quinta-feira, 18 de julho de 2019

Estou me guardando para quando o carnaval chegar


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Já pensou uma cidade inteira transformada em uma gigantesca fábrica têxtil/confecção? Parece uma imagem de um filme distópico, uma ficção científica, um filme de época, mas é só Toritama, 2018, cidade do agreste pernambucano que é responsável por 20% do jeans vendido no país!

Com o título de capital do jeans, Toritama é "só trabalho", sua riqueza é o "ouro azul". Esse é o cenário que Marcelo Gomes, diretor deste documentário, visita contrapondo as lembranças de sua infância (o silêncio, tranquilidade e a relação dos moradores com o lugar, a terra, os animais) com suas percepções sobre o presente (barulhenta, acelerada, capitalista, precária, bárbara). São 85 minutos de máquinas funcionando, movimentos repetitivos, uma rotina não convencional para uma cidade de 40 mil habitantes. Nesse tempo eu fiquei angustiada, ansiosa, assim como o narrador (Gomes) e cansada/desolada junto com os depoimentos dos mais variados moradores/trabalhadores/patrões.

Se Engels fosse vivo era certo que seu livro se chamaria "A situação da classe trabalhadora de Toritama". Eu vi pessoas sem tempo para olhar para o céu, para ver as crianças crescerem, para o lazer. Vemos o capitalismo expresso de maneira precária e bárbara na voz dos moradores: valorização do trabalho precarizado, da exploração, da ilusão da liberdade. Como tempo é dinheiro, em Toritama não é diferente: quanto mais se produz, mais dinheiro; os moradores são donos do seu próprio negócio, do seu tempo, da sua produção e isso, essa "liberdade" de trabalhar e trabalhar, é um privilégio.

São 85 minutos que fiquei procurando qualquer imagem desesperada de uma escola, de uma praça, de um hospital, de calçadas tomadas por crianças brincando e vizinhos batendo papo vendo o movimento da rua, de uma Igreja, de um lazer... Talvez até tenha e eu precise assistir novamente prestando mais atenção aos detalhes.

Tem imagens de pessoas nas calçadas, sobretudo idosos, trabalhando no jeans. O tema dos direitos trabalhistas, de uma aposentadoria, da saúde do trabalhador (caso fique doente), religião, não são centrais nos depoimentos dos moradores. Isso é angustiante porque eu fico procurando o que os difere de máquinas de costura... Uma parte importante é quando o narrador pergunta sobre os sonhos. Para os homens (sobretudo os jovens) a resposta é ser rico, dono do seu próprio negócio. Para as mulheres majoritariamente é cuidar da família, ter uma casa, prosperar para a família.

A verdade é que há milhares de Toritamas por aí, por aqui... Lembro bem quando convivi com as mulheres do Sindicato da Confecção Feminina (SINDCONFE), as dificuldades do trabalho de base, das negociações laborais com as diversas facções que existe aqui nas periferias...

É preciso muita paciência e pedagogia revolucionária para contrapor essa lógica da classe dominante, do capitalismo. Eu vi isso na tela, mas também vi no rosto de dezenas de homens e mulheres das fábricas de moda íntima daqui.

Camila, após assistir esse documentário, me enviou mensagem destacando que eu precisava assistir; que eu precisava levar as companheiras do SINDCONFE.

Ela tem razão. Precisamos todos assistir para ter certo de que isso não é obra de um Brasil profundo, esquecido num canto do agreste nordestino. É obra do capital que transforma a todos/as em máquinas desprovidas de futuro e sonhos, que respira uma vez por ano: no carnaval...

Paula Farias
Doutoranda em Educação (PPGEB/UFC)