domingo, 6 de março de 2022

Nos 151 anos de Rosa Luxemburgo, respeito a sua memória


5 de março marca o aniversário de nascimento da revolucionária Rosa Luxemburgo. Rosa, uma das principais dirigentes da época da 2ª Internacional, esteve à cabeça das principais mobilizações do proletariado na Polônia e, depois, na Alemanha no início do Século 20. Seu assassinato pelas forças do Estado alemão sob o governo da Socialdemocracia culminou justamente o combate que ela e Karl Liebknecht travaram na revolução alemã de 1918, esmagada pela burguesia imperialista.

No dia de seu aniversário, pululam nas redes sociais referências ao fato de que esta data coincide com a da morte de Josef Stálin, coveiro da Revolução de Outubro. Vários dos autores destas postagens tentam apresentar os dois como personagens afins, expressões distintas, quem sabe complementares, do marxismo no século passado.

De fato, Stálin, no período em que implementou as medidas reacionárias que fez a URSS retroceder de aspectos nucleares da Revolução de 1917, considerou necessário desencadear um ataque sem precedentes nos meios socialistas contra Rosa Luxemburgo, a pretexto de combater a teoria da revolução permanente, de Trotsky, perspectiva teórica, aliás, confirmada empiricamente pelas revoluções do século passado.

Stálin liga Rosa às origens da teoria de Trotsky com o fim de estigmatizar suas ideias. Para tanto lança mão de citações de Lênin referentes às duras polêmicas entre revolucionários internacionalistas sobre as questões suscitadas pelo período demarcado entre a revolução de 1905 e a de outubro de 1917, na Rússia. Lutas teóricas e políticas travadas entre ela e Lênin são descontextualizadas por Stálin para fazer Rosa parecer uma inimiga do principal dirigente da revolução russa.

Em homenagem a Rosa e no interesse de desfazer a tentativa falsificada de aproxima-la de Stalin ou equipara-la a ele, publicamos a seguir dois artigos de Leon Trotsky em que o revolucionário ucraniano desmascara as falsificações de que Stalin faz uso, nos anos de 1930, para manchar a memória da “Águia da Revolução”, epíteto com que Lenin se referia a Rosa. O primeiro é “Tirem as Mãos de Rosa Luxemburgo”, de 1931, e outro, de que publicamos apenas alguns extratos, é Rosa Luxemburgo e a 4ª Internacional, de 1935, e que aparece aqui na tradução publicada como Introdução à obra “Greve de Massas, Partido e Sindicatos, editada pela Kairós Livraria e Editora, em 1979.

 

Eudes Baima

 


 

Tirem as mãos de Rosa Luxemburgo!


Leon Trotsky

 

Em seu artigo “Uma contribuição para a história da questão da ditadura” (outubro de 1920), Lênin, tratando de problemas do estado soviético e da ditadura do proletariado colocados já pela revolução de 1905, escrevia: “representantes destacados do proletariado revolucionário e do marxismo sem falsificações, tais como Rosa Luxemburgo, apreciaram imediatamente a importância desta experiência prática e a analisaram criticamente em reuniões e na imprensa”. Pelo contrário, “(…) pessoas do tipo dos futuros ‘kautskistas’ (…) provaram ser absolutamente incapazes de compreender a importância desta experiência (…)”. Em poucas linhas, Lênin presta o tributo de seu reconhecimento da importância histórica da luta de Rosa Luxemburgo contra Kautski – uma luta que o próprio Lênin esteve longe de avaliar imediatamente em toda sua importância. Se para Stálin, o aliado de Chiang Kai-shek e o camarada em armas de Purcell, o teórico do “partido operário-camponês”, da “ditadura democrática”, do “não antagonizar a burguesia”, etc. – se para ele Rosa Luxemburgo é representante do centrismo, para Lênin ela é representante do “marxismo sem falsificações”. Qualquer um que conheça minimamente Lênin sabe o que significa esta designação vinda da sua pena.

