sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

dezembro 12, 2025



COMPLEXO DE PETER PAN E FUTEBOL 


[Há 3 anos eu escrevi este texto, depois da derrota dos meninos do Brasil para os idosos fumantes da Croácia. Ainda gosto bastante dele e ele me parece bem atual]


Tem um "debate" sobre o foco  nos cabelos (aliás, cortes horrorosos) e ensaio pras dancinhas dos jogadores da Seleção Brasileira. Uma conversa superficial, muitas vezes moralista, que nem arranha o problema de fundo que estes itens revelam.


Nem é tão de fundo assim o  fato de que o foco nos cortes e nas coreografias indicam a soberba, a arrogância de quem quer estar bem na foto depois da vitória, considerada certa, antes mesmo do jogo jogado.


Mas tem algo mais aí (aliás,  muito mais, sobre o que eu não tenho qualificação pra falar): quando eu era criança, copas de 70 e 74, ou adolescente, 78, ou muito jovem, 82, os jogadores pareciam muito mais velhos, homens feitos, adultos. Claro que pesava o fato deles serem realmente mais velhos do que eu, mas o ponto principal não é o cronológico.


Referiam-se aos craques de antanho com tratamentos adultos, professorais, destinados a sábios em suas áreas de atuação. Ninguém era chamado de "garoto", "menino", embora fossem jovens. Quem chamaria Clodoaldo de garoto em 70, embora ele tivesse meros 25 anos? Como atribuir tratamentos juvenis à Enciclopédia Nilton Santos ou ao Mestre Ziza, embora fossem jovens  atletas? Eram formas de tratamento que supunham homens adultos, experientes, conhecedores de seus ofícios, ainda que tão somente rapazes que jogavam bola.


A voragem da máquina mercante exige juventude, uma juventude eterna. Quantas vezes vimos narradores nesta copa chamar homens de 24, 25 anos de garotos, meninos, moleques (parece que ficou meio ridículo continuar a usar "menino Ney"), como se fosse um pressuposto de excelência dos jogadores? Até o rodadíssimo Casimiro foi chamado de garoto por Galvão Bueno no jogo contra o amador time da Coreia.


Um aspecto deste fenômeno de peterpanrização dos jogadores brasileiros é que de fato eles foram poupados das etapas de amadurecimento. Arrancados do Brasil com 12, 13 anos de idade, formados e iniciados no jogo em equipes milionárias, onde em geral não ocupam postos de grande responsabilidade nas partidas, eles não engrossaram o couro, não passaram pelos perrengues dos campos do interior, pelas durezas, mas também pelas alegrias dos campeonatos de divisões inferiores, nunca tiveram de dar satisfação a torcidas apaixonadas, posto que não têm afinidade afetiva com os adeptos das empresas mafiosas em que jogam. Por isso não aprenderam a segurar um placar a menos de 3 minutos do fim do jogo, professam uma ética abstrata que os impede de travar a continuidade do jogo e fazer uma mera falta para parar o contragolpe adversário por medo de tomar um cartão e não jogar a próxima partida e  perder os eventuais holofotes da glória. Enfim, o egoísmo autocentrado, neste caso, é também pueril. Ao menos uma temporada na série B brasileira, nas fases iniciais da Copa do Brasil, uns jogos contra o Iguatu pelo Cearense no Morenão, me parecem etapas necessárias à formação destes rapazes que ficaram apavorados e sem ação em face da raça, da transpiração e, pasmem, da malandragem croata. 


Dançar, inventar moda para comemorar gol (Jairzinho consagrou em 70 o se ajoelhar e se benzer, imitando de Petras, atacante da Tchecoslováquia, e Bebeto inaugurou a comemoração embalando bebê, em 94, por exemplo) é de nosso espírito, mas não me lembro dos craques dos antigos escretes anunciando novas danças ou gastando o precioso tempo de preparação em ensaios de coreografia. Nossa propensão ao requebro em momentos de comemoração sempre foi espontânea. A arrogância estimulada por narradores, patrocinadores e jornalistas, leva a colocar o centro das preocupações em outro lugar, não no jogo. Aqui já estamos no terreno da publicidade, do espetáculo televisivo, das exigências dos anunciantes, aliado a um patológico autocentrismo.


Como se sabe, e a psicologia de boteco atesta, a atitude autocentrada, egoísta é uma característica da fase infantil, e que, se não corrigida pela terapia administrada usualmente pela mãe, gera pessoas horríveis. O tempo gasto, em plena concentração numa copa do mundo (um troço decidido em, no máximo, 7 jogos), com ensaios coreográficos e idas ao cabeleireiro é um traço de egoísmo nitidamente infantil, de atletas muito mal formados e que não têm a menor ideia do que uma Copa do Mundo representa para uma nacionalidade em cuja formação o futebol desempenhou um papel cultural fundamental (não vou entrar no mérito sobre se isso foi bom ou ruim...).


 Vindos das favelas e rincões, mas extraídos de lá na mais tenra idade (sempre quis escrever "na mais tenra idade"), estes jovens perderam o contato com o povo brasileiro e com seus sentimentos, povo que, para eles, é apenas o beneficiário de suas fundações caritativas que lhes custam fração ínfima de seus astronômicos salários e que, claro, lhes rendem ampla publicidade gratuita (...ou não).


Coreografias ensaiadas, cortes de cabelo para cada jogo, em si mesmos irrelevantes para explicar o desempenho esportivo, são contudo boas pistas para entender a incapacidade de nossos rapazes de responderem como adultos aos desafios do jogo. É tudo  extremo: ou a empáfia dos cabelinhos e dancinhas preparados com esmero para comemorar vitórias que ainda não ocorreram, ou os choros convulsivos diante da derrota, cujo símbolo notório é o menino Thiago Silva (37 anos). Nos dois extremos a infantilidade, o garotismo eterno, no qual ninguém, absolutamente ninguém tem condições de assumir as responsabilidades necessárias em jogos decisivos.


Está aí a irresponsabilidade de Tite que abandonou seu posto na hora de indicar os batedores dos pênaltis e a caganeira de Neymar que não teve peito de abrir as cobranças. 


