segunda-feira, 14 de março de 2022

139 anos sem Karl Marx


    Há 139 anos, em 14 de março de 1883, falecia Karl Marx, um dos principais nomes do movimento operário moderno, dirigente das primeiras organizações comunistas, em especial da Associação Internacional dos Trabalhadores (1a. Internacional), e seu mais importante teórico.


    Ao pé da tumba de Marx, Engels se expressou da seguinte forma sobre a perda do camarada e amigo: "A 14 de Março, um quarto para as três da tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, encontrámo-lo tranquilamente adormecido na sua poltrona — mas para sempre. O que o proletariado combativo europeu e americano, o que a ciência histórica perderam com [a morte de] este homem não se pode de modo nenhum medir. Muito em breve se fará sentir a lacuna que a morte deste [homem] prodigioso deixou".


    Neste momento em que a persistência do capitalismo, para muito além de suas possibilidades de desenvolver as forças produtivas, ameaça a humanidade com a destruição da civilização e com a guerra, retomar o método científico de Marx na organização de uma Internacional e de partidos revolucionários em cada país, se torna uma tarefa urgente e incontornável.


    Selecionamos uma breve passagem (dois pequenos capitulos) da obra O Pensamento Vivo de Karl Marx, de Leon Trotsky, como uma modesta homenagem à memória de Marx nesta data.



Eudes Baima


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O Pensamento Vivo de Karl Marx (Extratos)


Leon Trotsky


O Método de Marx


    Tendo definido a ciência como o conhecimento dos recursos objetivos da natureza, o homem procurou, obstinada e persistentemente, excluir a si mesmo da ciência, reservando-se privilégios especiais sob a forma de um pretenso intercâmbio com forças supra-sensíveis (religião) ou com preceitos morais independentes do tempo (idealismo). Marx privou o homem definitivamente e para sempre desses odiosos privilégios, considerando-o um elo natural no processo evolutivo da natureza material, a sociedade como a organização para a produção e a distribuição e o capitalismo como uma etapa no desenvolvimento da sociedade humana.

 

    A finalidade de Marx não era descobrir as “leis eternas” da economia. Ele negou a existência de tais leis. A história do desenvolvimento da sociedade humana é a história da sucessão de diversos sistemas econômicos, cada um dos quais atua de acordo com suas próprias leis. A transição de um sistema para outro sempre foi determinada pelo aumento das forças de produção, por exemplo, da técnica e da organização do trabalho. Até certo ponto, as mudanças sociais são de caráter quantitativo e não alteram as bases da sociedade, por exemplo, as formas prevalecentes da propriedade. Mas chega-se a um novo ponto quando as forças produtivas maduras já não podem conter-se por mais tempo dentro das velhas formas da propriedade: produz-se, então, uma mudança radical na ordem social, acompanhada de comoções. A comuna primitiva foi substituída ou complementada pela escravidão; à escravidão seguiu-se a servidão com sua superestrutura feudal; o desenvolvimento comercial das cidades levou a Europa, no século XVI, à ordem capitalista, que passou imediatamente por diversas etapas. Em seu Capital, Marx não estuda a economia em geral, mas a economia capitalista, que tem leis específicas próprias. Refere-se a outros sistemas apenas de passagem e com o objetivo de pôr em evidência as características do capitalismo.

 

    A economia da família de agricultores primitiva, que se bastava a si mesma, não tinha necessidade da “economia política”, pois era dominada por um lado pelas forças da natureza e por outro pelas forças da tradição. A economia natural dos gregos e romanos, completa em si mesma, fundada no trabalho dos escravos, dependia da vontade do proprietário dos escravos, cujo “plano” era diretamente determinado pelas leis da natureza e da rotina. O mesmo se pode dizer do Estado medieval com seus servos camponeses. Em todos esses casos as relações econômicas eram claras e transparentes em sua crueza primitiva. Mas o caso da sociedade contemporânea é completamente diferente. Ela destruiu essas velhas conexões completas em si mesmas e esses modos de trabalho herdados. As novas relações econômicas relacionaram entre si as cidades e as vilas, as províncias e as nações. A divisão do trabalho abarcou todo o planeta. Tendo destroçado a tradição e a rotina, esses laços não se estabeleceram de acordo com algum plano definido, e sim muito mais à margem da consciência e da previsão humanas. A interdependência dos homens, dos grupos, das classes, das nações, conseqüência da divisão do trabalho, não é dirigida por ninguém. Os homens trabalham uns para os outros sem conhecer-se, sem conhecer as necessidades dos demais, com a esperança, e inclusive com a certeza, de que suas relações se regularizarão de algum modo por si mesmas. E assim o fazem, ou melhor, assim gostariam de fazê-lo.

 

    É totalmente impossível encontrar as causas dos fenômenos da sociedade capitalista na consciência subjetiva — nas intenções ou nos planos de seus membros. Os fenômenos objetivos do capitalismo foram formulados antes que a ciência começasse a pensar seriamente sobre eles. Até hoje a imensa maioria dos homens nada sabe sobre as leis que regem a economia capitalista. Toda força do método de Marx reside em se aproximar dos fenômenos econômicos, não do ponto de vista subjetivo de certas pessoas, mas do ponto de vista objetivo do desenvolvimento da sociedade em seu conjunto, da mesma forma que um homem de ciência que estuda a natureza se aproxima de uma colméia ou de um formigueiro.

 

    Para a ciência econômica o que tem um significado decisivo é o que fazem os homens e como o fazem, o que pensam eles com relação a seus atos. Na base da sociedade não se encontram a religião e a moral, mas a natureza e o trabalho. O método de Marx é materialista, pois vai da existência à consciência e não o contrário. O método de Marx é dialético, pois observa como a natureza e a sociedade evoluem e a pr6pria evolução como a luta constante das forças em conflito.


O Marxismo e a Ciência Oficial


    Marx teve predecessores. A economia política clássica — Adam Smith, David Ricardo — floresceu antes que o capitalismo tivesse se desenvolvido, antes que começasse a temer o futuro. Marx rendeu aos grandes clássicos o perfeito tributo de sua profunda gratidão. No entanto, o erro básico dos economistas clássicos era considerarem o capitalismo como a existência normal da humanidade em todas as épocas, ao invés de considerá-lo simplesmente como uma etapa histórica no desenvolvimento da sociedade. Marx iniciou a crítica dessa economia política, mostrou seus erros, assim como as contradições do próprio capitalismo, e demonstrou que seu colapso era inevitável.

 

    A ciência não atinge sua meta no estudo hermeticamente fechado do erudito, e sim na sociedade de carne e osso. Todos os interesses e paixões que dilaceram a sociedade exercem sua influência no desenvolvimento da ciência, principalmente da economia política, a ciência da riqueza e da pobreza. A luta dos trabalhadores contra os capitalistas obrigou os teóricos da burguesia a dar as costas para a análise científica do sistema de exploração e a ocupar-se com uma descrição vazia dos fatos econômicos, o estudo do passado econômico e, o que é muitíssimo pior, com uma falsificação absoluta das coisas tais como são com o propósito de justificar o regime capitalista. A doutrina econômica ensinada até hoje nas instituições oficiais de ensino e que se prega na imprensa burguesa não está desprovida de materiais importantes relacionados com o trabalho, mas não obstante é inteiramente incapaz de abarcar o processo econômico em seu conjunto e descobrir suas leis e perspectivas, nem tem o menor intuito de fazer isso. A economia política oficial está morta.


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Referências

TROTSKY, Leon. O Pensamento Vivo de Karl Marx. Caderno Ensaio, Série Pequeno Formato VI. São Paulo: Ensaio, 1990.