Aproveito a ocasião para ressaltar aqui que nas notas das obras de Lênin há, entre outras coisas, as seguintes palavras sobre Rosa Luxemburgo: “durante o florescimento do revisionismo bernsteiniano e, mais tarde, do ministerialismo (Millerand), Luxemburgo conduziu uma batalha decisiva contra esta tendência, tomando sua posição na ala esquerda do partido alemão (…) Em 1907 ela participou como delegada da Social Democracia da Polônia e da Lituânia no congresso de Londres do Partido Operário Socialdemocrata Russo, apoiando a facção bolchevique em todas as questões básicas da revolução russa. Desde 1907, Luxemburgo se entregou inteiramente ao trabalho na Alemanha, assumindo uma posição de esquerda radical e conduzindo um combate contra as alas de centro e de direita (…) Sua participação na insurreição de janeiro de 1919 converteu seu nome em bandeira da revolução proletária”.

É claro que o autor destas notas provavelmente confesse seus pecados amanhã e anuncie que ele as escreveu tomado por ignorância na época de Lênin, e que ele chegou ao completo esclarecimento apenas na época de Stálin. Atualmente a imprensa de Moscou publica todos os dias anúncios deste tipo – combinações de servilismo, bufonaria e idiotice. Mas eles não mudam a natureza das coisas: não há machado que possa cortar nem poderes que possam mudar aquilo que uma vez foi colocado em preto e branco. Sim, Rosa Luxemburgo se tornou uma bandeira da revolução proletária!

No entanto, como e por quê Stálin se dedicou subitamente – depois de tanto tempo – à revisão da velha avaliação bolchevique de Rosa Luxemburgo? Tal como foi o caso com todos os seus abortos teóricos anteriores, com este último, e mais escandaloso, a origem está na lógica da sua luta contra a teoria da revolução permanente. Neste artigo “histórico”, Stálin mais uma vez dedica sua maior parte a esta teoria. Não há uma única palavra nova naquilo que ele diz. Respondi há muito tempo todos os seus argumentos no meu livro “A Revolução Permanente”. Do ponto de vista histórico, a questão estará suficientemente esclarecida, acredito, no segundo volume da “História da Revolução Russa” (A Revolução de Outubro), agora em impressão. No caso atual, a questão da revolução permanente nos interessa apenas na medida em que Stálin a relaciona ao nome de Rosa Luxemburgo. Veremos agora como o teórico infeliz armou uma armadilha mortífera para si mesmo.

Depois de recapitular a polêmica entre os mencheviques e os bolcheviques na questão das forças motrizes da Revolução russa e depois de comprimir magistralmente uma série de erros em umas poucas linhas, os quais sou obrigado a deixar de lado sem examinar, Stálin escreve: “qual foi a atitude dos socialdemocratas alemães de esquerda, de Parvus e Rosa Luxemburgo, diante desta polêmica? Eles inventaram um esquema utópico e semimenchevique de revolução permanente (…) Pouco depois, Trotsky (e, em parte Martov) tomaram este esquema e o transformaram em uma arma na luta contra o leninismo”. Tal é a inesperada história da origem da teoria da revolução permanente, de acordo com as mais recentes pesquisas históricas de Stálin. Mas, certamente, o investigador esqueceu de consultar suas próprias e ilustres obras anteriores. Em 1925, o mesmo Stálin já havia se expressado sobre esta questão em sua polêmica contra Radek. Eis o que ele escreveu à época: “não é verdade que a teoria da revolução permanente (…) foi apresentada em 1905 por Rosa Luxemburgo e Trotsky. Na realidade, esta teoria foi apresentada por Parvus e Trotsky”. Esta afirmação pode ser conferida na página 185 de “Questões do Leninismo”, edição russa, 1926. Esperemos que figure em todas as edições estrangeiras.