Onde só há meninos, garotos, moleques, ainda mais mal criados, ninguém assume as responsabilidades da vida adulta.


Quem se lembra de Pelé, Vavá, Zico, Romário se escondendo atrás de chororô, como se não fossem responsáveis pelos resultados, mas crianças que precisam ser amparadas? Mesmo na tragédia do Sarriá, a torcida ficou traumatizada, mas eu não lembro de nenhum daqueles homens que fracassaram diante da Itália  choramingando em busca de quem os confortasse. Muito menos apelando à piedade pública diante das câmeras.


Sem qualquer conotação machista, o que esses rapazes precisam é de alguém que lhes diga: sejam homens!


Eudes Baima, professor da UECE

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

dezembro 11, 2025





NO BRASIL, O GOLPISMO NÃO É UM PONTO FORA DA CURVA


O que ocorreu na quarta-feira (4/12), na Câmara de Deputados, com o Projeto de Lei (PL) da “Dosimetria”, buscando favorecer os golpistas do "8 de janeiro", que queria instaurar uma ditadura no Brasil não foi um simples acaso. E, não é um problema ético dos deputados federais do “Centrão” e da extrema direita. Embora, pelos constantes escândalos e denúncias, o baixo nível moral parece ser uma condição necessária para participar da bancada conservadora e reacionária do BBB (bala, boi e Bíblia).


Antes de tudo, é um padrão das classes dominantes brasileiras que moldaram as instituições estatais do capitalismo periférico brasileiro, nascido do brutal escravismo colonial. 


Em livro instigante Júlio Chiavenato, Cangaço: a milícia do coronelismo, já afirmava que o colonizador fundou o latifúndio usando bandidos. Assim, conseguiu explorar vastos domínios, escravizando indígenas e negros. Essa foi a base histórica do banditismo oficial, depois ornado com títulos de nobreza e fábulas de heroísmo. Por isso, a importância dos que protegiam a posse da terra, vigiavam trabalhadores escravizados e mantinham a população sobre controle. Eis a garantia da produção, manutenção e reprodução dos privilégios no Brasil, sustentados pela exploração do trabalho.


Daí a histórica condescendência das classes dominantes com o golpismo no Brasil e a insana repressão a qualquer iniciativa popular por direitos. Os golpistas são uma reserva importante para a garantia de que nada mude em favor da maioria. Os golpistas são as tropas de choque do banditismo oficial, sempre pronto a produzir chacinas e proteger uma minoria com vida nababesca.


Democratas e comunistas do levante de 1935 pagaram um preço alto na luta contra o avanço fascista no Brasil. Já integralistas/fascistas (“galinhas verdes”) que tentaram um golpe em 1938, invadindo o Palácio do Catete e mandando bala em Getúlio Vargas, salvo algumas exceções foram absorvidos pelo regime semifascista do Estado Novo. Outro exemplo, dentre muitos, foi o destino de militares nacionalistas e legalistas que se opuseram ao golpe de 1964, bem retrato em A vez e a voz dos vencidos de Hélio Silva. Enquanto isso, os torturadores e criminosos da ditadura militar saíram anistiados, com o beneplácito de representantes parlamentares da burguesia que apoiou o golpe contra o povo e o Brasil.


E agora, mais uma vez, golpistas podem ser "anistiados".


Eis o padrão. Como romper com isso?


A solução está nas mãos do povo, a maioria nacional explorada e oprimida. Conscientizar, organizar, mobilizar e ganhar as ruas contra a impunidade aos golpistas.


Frederico Costa, professor da UECE

domingo, 16 de novembro de 2025

novembro 16, 2025


MAIS UMA VEZ SOBRE A VIOLAÇÃO DA LAICIDADE DO ESTADO


Acima, as fotos do prefeito de direita de Salvador, ao lado da do governador petista do Ceará. Não deveria haver nenhum contexto para exibi-las juntas.

As imagens, entretanto, nos vieram à mente por uma razão.

 

Ambos os governantes albergaram recentemente leis que põem sob responsabilidade do Estado a distribuição de bíblias nas escolas públicas. No caso do Ceará, a lei foi de iniciativa do Governador Elmano.


As leis são, a nosso ver, um ataque à laicidade do Estado (e são, portanto, inconstitucionais) e à democracia.


No último dia 12/11, o Prefeito de direita de Salvador (BA) sancionou Lei aprovada na Câmara Municipal de teor semelhante a outra aprovada no Ceará, de iniciativa do Poder Executivo, que encarrega o Estado de distribuição de bíblias em suas redes escolares. 


A "coincidência" deixa o governador cearense Elmano em péssima companhia, diga-se de passagem.


Como sempre, o Governador fez este temerário movimento sem  perguntar ao PT e sem se importar com a opinião dos petistas ou com o que pensa o Setorial Inter-religioso do partido, um dos mais ativos nos últimos tempos.


Obviamente, a sociedade civil, salvo a direita evangélica, também não foi ouvida. E nela, a sociedade, muito menos os especialistas em educação. 


O fato, contudo, é que a lei cearense, como a lei municipal de Salvador, se constituem em um grave ataque ao Estado Democrático de Direito e à escola pública laica, condição da democracia, e, como se sabe, alvo preferencial da direita no país. 


A tentativa de reunir de novo Estado e religião no âmbito de um único poder público, como no tempo do Império, é parte central, principalmente no plano da retórica eleitoral, do arsenal da direita em seus perigosos delírios de "guerra espiritual" contra o PT, a esquerda e a democracia em geral.


Lendo a lei do Ceará, não nos escapa o papel irônico do seu Art. 2° que manda botar placa nas escolas, dizendo que intolerância religiosa na escola é proibido. Ora, a discriminação de qualquer tipo já é proibida no Brasil por legislação supra. Depois, a placa é inútil frente a uma rede pública em que se escolheu fazer do credo religioso objeto da rotina escolar. Como se diz em bom cearês, o Art. 2° é só para tirar a suja.


É um pouco inacreditável termos de polemizar entre nós sobre este tema de novo. 


