sábado, 1 de junho de 2019

Memórias de solidão




Fim de tarde: memórias de solidão...

Por vezes uma aflição metafísica me reprime de tal forma, que sinto uma necessidade extrema de repudiar meu próprio eu... e confesso que por motivações estritamente existenciais, sou quase completamente um pessimista irredutível. 

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Memórias do meu passado lampejam como luz instantânea. Lembro-me de uma cidade petrificada em saudades que me corta o peito como lâmina aguda. 

Uma música triste... e sinto implodir em minha alma um grito de lamúria.

Nos últimos dias o crepúsculo é meu refúgio. Contemplo o fim de tarde e busco alguma inspiração... o barulho do vento tocando as folhas no chão ressoa como uma voz que sussurra. Contudo, minha tranquilidade vira monotonia. Procuro a paz... e difícil é suportá-la. 

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Fui caminhar ontem pelas ruas vazias onde antes morei e fui feliz. Revi minha antiga casa e contemplei seu abandono... chorei por dentro e, como quem tenta dissimular a dor da saudade, sucumbi em nostalgia lancinante.

Bem que eu poderia encontrar uma razão plausível para suportar minha realidade cotidiana! E encontro. Relembro um poema de Pessoa e, logo me ocorre uma vontade de vida. Extasiado como se tivesse bebido um copo de vinho com avidez... e minha sensibilidade transcende o real. E como um grito em plena noite profunda, eclode em meus pensamentos delírios inefáveis.

Raros momentos de autossuperação.

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 Continuo buscando caminhos, indefinido como quem se perde para depois encontrar a si mesmo. Deixo vestígios de meus passos nas calçadas da cidade como sinal de quem percorre becos e ruas tentando lapidar o próprio destino.

Irrompe a noite em meu encalço, já não tenho medo. O tempo transcorre bruscamente e, seu aspecto abstrato me atordoa. Sento num banco solitário da praça desolada. O vento frio toca levemente minha face translúcida. Não há ninguém na praça. Na extensão vazia que me circunscreve naufrago em desilusões e tudo é desalento.

E reflito sobre a certeza de si do meu ser essencial...

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 E como o movimento oscilante do mar a vida flui. O peito dilacerado em mágoas vãs... quero ter a certeza de que não preciso exigir indulgência de ninguém, pois não pequei e não acredito em pecado. Apenas me afasto; recolho-me para dentro, sou vulnerável.

Soçobrei em desilusões e agora o encanto se desfaz...

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Um amigo e muitas histórias. Desencontros e reencontros de amizades tecidas sem concessões. Assim, sempre nos lembramos de erros e confissões, que no fundo resultaram de vacilações involuntárias. Mas nem por isso, deixamos de ser sinceros. É patente o sentimento de esperança quando se pensa que na vida, tudo tem um recomeço e um curso constante de idas e vindas.

Com esses pensamentos me confronto com as exigências da vida...

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Difícil seria não sucumbir ante um sofrimento moral. Reconforta-me o fato de pensar que na vida, em certas circunstâncias, sou eu mesmo que tenho que decidir o que fazer ou deixar de fazer, pois, estamos condenados a escolher. Assim, não é difícil assumir que sou responsável pelos meus atos praticados. O que não me aflige quando assumo, terminantemente, todas as consequências das minhas escolhas.

E escolhi viver como quem busca algo sem se furtar das vicissitudes ocasionais...

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No transcurso do tempo, nossas memórias operam repaginações de situações que no fundo, nos fazem ser quem somos efetivamente: sujeitos históricos, porque vivemos em processo de mudança. Desse modo, tomo a liberdade de não predizer o futuro, mas reconfigurar o passado na medida em que estou imerso no devir do presente... 

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Ainda não consigo entender porque a indiferença entre as pessoas é um alento para o orgulho de si mesmo...

E assim, intranquilo, me encontro dentro da noite. Noite de silêncio e vazio... só encontro razões para dizer não sei. 

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Antonio Marcondes dos Santos Pereira
Doutor em Educação (UFC)
Membro do GEM/UFC