Portanto, em 1925, Stálin declarou Rosa Luxemburgo inocente do pecado capital de participar da criação da teoria da revolução permanente. “Na realidade, esta teoria foi apresentada por Parvus e Trotsky”. Em 1931, fomos informados pelo mesmo Stálin que foram precisamente “Parvus e Rosa Luxemburgo (…) que criaram o esquema utópico e semimenchevique da revolução permanente”. Enquanto Trotsky, não criou a teoria, só “a colocou”, ao mesmo tempo que… Martov! Mais uma vez Stálin se enrolou sozinho. Talvez escreva sobre problemas dos quais não consegue distinguir nem pé nem cabeça. Ou ele está conscientemente embaralhando cartas marcadas ao jogar com as questões básicas do marxismo? É correto colocar esta questão como alternativa. Na realidade, tanto uma como a outra são verdadeiras. As falsificações stalinistas são conscientes na medida que estão ditadas a cada momento dado por interesses concretos inteiramente pessoais. Ao mesmo tempo elas são semiconscientes, na medida que sua ignorância congênita não coloca qualquer impedimento às suas propensões teóricas.

Mas os fatos permanecem sendo fatos. Na sua luta contra o “contrabando trotskista”, Stálin caiu em desgraça com um novo inimigo pessoal, Rosa Luxemburgo! Ele não parou por um momento antes de mentir sobre ela e vilipendiá-la; e mais ainda, antes de colocar em circulação suas doses gigantes de vulgaridade e deslealdade, ele nem mesmo se deu o trabalho de verificar o que ele mesmo disse sobre o mesmo assunto seis anos antes.

A nova variante da história das ideias da revolução permanente teve sua origem sobretudo na necessidade de proporcionar um prato mais apimentado do que todos os anteriores. É desnecessário explicar que Martov foi arrastado pelos cabelos para tornar mais picante a culinária teórica e histórica. A atitude de Martov diante da teoria e prática da revolução permanente foi de um antagonismo inalterável, e nos velhos tempos, assinalou mais de uma vez que as concepções de Trotsky sobre a revolução eram rejeitadas igualmente por bolcheviques e mencheviques. Mas não vale a pena deter-se sobre isso.

O que é verdadeiramente fatal é que não há uma única questão importante da revolução proletária internacional sobre a qual Stálin não tenha expressado duas opiniões diretamente contraditórias. Todos sabemos que em abril de 1924, ele demonstrou de maneira conclusiva em “Questões do Leninismo” a impossibilidade de construir o socialismo em um só país. No outono, em uma nova edição do livro, ele substituiu esta demonstração pela demonstração – quer dizer, a simples afirmação – de que o proletariado “pode e deve” construir o socialismo em um só país. Todo o resto do texto foi deixado inalterado. No decurso de uns poucos anos, e às vezes de alguns meses, Stálin conseguiu apresentar posições mutuamente excludentes sobre a questão do partido operário-camponês, das negociações de Brest-Litovsk, da liderança da Revolução de Outubro, sobre a questão nacional, etc., etc. Seria incorreto colocar a culpa de tudo em uma memória deficiente. O problema é mais profundo. Stálin carece de todo método de pensamento científico, de critérios de princípio. Ele encara todas as questões como se estas tivessem nascido neste mesmo momento e estivessem isoladas de todas as outras questões. Para emitir seus juízos se guia inteiramente pelo interesse pessoal mais importante e urgente do dia. As contradições em que cai são a consequência direta do seu empirismo vulgar. Não vê Rosa Luxemburgo no marco do movimento operário polonês, alemão e internacional do último meio século. Não, para ele, ela é cada vez uma figura nova e, além disso, isolada, diante da qual se vê obrigado a perguntar a cada nova situação: “quem está ali, amigo ou inimigo?” Seu instinto infalível sussurrou agora para o teórico do socialismo em um só país que a sombra de Rosa Luxemburgo lhe é inimiga irreconciliável. Mas isso não impede que esta grande sobra continue sendo a bandeira da revolução proletária internacional.

Em 1918, em sua prisão, Rosa Luxemburgo criticou muito duramente e de maneira fundamentalmente incorreta a política dos bolcheviques. Mas, inclusive naquele que foi seu trabalho mais incorreto, percebem-se as asas de águia. Eis aqui sua caracterização geral da insurreição de outubro: “tudo o que o partido pode fazer no terreno da bravura, da ação firme, da previsão e coerência revolucionárias: tudo isto o fizeram Lênin, Trotsky e seus camaradas. Toda a honra revolucionária e a capacidade de ação que tanto fizeram falta à socialdemocracia ocidental, os bolcheviques demonstraram possuir. Sua insurreição de outubro salvou não apenas a Revolução Russa como também a honra do socialismo internacional”. É possível que esta seja a voz do centrismo?