Aqui, por óbvio, não se trata de uma discussão sobre religião. O mesmo Estado Democrático que proclamou há mais de 230 anos seu caráter civil, até por consequência, anunciou a liberdade privada de credo. Por ironia, aliás, foi um deputado comunista, Jorge Amado, quem introduziu em nossa legislação a liberdade de culto, por ocasião da adoção da Constituição de 1946.


Entre tantas outras razões, o Estado Democrático é necessariamente laico porque:


- não deve ser um ente privado, nem uma reunião de distintos interesses privados, mas público, concernente ao abrigo de todos os cidadãos, pois "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, como sexo, raça, religião, classe social ou qualquer outra" (Art. 5°, CF, 1988).


- coerentemente com isso, o Estado não se identifica nem favorece nenhuma opção religiosa, nem reconhece como preferencial nenhuma delas.


- é condição para que o Estado trate com igualdade todos os cidadãos que não os distinga conforme sua fé.


- em conclusão, o Estado deve ser laico justamente para respeitar a liberdade de credo. Assim, a única norma estatal diante das religiões deve ser a de assegurar a liberdade plena de seu exercício.


- quanto ao mais, o Estado e seus entes não invocam nenhum credo como balizador de suas ações. Lembre-se de que o Estado braseiro não tem exercido a defesa da liberdade de credo como deveria, visto os recorrentes ataques violentos aos lugares de devoção das religiões de matriz africana e mesmo a padres e pastores cristãos que tomam a defesa dos extratos mais vulneráveis da sociedade.


De outro lado, as leis Inconstitucionais aprovadas no Ceará e em Salvador parecem responder a algum tipo de restrição ao uso da Bíblia, que deveria, então, frente a isso, ser resguardado no âmbito da escola. Coisa que simplesmente não existe. Nada proíbe escolas e professores de inserir, sempre que pertinente, o livro dos cristãos em aulas de história, de filosofia, de sociologia, etc., como um dado objetivo da realidade. O que é inadmissível e o uso da bíblia como instrumento de instrução religiosa, coisa que cabe às igrejas, mas não ao sistema escolar.


Ainda neste aspecto, é bom que se diga que a Bíblia está já presente nas bibliotecas públicas, das escolas e das universidades, e o acesso a ela é livre, não justificando uma nova compra deste livro pelo poder público. O que deveria preocupar, aí sim, ao prefeito de Salvador e ao Governador Elmano é verificar se as escolas de suas redes respectivas contam todas com este item imprescindível ao trabalho pedagógico que é a biblioteca. 


Neste contexto, sumariamente descrito, qual o significado de adotar leis como as do Ceará e a de Salvador? Esperamos que não, mas parecem vulgares manobras eleitorais para satisfazer a insaciável fome de poder das lideranças evangélicas, com o fim de angariar seu apoio em 2026. 


O problema, além desta rasteira e mesquinha motivação eleitoral, é que se trata de um manobra que comporta um agravo de grande risco à democracia e, vejam só, à liberdade de credo e a isonomia no tratamento do Estado aos variados credos, posto que as leis aprovadas excluem abertamente parte considerável das fés professadas por cearenses e soteropolitanos.


Por fim, era de bom tom que os governos divulgassem respostas a perguntas comi:


- o que quer dizer o Art. 1° da Lei cearense: "fica autorizada a disponibilização, no acervo das escolas públicas da rede estadual de ensino, de exemplares da Bíblia e de demais livros sagrados"? Não há ao menos um exemplar da Bíblia em cada escola que tem biblioteca? O que seria "disponibilizar", então? 


- com efeito, o Poder Público tem um levantamento dos livros necessários ao estudo da ciência e que estão ausentes das escolas?


- qual a dotação orçamentária para a compra e distribuição de livros sagrados?
- que livros sagrados serão distribuídos (Al Corão, a Torá, o Bagavadeguitá, o Livro de São Cipriano, o Livro de Mórmom, a Bíblia do Novo Mundo das Testemunhas de Jeová, entre outros, estão na lista?)?


- como ficam as religiões orais, como as de matriz africana, que não têm livros sagrados e são a segunda (quando não a primeira) religião da maioria dos brasileiros?


- todas as múltiplas e bem diferentes versões da Bíblia serão distribuídas, ou só aquela reconhecida por determinada denominação? 


- a literatura ateia também será contemplada? - afinal, ateus também gozam de cidadania.


- todas as escolas dispõem de bibliotecas para abrigar estas bíblias que serão distribuídas?


Abaixo, a Lei que institui no Ceará a distribuição por conta do erário (orçamento público) de bíblias nas escolas da rede estadual cearense.


Em tempo, e para ser justo, a lei de Salvador prevê o uso paradidático da Bíblia (o que é uma segunda Inconstitucionalidade); a lei cearense, não.


Eudes Baima 
Membro do Diretório Municipal do PT Fortaleza

*

LEI Nº 19.386, de 07 de agosto de 2025. (D.O.07.08.2025) 

DISPÕE SOBRE A DISPONIBILIZAÇÃO DE EXEMPLARES DA BÍBLIA E DE DEMAIS LIVROS SAGRADOS DE RELIGIÕES PROFESSADAS NO PAÍS, NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ. Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica autorizada a disponibilização, no acervo das escolas públicas da rede estadual de ensino, de exemplares da Bíblia e de demais livros sagrados de religiões professadas no País.

Art. 2º Fica instituída a obrigatoriedade de fixação de placas contendo o texto “É EXPRESSAMENTE PROIBIDA QUALQUER AÇÃO DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NESTE LOCAL” em todas as escolas da rede pública de ensino do Estado do Ceará.

Parágrafo único. As placas devem ter o tamanho mínimo de 50 (cinquenta) cm x 50 (cinquenta) cm, e sua confecção e instalação são de responsabilidade da gestão de cada unidade escolar.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


PALÁCIO DA ABOLIÇÃO, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 07 de agosto de 2025.

