadunidense.

A história é permeada de exemplos assim, em que determinado agrupamento político ou determinada personagem avança para além de seus piedosos desejos. Atualmente, na academia, intelectuais profissionais costumam ressaltar que a história não ensina nada. Em parte, é verdade, principalmente para quem não quer aprender.

 

BRASIL: COLONIALISMO E SEMICOLONISMO NO CONTEXTO DO IMPERIALISMO

 

A condição da base econômica e da realidade financeira brasileira me leva a concluir que o Brasil é um país semicolonial, periférico ou subordinado no plano das relações internacionais. Desse modo, a defesa apenas condicional da soberania brasileira, nas condições atuais, de domínio do capital financeiro e de sua manifestação na forma do imperialismo contemporâneo, é um erro gritante.

O colonialismo imperialista é uma das razões históricas da situação de dependência de economias como a brasileira. Em vista disso, a contraposição do governo Lula da Silva às sanções do déspota Donald Trump assume objetivamente um caráter anticolonialista, malgrado os seus evidentes limites. Aqui é preciso observar ser impossível compreender a história do imperialismo sem levar em conta a sua natureza colonialista. Decorre desse fato que a luta contra o colonialismo assume um caráter de incondicionalidade. 

Isso expresso, o mundo vive, neste momento, uma situação política potencialmente explosiva, que pode conduzir tanto a um golpe contra o colonialismo de natureza imperialista quanto a um desenvolvimento piorado da condição colonial, a exemplo do que acontece com o povo palestino.

Tal como se apresenta o problema, a situação enfrentada pelo Brasil não era completamente imprevista, ainda que fosse naturalmente improvável delinear como e quando ela iria se manifestar. Ela se manifestou, e agora?

 

O ATAQUE IMPERIALISTA AO BRASIL

 

Este é um dado, de fato, incontroverso: o Brasil está sob um ataque do imperialismo ianque. Há guerras e guerras. Os marxistas aprenderam com Clausewitz que a guerra é a política por outros meios. Mas o que é a guerra comercial ou econômica se não um modo particular de manifestação da política por outros meios?

O ataque de Trump abriu um atalho para revelação da natureza rapace do imperialismo para amplas parcelas das massas populares. Por forças das circunstâncias, o governo Lula foi além do que poderia supor a vã filosofia do esquerdismo vulgar.

Lula irá mais longe? É uma hipótese pouco provável; lembro, contudo, que a história está cheia de hipóteses poucos prováveis que, objetivamente, se consumaram. Tudo isso dependerá da evolução dos fatos da luta de classes, não apenas no terreno nacional, mas também em escala internacional.

Em todo caso, é necessário substituir a sociologia abstrata pela política concreta. Assim sendo, é indispensável se solidarizar com as medidas adotadas no âmbito político e institucional e defender, no rastro dessas medidas, um programa anti-imperialista, que levante a defesa da unidade dos povos da América Latina e do Caribe frente à política de rapinagem de Trump. O Brasil não tem como se defender sozinho.

As medidas programáticas defendidas por um marxista, seguramente, vão além do que o governo calcula ser essencial e inevitável. A única forma desses dois movimentos convergirem é a luta de classes se acelerar e escalar novos patamares. Está longe disso acontecer, todavia, a situação atual não estava nos cálculos mais otimistas. Como escreveu Goethe, a teoria é cinza; verde é a árvore da vida

Até que ponto as coisas podem avançar não depende apenas de vontade política, mas ela é um componente básico do complexo encadeamento que constitui uma dada conjuntura. Agora, trata-se de testar a política. O que não é possível é assistir aos acontecimentos como meros comentaristas da luta de classes. Ação e palavra devem corresponder rigorosamente. Os expectadores costumam ajudar a história a vir de lá para cá; a tarefa de um marxista é de conduzi-la daqui para lá. 

Dito isso, é preciso estar ao lado da autodeterminação do povo brasileiro e da soberania nacional que lhe é inerente; isso de forma incondicional. O que não impede que cada organização, no campo da esquerda, siga a luta por um programa que reflita as reais necessidades da classe trabalhadora, e não as da Faria Lima. Mesmo isso, hoje por hoje, começa pela defesa incondicional do Brasil diante do imperialismo estadunidense.

 

POIS É, ALGUÉM DISSE IMPERIALISMO?

