domingo, 2 de agosto de 2020

Calibã e a bruxa, uma resenha

O livro Calibã e a Bruxa, da ativista feminista e professora Silvia Federici, apresenta uma investigação de como a condenação de mulheres a “bruxas” no começo da Era Moderna mantém uma profunda relação com a acumulação primitiva e o desenvolvimento do capitalismo. Por meio de uma analogia com a peça teatral “A tempestade”, de William Shakeaspeare, Silvia intitula seu livro usando os nomes de personagens carregados de uma simbologia que transcende a verossimilhança sem diminuir o caráter literário.

A autora apresenta uma ampla pesquisa sobre as mulheres na transição do feudalismo para o capitalismo, através da qual afirma com argumentação contundente que a caça às bruxas tentou destruir o controle que as mulheres haviam conseguido exercer sobre sua própria função reprodutiva, construindo o caminho para o desenvolvimento de um regime patriarcal um tanto mais opressor.

Analisando as circunstâncias históricas específicas, o contexto das crise demográfica e econômica ocorridas na Europa nos séculos XVI e XVII, a autora examina a reorganização do trabalho doméstico, da vida familiar, da criação dos filhos, da sexualidade, das relações entre homens e mulheres e da relação entre produção e reprodução nesse período e aponta fortes conexões entre a caça às bruxas e o desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que aprisionou e subjugou as mulheres ao trabalho reprodutivo.

Uma obra essencial não apenas pelo amplo conhecimento que oferece como também pelo fato de ampliar nossa consciência sobre o caráter global do desenvolvimento capitalista e nos ajudar a entender a dominação de uma classe e suas implicações em termos práticos, políticos e ideológicos na formação de toda uma sociedade.  

Marcília Nogueira

Mestra em Educação e professora da rede pública estadual do Ceará.
Foto: acervo pessoal de Karla Costa, cedida ao GPOSSHE.