Elmano de Freitas da Costa
GOVERNADOR DO ESTADO

domingo, 28 de setembro de 2025

setembro 28, 2025




Aprender é lançar-se


As estrelas vivem de mecânica pura: gravidade, reação nuclear. Não precisam aprender. Mas os seres vivos, sim: uma parte é engrenagem, outra é experiência; uma parte é impulso, outra é caminho aberto pela aprendizagem. Tudo começou com as bactérias. Para se manterem vivas, não bastava apenas dividir-se em duas, repetir o gesto cego da reprodução. Era preciso lidar com o mundo e aprender com ele, aprender a evoluir.


Como seres vivos, carregamos essa sina iniciada há bilhões de anos com as bactérias e, mais tarde, aprimorada pelos primatas. Desde então, trazemos essa herança: o destino de aprender para viver e evoluir. Por isso, ninguém aprende a jogar apenas assistindo ou lendo sobre jogos. Tudo isso inspira. Mas é ao ser lançado na arena do jogo – no chute, no arremesso, no passo em falso, no erro, na queda, na lesão e na persistência – que nasce a habilidade, que se encarna o verdadeiro saber jogar.


Assim também com o nadar. O livro sobre a água, os tratados de técnica, informam, mas não abrem o espaço físico das águas – calmas ou revoltas, claras ou turvas, rasas ou profundas. É preciso o corpo lançado ao líquido, o choque frio, a medida, a busca pelo ar, o risco do afogamento; só então o aprendizado se imprime na carne e na mente. 


Ninguém aprende a docência apenas lendo sobre docência. Textos, teorias, métodos – tudo necessário. Mas o ofício só se aprende de fato ao lançar corpo e mente às salas de aula: no embate entre olhares, na tensão, no silêncio que pesa, na pergunta que desconcerta, no conteúdo difícil de ensinar e de aprender, no planejamento que falha ante as surpresas, na intencionalidade ofuscada pela espontaneidade, no erro, na raiva que distancia, no afeto que aproxima.


Foi desse confronto que a Pedagogia redescobriu o óbvio esquecido: grande parte das dificuldades de aprendizagem não se escondem nas crianças, nos meninos ou nas meninas. Apesar das adversidades, elas estão, sobretudo, no modo de ensinar do docente, no seu modo de se relacionar, de estar presente diante do outro, de reconhecê-lo como alguém que precisa aprender para viver melhor e evoluir como pessoa. E, para isso, parece necessário o docente também se ver no outro – feito como alguém em contínuo processo de aprender.


Carlos Bonfim

Professor-Adjunto de Pedagogia da UECE.

Crônicas pedagógicas iconoclastas: 16. Fortaleza, CE, 27/09/2025. 


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

setembro 25, 2025

Ato contra PEC da Blindagem e PL da Anistia, em Copacabana — Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo



CARTA N.º 5 SOBRE A CONJUNTURA: TRÊS TÓPICOS IMEDIATOS DA REALIDADE POLÍTICA

 

Fábio José de Queiroz

 

Nesta carta, discuto brevemente três tópicos da conjuntura: a continuidade das ameaças de Donald Trump ao Brasil, a campanha do Plebiscito Popular e o significado geral das manifestações populares de 21 de setembro.

 

UMA VEZ MAIS, O PROBLEMA DA SOBERANIA NACIONAL 

 

Os Estados Unidos da América (EUA) estão produzindo desestabilização interna no Brasil, inclusive com interferência em negócios que dizem respeito à sua autonomia como Estado nacional. Logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar a cúpula que articulou o golpe de 8 de janeiro de 2023, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Claire Leavitt, ameaçou novamente o Brasil, inclusive com uma ação militar (que, aliás, já está em curso na Venezuela). Nessa conjuntura, pergunto: Não se posicionar ao lado da nação oprimida, em nome de um tipo ideal de soberania, objetivamente, favorece as posições do opressor ou não? 

Creio que isso merece uma reflexão, sobretudo de intelectuais acadêmicos (de expressão nacional), que, em lugar de trabalhar com a realidade, preferem discutir o problema, não partindo das questões concretas e sim de suas idealizações. O Brasil está sob ataque imperialista. A questão é como se posicionar diante disso. A meu ver, nesse contexto, ao defender o Brasil, não se trata de uma defesa abstrata da soberania, mas de um exercício objetivo e concreto de sua salvaguarda. O fato dessa soberania sofrer de visíveis e inequívocas imperfeições e insuficiências não pode ser motivo para renunciar à sua defesa frente às chantagens e ao ataque geral da maior potência imperialista dos últimos 70 anos. Isso é leninismo de gabinete.

Reafirmo o que escrevi na carta anterior: é necessário defender o Brasil sem vacilações, meu caro. Do contrário, é o seu anti-imperialismo que vira uma abstração.

 

A SOBERANIA E O PLEBISCITO POPULAR

 

Soberania é um termo relativo, nomeadamente porque, no caso em tela, essa noção está impregnada do Estado nacional objetivamente existente e que, no caso do Brasil, é uma instância que despreza questões comezinhas como os direitos de uma gente historicamente oprimida – indígenas, negros, camponeses, sem-terra etc. – e a própria soberania alimentar da imensa massa da população pobre e trabalhadora, sem se falar do seu grau restringido de autonomia. Falar de soberania nacional e desprezar essa realidade, que se manifesta por meio de milhares de fatos da vida cotidiana, é mistificar esse Estado nacional objetivamente existente. Isso não pode ser obra de uma genuína apreciação marxista que, em última análise, julga os fenômenos históricos com base em suas contradições.

Por esse motivo, vê-se até a importância de movimentos como o do Plebiscito Popular, que, a rigor, se volta para temas que dizem respeito às pautas populares, como a redução da jornada de trabalho sem a diminuição de salário (com o fim da escala 6x1) e a isenção de impostos para setores ponderáveis da classe trabalhadora (elevando a taxação de setores socialmente mais favorecidos).

Os mesmos agrupamentos que tergiversam na defesa da soberania do Brasil diante do intervencionismo de Donald Trump hesitam, contornam e dão de ombros para o plebiscito popular, sob o argumento, muitas vezes, de que ele é programaticamente rebaixado e politicamente apenas favorece o governo Lula.