 

Como quer que seja, se alguém disse imperialismo, falou certo, sem tirar, nem pôr. Não acidentalmente foram proferidas as palavras de Luís Inácio Lula da Silva: “Não é um gringo que vai dar ordens a este presidente”. Nessa perspectiva, é necessária uma política estreitamente ligada a essa situação, e não a uma anterior ou a do futuro. Essa é uma face do problema frequentemente negligenciada. Por isso, a indagação “E se o governo trair e capitular” não pode ser a base inicial de uma política concreta.

Para uma avaliação correta e necessariamente crítica do governo de Lula, é forçoso partir de seus acertos no embate contra Trump. Do contrário, o mais talentoso dos revolucionários conversará somente com os seus pares, desprezando o diálogo com milhões de pessoas que foram despertadas para o tema da luta anti-imperialista.

Essas pessoas, aliás, não chegaram até aqui depois de ler as teses sobre as questões nacional e colonial da III Internacional. A pedra de toque foi a atitude correta que o governo adotou perante o tarifaço e o intervencionismo imperialista nos negócios internos do Brasil. Qualquer que seja o juízo crítico que se queira formular acerca do governo do país – o que é inteiramente justo e legítimo –, deve partir dessa constatação primária.

Lula, na prática, reafirmou um velho princípio do nacionalismo neste país: Brasil com “z” jamais. É daqui que tomo impulso para afirmar que a luta anti-imperialista escalou no Brasil. O mundo inteiro olha pra cá, inclusive da Europa (que capitulou vergonhosamente ao Trump) e mesmo dos Estados Unidos.

Essa oportunidade não pode ser perdida, até do ponto de vista da educação política de milhões de pessoas. Mas é também uma oportunidade para exigir do governo a compensação recíproca pelos estragos na economia nacional (e não apenas proteger o grande capital). A incidência operatória dessa medida depende menos dos socialistas e comunistas do que do governo, aliás enredado pelo caráter limitante da frente ampla.

As credenciais democráticas do governo Lula são nítidas. A questão de até que ponto ele será consequente na luta democrática e anti-imperialista é um problema que só será resolvido no terreno das forças em disputa. Não obstante aos limites do governo, o fato é que, por um caminho original, em parte, o tema do imperialismo voltou à torna, e para retomar o fio do anti-imperialismo, não se pode menosprezar essa situação.

 

CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

 

É possível que tenha que voltar ao tema do imperialismo em outro momento. Faltou aqui, por exemplo, examinar o papel da extrema-direita bolsonarista como braço do imperialismo ianque no Brasil. Faltou também examinar os temas do Supremo Tribunal Federal (STF) e da mídia. Creio que não faltará chance para abordar esses assuntos.

De tudo que escrevi, parto para algumas conclusões que julgo essenciais. A primeira delas é que o trumpismo é um projeto político autocrático, antipopular, racista, xenofóbico e colonialista, para ficar apenas em um pequeno número das suas facetas. É ele que está à frente do ataque às economias do mundo, e, em particular, da brasileira. De feito, Trump golpeia um país importante dos BRICS, reforça a balança comercial norte-americana e ainda atende aos interesses de seu grupo-satélite no Brasil: o bolsonarismo.

A segunda conclusão, decorrente da primeira, é que a defesa do Brasil e o enfrentamento a Trump são semelhantes no que toca ao futuro do país, que, na hipótese do triunfo do trumpismo, passaria de uma semicolônia privilegiada a um degrau abaixo dessa condição. No limite, isso implicaria não só um reforço nos alicerces da dependência, mas um enfraquecimento do Estado brasileiro no concerto das nações.

Por fim, só o futuro poderá mostrar até onde o governo será capaz de ir em sua defesa da independência nacional. Daqui a um tempo será justo indagar: “O que foi que conseguimos?”. Atualmente, contudo, a questão é: “O que podemos fazer para enfrentar as sanções estadunidenses e escudar a nossa autodeterminação como povo e nação?”. Essa questão, desde um ponto de vista leninista, não pode ser objeto de condicionalidade. Em suma, a luta contra a sujeição imperialista não é só necessária, é incondicional.

 Fábio José de Queiroz

REFERÊNCIA

MAGNOLI, Demétrio. As origens da guerra fria. In: COGGIOLA, Osvaldo.  (org.). Segunda Guerra mundial: um balanço histórico. São Paulo: Xamã/FFLCH-USP, 1995.