Nas páginas seguintes, Luxemburgo submete a uma dura crítica a política dos bolcheviques no terreno agrário, sua palavra de ordem de autodeterminação nacional e sua rejeição à democracia formal. Podemos acrescentar que nesta crítica, dirigida tanto contra Lênin quanto contra Trotsky, não faz nenhuma distinção entre as posições de ambos; e Rosa Luxemburgo sabia ler, compreender e perceber os matizes. Por exemplo, nem sequer lhe passou pela cabeça acusar-me de que, ao me solidarizar com Lênin na questão agrária, eu teria mudado minha posição sobre o campesinato. Além disso, ela conhecia muito bem meus pontos de vista, já que em 1909 os desenvolvi detalhadamente em seu jornal polonês. Rosa Luxemburgo termina assim sua crítica: “na política, o essencial do essencial, o fundamental do circunstancial”. Considera fundamentais as forças das massas em ação, a vontade de chegar ao socialismo. “Neste sentido – escreve – Lênin, Trotsky e seus companheiros foram os primeiros a dar o exemplo ao proletariado mundial; ainda são os únicos que, até agora, podem gritar com Huteen: ‘eu ousei!’”

Sim, Stálin tem motivos suficientes para odiar Rosa Luxemburgo. Mais imperiosa então é nossa obrigação de resgatar sua memória das calúnias de Stálin, que têm sido acolhidas pelos funcionários a soldo de ambos os hemisférios, e transmitir às jovens gerações proletárias, em toda sua grandeza e força inspiradora, esta imagem realmente bela, heroica e trágica.

ROSA LUXEMBURGO E A 4ª INTERNACIONAL (Rápidas observações a respeito de uma importante questão)

Leon Trotsky

(…)

Podemos afirmar sem qualquer exagero: a situação mundial está determinada pela crise de direção do proletariado. O campo do movimento operário encontra-se ainda bloqueado pelas sobras poderosas das velhas organizações falidas. Depois de numerosas derrotas e desilusões, o grosso do proletariado europeu encontra-se fechado em si mesmo.

O decisivo ensinamento que ele tirou, consciente ou semiconscientemente, de suas amargas experiências é o seguinte: as grandes ações exigem uma direção à altura. Para os negócios do dia-a-dia os operários continuam a dar seus votos às antigas organizações. Mas apenas seus votos, em absoluto sua confiança ilimitada. Por outro lado, após a lamentável decomposição da III Internacional, tornou-se muito mais difícil incitá-los a confiar em uma nova direção revolucionária. Nessa situação, recitar um monótono canto à glória das ações de massas relegadas a um futuro incerto, com o único fim de opor a uma seleção consciente dos quadros para uma nova Internacional, significa realizar um trabalho reacionário do começo ao fim.

A crise da direção proletária não pode, evidentemente, ser resolvida por meio de uma fórmula abstrata. Trata-se de um processo cuja duração é extremamente longa. Mas trata-se não apenas de um processo “histórico”, isto é, das condições objetivas da atividade consciente, mas de uma série ininterrupta de medidas ideológicas, políticas e organizativas, tendo em vista unir os melhores elementos, os mais conscientes do proletariado mundial sob uma bandeira sem mácula, de reforçar cada vez mais seu número e sua confiança em si próprios, de desenvolver e aprofundar sua ligação com camadas cada vez mais amplas do proletariado, em uma palavra: conferir novamente ao proletariado, em meio a uma situação nova, extremamente difícil e cheia de responsabilidades, sua direção histórica. Os confusionistas da espontaneidade deste recente modelo têm tão pouco direito de fazer apelo a Rosa Luxemburgo quanto os burocratas do COMINTERN a Lenin. Se deixarmos de lado tudo aquilo que é acessório e já ultrapassado pela evolução, temos todo o direito de colocar nosso trabalho pela IV Internacional sob o signo dos “três L”, ou seja, não apenas o de Lenin, mas igualmente sob o de Luxemburgo e Liebknecht.”

 

Primeiramente publicado em www.otrabalho.org.br