Veja-se o que é um principismo vazio. Não apoia uma campanha para reduzir a jornada de trabalho e para isentar a trabalhadora ou o trabalhador que ganha até 5 mil reais de pagar imposto porque isso, por tabela, favorece o governo Lula. Ou seja, se isso indiretamente beneficia o governo Lula, danem-se então os amplos estratos da classe trabalhadora que seriam beneficiados com essas conquistas.

Ah, mas há o arcabouço fiscal! Ora, o que impede que, por dentro dessa campanha, seja travada uma luta sem trégua contra o famigerado arcabouço fiscal? Diria o velho Trotsky: falta a essa gente a dialética.

 

21 DE SETEMBRO: “SEM ANISTIA”

 

Sem renegar às suas convicções e ao seu programa, diversas forças políticas se juntaram no dia 21 de setembro para enfrentar a declaração de guerra da Câmara dos Deputados, que, dominada pelo Centrão e pela extrema-direita, aprovou o que o povo já classificou como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da bandidagem e, 24 horas depois, ainda aprovou o requerimento de urgência para o Projeto de Lei que anistia os golpistas. 

Quem não viu a Campanha das Diretas (1984) ou a campanha presidencial de Lula em 1989 (notadamente no segundo turno), teve a oportunidade de testemunhar algo aparentado: a ampla unidade que aglutinou intelectuais, artistas, democratas, marxistas, sindicatos, movimento popular e organizações políticas de esquerda, questão de grande importância quando se quer produzir grandes mobilizações nesse país.

Nesse cenário de intensas disputas, o governo Lula sonha com o tranquilo começo do século, embora o mundo já esteja caminhando para o segundo quartel do século XXI. Nessa quadra, os fascistas obtiveram influência de massa, ao passo que os socialistas e os comunistas, até mesmo a social-democracia, que são os seus alvos políticos prioritários, tiveram a sua capacidade mobilizadora reduzida. O mundo mudou, mas uma coisa não se alterou: a necessidade da unidade das organizações da classe trabalhadora (revolucionárias, centristas, reformistas, semi-reformistas etc.) para enfrentar o fascismo nas ruas.

À primeira vista, Lula sonha governar em condições de paz com um parlamento chefiado por reacionários a serviço do capital e por fascistas periculosos, quando só há uma forma dele governar esse país: apoiado na mobilização popular. Posto isso, a tática da Frente Ampla, isto é, do governo tíbio e glacial, não pode ser a saída para favorecer as centenas de milhares de pessoas que foram às ruas em 21 de setembro, e, principalmente, aos que apoiaram sem participar das manifestações, pois, em larga medida, estavam trabalhando sob a regência brutal da escala 6x1, fazendo entregas para as plataformas ou penando para garantir o almoço de domingo.

Felizmente, o 21 de setembro evidenciou que a esquerda não perdeu inteiramente a sua capacidade de mobilização, embora também tenha demonstrado que isso só é possível pela vigorosa unidade de suas forças. Apenas a frente única (e, em alguns casos, a unidade de ação) e a mobilização popular podem salvar o Brasil das garras do imperialismo e do fascismo local, inclusive impedindo a anistia aos golpistas (questão central nas manifestações deste domingo).

Os lados para dançar estão se estreitando. De que lado você dança?


Fábio José de Queiroz, professor da URCA









domingo, 14 de setembro de 2025

setembro 14, 2025



DISPARARON AL PIANISTA

Depois de 49 anos, os restos mortais de Francisco Tenório Jr., talentoso músico brasileiro, tiveram identificação confirmada na Argentina e serão enviados para ter o sepultamento devido no Brasil.


Tenório Jr. "desapareceu" na Argentina enquanto ecompanhava Vinícius de Moraes e Touquinho numa excursão que realizavam naquele país. Seu rapto seguido de morte, em 18 de março de 1976, provavelmente se inseriu na Operação Condor, acordo entre os EUA e as ditaduras latino-americanas que visava à perseguir a resistência democrática em todo o continente.


Esta hipótese se fortalece porque seu "desaparecimento" se deu quando o sangrento golpe de Estado argentino já estava nos últimos preparativos e foi desencadeado 24 de março, apenas 6 dias após a captura do músico. A esta altura, todo o sistema repressivo dos generais argentinos já estava em operação e, como hoje se sabe, em colaboração com os gorilas brasileiros. 


Por uma coincidência, a identificação dos restos de Tenório Jr. ocorre no momento em que os golpistas Bolsonaro e mais 4 generais e membros de seu infeliz governo são condenados pela tentativa de perpretar um novo golpe militar no Brasil.


A inesperada presença de Tenório Jr. nos alerta para o fato de que todos os que golpearam as liberdades públicas, prenderam, torturaram, mataram e exilaram, assim como aqueles, como Bolsonaro e sua organização criminosa, que tentaram repetir isso, precisam ser julgados e pagar na forma da lei por seus crimes.


Mais ainda, é preciso varrer da Constituição e da legislação infraconstitucional todos os mecanismos de tutela militar sobre a nação. 


Reportagem do Estadão informa que o "filme "Atiraram no Pianista", do diretor espanhol Fernando Trueba, conta a história de Tenório Júnior. Com depoimentos de Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Ferreira Gullar, Gilberto Gil, Toquinho e mais figuras importantes da música brasileira, o longa ganhou como melhor animação o Prêmio Goya, de 2024, e foi indicado ao Oscar"


O filme está no Prime Video em versão para compra ou aluguel.


A música chora mais uma vez a perda de Tenório  Jr., mas sua memória também nos traz esperança de que as ditaduras não mais passarão.


Eudes Baima, professor da UECE

setembro 14, 2025



Sobre a concepção marxista de ser humano

 

O Homo sapiens é, em primeiro lugar, um ser natural vivo, isto é, corpóreo, sensível e objetivo, que possui toda uma história evolutiva anterior– constituída pela dialética da aleatoriedade das mutações genéticas e da necessidade da seleção natural –, uma base biológica não eliminável.

