terça-feira, 25 de agosto de 2020

Madame Bovary, uma resenha

 

Gustave Flaubert constrói a obra Madame Bovary com uma maestria incomparável. Lançado em 1857, o romance apresenta caráter psicológico, característica típica do romance do século XIX. Nesse período, o gênero romance atravessa uma fase de desenvolvimento que o eleva consideravelmente. Além de apresentar novas técnicas narrativas e estilísticas, amplia sua temática, passa a preocupar-se com os conflitos sociais e políticos e, com a psicologia, tornando-se a mais importante e mais complexa forma de expressão dos tempos modernos.

Imprimindo sua genialidade no método utilizado na construção das personagens, Flaubert apresenta um verdadeiro estudo da alma humana e das relações sociais, possibilitando ao leitor interpretações significativas ao analisar tal estudo em sua riqueza de detalhes e indícios impregnados nos mais diversos aspectos da narrativa. A engenhosidade de seu método se torna evidente na trajetória da personagem Charles Bovary, a qual é constituída de três partes: apresentação, os primeiros amores e suas aventuras e, por fim, sua ruína.

Como que compondo um painel, o autor constrói essa personagem a partir de um resumo da vida do menino, no qual a descrição de seus pais, das condições do lar e da carreira ulterior como estudante são carregados de dados semânticos que permitem ao leitor a identificação dos aspectos psicológicos, morais e culturais da personagem. Través de elementos consistentes e significantes como a genealogia, a fisionomia, a crônica familiar e a idiossincrasia observa-se que Carlos é um indivíduo displicente, que não se atenta aos detalhes, ingênuo, o que justifica sua reação diante de todas as situações pelas quais passa ao longo de sua trajetória de vida.

Contrapondo-se à personalidade de Charles, Emma Bovary, a esposa, é uma jovem sonhadora, romântica e de espírito livre. Numa busca constante por uma satisfação plena de seu ser, encontra a realização de seus desejos em relacionamentos amorosos e paixões arrebatadoras nas quais vive fortes e passageiras aventuras. Simultâneo aos casos fora do casamento, Emma é tomada pela luxúria e por um desenfreado consumismo que a leva a obter altas dívidas. A jovem é abandonada pelos amantes e financeiramente arruinada, o que a leva a um profundo desespero.

Envenenamento, morte como única saída para os problemas. Assim termina a história de Madamy Bovary, na qual à medida que as descrições vão sendo feitas vão se estabelecendo relações que configuram um espaço eufórico e idílico que é inseparável das personagens, dos eventos e da mundividência constituída pela narração. O espaço, numa mistura de parâmetros físicos, psíquicos e ideológicos, é visto e colocado como possibilidade de libertação.

Numa crítica ferrenha à sociedade francesa da época, o autor mostra na personagem Emma os limites sociais impostos às mulheres. Em sua busca por libertação, a personagem desloca-se entre as diversas normas que estabelecem e reproduzem a ordem social vigente, transitando pela fé, a filosofia, as virtudes do casamento, pelos desejos carnais e materiais. Não encontrando em nenhuma dessas possibilidades, sua completude e satisfação plena.

Com seu método inovador e habilidoso, Flaubert produz um efeito e uma impressão extraordinária ao leitor, colocando a história diante deste por meio de uma narrativa singela, relatando a sucessão dos fatos de uma maneira bastante comum e até mesmo descontraída, sem, todavia, diminuir a grandeza de sua criação literária ao desvelar os valores mesquinhos e medíocres de uma sociedade baseada em aparências, leviandades e superficialidades materiais.

Marcilia Nogueira
professora da Rede Estadual do Ceará e membro do Gposshe
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