quinta-feira, 9 de julho de 2020

A velha da lamparina


Era exatamente meia-noite quando Seu Antônio se levantara da rede para averiguar um barulho estranho que se fazia no quintal. Percebeu logo em seguida, que tratava-se de uma pessoa deambulando em círculo. Aquilo, no entanto, não era algo insólito. Invariavelmente, nos primeiros dias de novembro de cada ano, Seu Antônio ouvia aquele pisado sempre à meia-noite,  como se alguém quisesse dar um recado, ou apenas atormentar os vivos. Nesta noite, quando Seu Antônio saiu para flagrar aquilo que lhe perturbava, foi tomado por um medo indescritível: aparecia ali bem na sua frente, a tão famigerada "velha da lamparina", que ele tantas vezes ouvira falar pelas histórias contadas por seu avô. Era uma figura sombria, de face indiscernível. Vestida com um manto negro e uma lamparina na mão, irrompia no meio do quintal, fazendo um tipo de lamento horripilante,  que rasgava a noite numa agonia sem fim. Seu Antônio não teve tempo de espantar o vulto tenebroso, apenas começou a rezar com fervor, agarrando-se ao terço com o qual sempre deixava enrolado na mão direita, exatamente para servir de amuleto contra as assombrações do sertão profundo. Porém, de repente a figura sombria ao fundo do quintal evanescia, deixando para trás apenas seu lamento pálido, e a fagulha de luz da lamparina que se apagava em meio a escuridão no abismo da noite.

Antonio Marcondes