Mas, não só isso, o ser humano compartilha, com os animais e as plantas, a esfera orgânica do ser, a dependência e a limitação de não ser autossuficiente, pois os objetos de suas necessidades existem fora dele na natureza, os quais são indispensáveis para a atuação e confirmação de suas forças essenciais.

O ser humano, como os demais seres da esfera orgânica, vive da natureza por sere, também, parte dela: “[...] a natureza é seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer” (MARX, 2004, p. 84). Homens e mulheres, porém, não são simples seres naturais que se adaptam ao meio ambiente, segundo as leis da seleção natural. Municiado de suas próprias forças naturais – como, por exemplo, o cérebro grande e complexo, a visão binocular, o bipedismo, a habilidade manual e a potencialidade da “fala” – homens e mulheres são seres naturais ativos, nos quais essas forças se apresentam como capacidades e possibilidades.

 Segundo Costa (2007), do ponto de vista natural, a constituição física do Homo sapiens é inferior a da maioria dos animais. O ser humano não tem a pelagem necessária para manter o calor do corpo num ambiente frio. O corpo humano não é tão eficiente para a fuga, defesa própria ou caça; não possui uma velocidade excepcional, uma coloração protetora ou uma armadura corporal; falta-lhe acuidade visual ou força muscular para lhe dar vantagem sobre sua presa ou defender-se.

Não obstante tudo isso, a espécie Homo sapiens historicamente demonstrou uma capacidade superior de ajustar-se ativamente a diversos ambientes do que qualquer outro ser biológico. De multiplicar-se mais rápido do que qualquer mamífero superior. E, no fundamental, foi capaz de, subordinando a natureza às suas necessidades, constituir uma nova estrutura da realidade – a esfera social – não presente na natureza, embora sem ela não exista.


Frederico Costa, professor da UECE

 

Referências

MARX. Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

COSTA, Frederico Jorge Ferreira. Ideologia e educação na perspectiva da ontologia marxiana.Tese (Doutorado em educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.


sábado, 13 de setembro de 2025

setembro 13, 2025


153 ANOS DA MORTE DE LUDWIG FEUERBACH, FILÓSOFO DA LIBERTAÇÃO 


Hoje, 13 de setembro, há 153 anos, morria o filósofo materialista Ludwig  Feuerbach.


Feuerbach encarna a mais significativa ruptura à esquerda com o idealismo de Hegel, antes de Marx e Engels.


Com efeito, Feuerbach exerceu uma importante influência sobre os próprios Marx e Engels. 


É certo que Marx e Engels superaram e romperam com Feuerbach em função deste, no que pese ter afirmado a precedência da vida material sobre a produção das ideias e da ideologia, não ter chegado a entender que o próprio ser humano é a parte ativa do mundo sensível, quer dizer que a superação da alienação é uma tarefa antes de tudo prática, ou seja, revolucionária. 


Contudo, o patamar compreensivo a que Feuerbach chegou foi imprescindível para a emergência de uma perspectiva revolucionária, como disse Marx ao afirmar que Feuerbach já realizara por completa a crítica da religião.


Agora, um aspecto pouco conhecido da vida de Ludwig Feuerbach é que ele foi, longe de meramente um pensador, um homem ativo na transformação da realidade: sua vida esteve ligada às organizações operárias e populares de sua época. Ao passar dos anos, Feuerbach se sentia cada vez mais ligado ao proletariado, e se sabe que estudou O Capital, de Marx, nos últimos anos de sua vida. 


Feuerbach não foi apenas um intérprete da realidade posta, mas um homem da "Filosofia do Futuro".


Seu funeral, em 13 de setembro de 1872, congregou num cortejo milhares de trabalhadores, e recebeu a saudação seguinte do Partido Social Democrata, ao qual se filiara: “Trabalhadores! Companheiros! O grande lutador pela libertação do povo em relação à escravidão espiritual, o famoso pensador, o instruído filósofo Ludwig Feuerbach caiu para a morte… e… nem a situação política e nem a situação social, pela qual ele nos é conhecido, vos impedirá de nos estender as mãos para uma manifestação de massas contra o sacerdócio!”.


Para ler:


- Princípios da Filosofia do Futuro

- A Essência do Cristianismo

- Preleções sobre a Essência das Religiões 


Eudes Baima - professor da UECE

sábado, 6 de setembro de 2025

setembro 06, 2025


EM DEFESA DA VIDA DO POVO PALESTINO E PELA PAZ

O genocídio permanente e brutal, praticado por Israel contra o povo Palestino, é um crime contra a humanidade. O assassinato continuado de crianças, mulheres e adultos não pode continuar. Precisamos, todas e todos humanistas e democratas, reagir contra estas atrocidades. Propomos, neste documento, dez pontos de luta contra o genocídio sionista, em defesa do Povo Palestino e da Paz.


- Que o Estado Sionista de Israel pare, imediatamente, os ataques com mísseis, aviões de caça, drones, tanques e explosivos, suspendendo a destruição de hospitais, universidades, casas e a matança sistemática de criança, mulheres e adultos palestinos.


- Que todas as fronteiras e acessos à Palestina sejam abertos para permitir o fluxo de ajuda humanitária internacional de alimentos, água, medicamentos, roupas e demais utensílios de proteção da saúde e da vida.


- Que sejam construídas, tempestivamente, creches e abrigos seguros para acolher, cuidar e proteger a saúde e a vida de pequenos palestinos órfãos de guerra.


- Que seja criado um Fundo Soberano Internacional, que assegure recursos para a reconstrução de Gaza e demais regiões palestinas.


- Que se iniciem as negociações de Paz, mediadas pelo Conselho de Segurança da ONU, começando-se pela libertação de todos os prisioneiros de guerra.


- Que o Brasil participe ativamente das negociações de Paz, contribua com generosidade para o Fundo Soberano, pressione com vigor Israel para parar o extermínio, através de rigorosas sanções econômicas e rompimento das relações diplomáticas com o Estado Sionista de Israel.


- Que haja o reconhecimento Internacional do Estado Soberano da Palestina e de seu Governo, a ser livremente eleito e sejam instaladas Embaixadas, num movimento de fortalecimento de sua autonomia. Que Jerusalém seja a Capital da Palestina e Sede do Governo.


- Que os territórios, propriedades e residências Palestinas, ocupadas arbitrariamente por israelitas sionistas, sejam devolvidas e os limites geográficos e políticos do Estado Palestino sejam reconstituidos, desconsiderando a Resolução 181 da ONU de 29 de Novembro de 1947, pois esta resolução configura-se como injusta, arbitrária e ilegal, pois as Nações Unidas não tinham nenhuma jurisdição sobre os territórios palestinos.  Ela fixa uma deformidade, pois destina 57% da Palestina para os imigrantes israelitas e apenas 43% para os árabes palestinos nativos. E arbitra pela necessidade de reconhecimento de dois Estados, o Palestino e o Israelense. O episódio que segue a Resolução 181 é chamado pelos irraelenses de "independência". Para os palestinos, no entanto, este período é chamado de "Nakba" (destruição), em que se inicia a limpeza étnica por parte de Israel. Tempos depois os palestinos iniciaram uma campanha em defesa dos seus territórios históricos com o slogan "do rio (Jordão) ao mar", como resistência e reconquista.


- Que Netanyahu e o comandante das Forças de Defesa de Israel sejam denunciados formalmente ao Tribunal Penal Internacional de Haia, como genocidas qualificados, e sejam devidamente julgados, assegurando-se seu plano direito de defesa.


- Que a paz, a liberdade, a soberania e o direito sagrado à vida renasçam no solo Palestino e que suas "crianças cantem livres sobre os muros".


Romper relações diplomáticas e comerciais com o Estado Sionista de Israel!


O POVO PALESTINO MERECE VIVER!

PALESTINA LIVRE E SOBERANA!


Fortaleza - Ce, 30 de julho de 2025


Manoel Fonseca - Médico Epidemiologista e Escritor

Iracema Serra Azul da Fonseca - Bióloga e Auditora Fiscal

terça-feira, 19 de agosto de 2025

agosto 19, 2025


85 ANOS DEPOIS DE SEU ASSASSINATO, TROTSKY AINDA É O CARA

Diante dessa conjuntura, nos 85 anos do assassinato de Trotsky, 21 agosto de 1940, por ordem de Stalin, surge a necessidade de um reencontro com a obra do dirigente, ao lado de Lênin, da Revolução Socialista Russa de 1917 e organizador do Exército Vermelho, que venceu forças militares contrarrevolucionárias apoiados por catorze países na guerra civil. Trotsky conseguiu unir, em sua defesa das lições da Revolução de Outubro e do internacionalismo proletário, uma frente única composta de estranhos aliados de ocasião como liberais, conservadores, fascistas, social-democratas, anarquistas e é, óbvio, seu tenaz inimigo, o stalinismo com seu aparato burocrático. Mesmo assim, seu nome se destaca ao lado de dirigentes revolucionários e intelectuais marxistas como Lênin, Rosa Luxemburgo, Gramsci e Lukács.

 

Embora o nome de Trotsky, como o de Lênin, não seja palatável nas universidades, não se pode pensar o mundo atual, na perspectiva política radical da emancipação humana, isto é, do comunismo, sem dialogar com ele, adjetivado por um de seus principais biógrafos de profeta.


Esse adjetivo não foi ato de uma simples admiração de discípulo ou crença sobrenatural, mas evidência da sensibilidade analítica Trotsky em perceber a realidade com a arquitetura teórica do materialismo histórico a partir de uma imersão profunda na luta de classes de seu tempo.

 

 Trotsky identificou, em 1905, as coordenadas do futuro processo revolucionário russo baseado na legalidade histórica do desenvolvimento desigual e combinado, o que ficou conhecido como “teoria da revolução permanente”. 


Trotsky antecipou, também em 1905, a função futura dos sovietes (conselhos operários) como órgãos de auto-organização dos trabalhadores, expressão da independência de classe e a possibilidade de se constituírem como estruturas de poder.


Trotsky percebeu, na luta interna no Partido Comunista da URSS, a tendência do fracasso e isolamento da Revolução de Outubro caso vencesse a fração stalinista, representante política da burocracia emergente, com sua teoria antimarxista do “socialismo num só país”.


Trotsky vislumbrou a vitória do nazismo e, consequentemente da barbárie, como resultado das políticas divisionistas do stalinismo e da social-democracia em se negarem a construir uma frente única no movimento operário alemão para deter o crescimento das hordas nazistas.


Trotsky indicou a emergência da hegemonia do imperialismo estadunidense no sistema imperialista mundial, fruto do enfraquecimento dos imperialismos europeu (Alemanha, Inglaterra e França) e do imperialismo japonês, além das tendências para a estruturação de um “Estado forte” e a absorção das contradições mundiais do capitalismo pelos EUA. 


Trotsky, em relação à China, apreendeu as contradições de seu processo revolucionário e sua dinâmica, na década de 1920, o que serviu de base para lapidar a teoria da revolução permanente, mostrando as possibilidades de revolução socialista nos países atrasados ou periféricos da América Latina, Ásia e África.


Trotsky prognosticou a inevitável derrota do movimento operário como consequência da política stalinista de “Frentes Populares” (hoje, frentes amplas) e da divisão da revolução em “etapas”, o que desarmava o protagonismo dos trabalhadores. Pois, descartando a experiência da Revolução Russa, o stalinismo reeditava as teses mencheviques de aliança estratégica com a burguesia, na década de 1930, como da França (1934-1936) e na guerra civil espanhola (1936-1939).


Essas contribuições de Trotsky ao marxismo e ao movimento operário-popular se tornaram efetivas e vigentes não só para o movimento comunista trotskista, chamado por Trotsky, em seu tempo, de bolchevique-leninista, mas para a luta de classe pelo socialismo. Isso porque a história do século XX confirmou o legado revolucionário de Trotsky.


Nos países periféricos como China, Coreia, Vietnã e Cuba, por exemplo, evidenciou-se os mecanismos da teoria da revolução permanente. A revolução socialista só foi vitoriosa porque houve um movimento interno de superação dos limites de uma revolução democrática para uma revolução socialista, implicando um rompimento estratégico com a burguesia e o imperialismo. 


A lógica da revolução socialista permaneceu, também, nos países imperialistas, contra as concepções stalinistas e social-democratas. Na Europa Ocidental no imediato fim da Segunda Guerra Mundial (1945), como na França e Itália, houve um processo revolucionário que foi detido por concessões inéditas ao movimento de massas (Estado de Bem-estar Social) e pela capitulação das direções do movimento operário (PCs stalinistas e social-democracia). 


A tática de Frentes Populares (frente amplas) propugnada pelo stalinismo continuou colhendo derrotas e sepultando possibilidades de revolução socialista, onde foi aplicada: na Europa ocidental no imediato pós-guerra, com Partido Comunista Italiano (PCI) e o Partido Comunista Francês (PCF), na Revolução do Cravos em Portugal de 1974, no Chile em 1970-1973, na Nicarágua em 1980 e, no Brasil no ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores (PT).


A ausência de uma direção revolucionária internacional limitou a articulação dos processos revolucionários nacionais. Sob ordem de Stalin, a III Internacional (Internacional Comunista) foi dissolvida em 1943 para não provocar o imperialismo. O que não adiantou nada, pois em 1948 as provocações imperialistas desataram a Guerra Fria. Isso contribui para o atraso de processos revolucionários vitoriosos, que quando ocorreram não se expandiram numa perspectiva mundial, levando-os ao isolamento e à burocratização.


Os Estados operários como URSS, Leste Europeu e China chegaram a um impasse, o que levou a maioria à restauração do capitalismo, devido a crise econômica e política causada pela burocracia, camada social que tomou a direção política do proletariado. Mesmo assim, os Estados operários sobreviventes sustentam-se sobre processos revolucionários que expropriaram a burguesia e o imperialismo, garantido condições de vida para a maioria da população que cada vez mais parecem sonhos se comparadas com as condições sociais de trabalhadores até do chamado “Norte global”.


Isso que foi dito até aqui, indica como a denominada orientação trotskista, fundada nas conquistas teóricas e programáticas de um dos dirigentes da Revolução Socialista de 1917, conseguiu apanhar a linha mestra do desenvolvimento da luta de classes no século XX. 


Nessa perspectiva, Trotsky ainda tem muito a disser aos trabalhadores e oprimidos no século XXI. Sua derrota política e assassinato levantam o dedo acusador para a política vencedora da fração stalinista, que conduziu o movimento comunista internacional a sucessivas derrotas, que hoje reverberam no cotidiano dos que tudo produzem.


Frederico Costa, professor da UECE

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

agosto 18, 2025





UMA REPUBLICAÇÃO NECESSÁRIA

Nesta semana, nosso excelente Miguel Angelo Azevedo Nirez, cumprindo seu papel de memorialista, registrou a data da morte do filósofo Gustavo Barroso, e o fez corretamente, dando sequência aos registros que faz diariamente de datas relacionadas à nossa história.
Problema é que logo apareceram os comentários de admiradores do pensador antissemita nazifascista cearense.
Por isso acho adequado republicar uma crítica que fiz a um pequeno livro do professor Diatahy Menezes sobre a vida do nazifascista. O post original que republico é de 19/6/2023.

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Agora, enquanto esperava atendimento da gerência do banco, li o pequeno ensaio de Diatahy Menezes, Gustavo Barroso - um cearense "ariano" (2006, Museu do Ceará).
O título faz a promessa de uma visão mais crítica sobre o personagem, mas o ensaio biográfico é decepcionante.
E não só porque é pouco elucidativo, mas também porque o professor Diatahy passa um pano gigante para o pensador fascista cearense, tratando seu período de maior militância na extrema-direita como uma espécie de acidente no geral de sua biografia política, mas também reiterando uma queixa acerca do tratamento dado a Barroso pela historiografia em função de sua inclinação ideológica.
Mas curiosamente, ao contrário dos comunistas, esquerdistas e democratas, que pagaram duramente pela resistência ao Estado Novo, Barroso não perdeu por muito tempo nenhum único privilégio ou cargo, mesmo tendo conspirado e participado de duas tentativas de golpe de Estado.
Ao fim do período Vargas, Barroso estava lépido e fagueiro à frente do Museu Nacional e da Academia Brasileira de Letras, como se nada tivesse acontecido.
Sem falar no tratamento simpático que Diatahy dispensa ao perfil humano de Barroso.
A título de justiça, Diatahy não deixa de citar todas as posições fascistas e racistas de Barroso, expressos principalmente no seu período de membro da alta cúpula do Integralismo.
Aos que não sabem, Gustavo Barroso representava a "ala direita" do Integralismo. Enquanto Plínio Salgado macaqueava os modos de Mussolini, Barroso era da vertente hitlerista da Ação Integralista Brasileira.
A relativa simpatia pelo personagem da parte do autor aparece logo na dedicatória do livro, feita a seus filhos e onde se refere a Barroso como "um homem que amou estranhamente sua sofrida e bela Terra da Luz". Na abertura do capítulo "O Integralista Antissemita", Diatahy escreve: "Com o movimento revolucionário de 30, é evidente que Gustavo Barroso, homem conservador e amante da ordem e da disciplina, saiu politicamente disprestigiado"...e o caso de perguntar cearensemente ao professor: diabeisso? As pessoas "amantes da ordem e da disciplina" teriam salvo conduto para aderir ao fascismo? Esta característica diminui a responsabilidade de Barroso por sua opção consciente ao hitlerismo?
Enfim, Barroso ainda precisa de uma biografia que lhe faça justiça como um nazifascista que envergonha o estado do Ceará.
PS: Entre uma série de atitudes criminosas, inclusive atacar fisicamente uma operária grevista no RJ, Barroso traduziu e fez publicar a célebre falsificação antissemita intitulada "Protocolo dos Sábios do Sião" e o libelo racista de Henry Ford, "O Judeu Internacional".

Eudes Baima, professor da UECE

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Sem anistia, nem aos fascistas vivos, nem aos mortos!