sábado, 27 de julho de 2019

40 anos da revolução nicaraguense: O que ela nos diz?




As lições de uma luta revolucionária

Em 19 de julho de 1979, triunfava a Revolução Nicaraguense. As ruas de Manágua, apesar das ruínas, dos mortos e da fumaça, foram invadidas por uma grande multidão repleta de bandeiras rubro-negras da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) que dançava e comemorava em meio a risos, choros e abraços. Vitória das massas populares sobre um dos mais sanguinários regimes apoiados pelo imperialismo estadunidense: a ditadura de Anastasio Somoza, membro de uma dinastia que controlava o país desde 1936.

A queda de Anastasio Somoza foi resultado de uma poderosa insurreição popular cujo desenvolvimento levou vários meses. O salto de qualidade para esse processo foi o assassinato de Pedro Chamorro, dirigente do Partido Conservador, diretor do jornal La Prensa e líder oposicionista UDEL da (Unión Democrática de Liberación), em 10 de janeiro de 1978, a mando de Somoza. A greve geral contra tal ato durou vários dias, com manifestações de milhares de pessoas em Manágua e Matagalpa. Em  fevereiro, rebelou-se a comunidade indígena de Monimbó, em Masaya a 32 Km da capital. Em abril, uma greve de estudantes fechou tanto as universidades como quase todas as escolas públicas e privadas. Em agosto, desencadeou-se outra insurreição espontânea em Matagalpa. Em setembro, a FSLN lançou uma ofensiva coordenada sobre as guarnições das principais cidades, à qual somaram-se numerosos populares, fracassando em seu intento de provocar a partida do ditador. Logo depois, a Guarda Nacional respondeu lançando uma criminosa repressão.

A burguesia antissomozista também se mobilizou. No início de 1978, incentivou a Greve Geral de janeiro-fevereiro exigindo a renúncia de Somoza. Em maio, formou-se a FAO (Frente Ampla Opositora), formada por diversos setores da burguesia nicaraguense, que procuravam retirar Somoza para salvar o sistema. Ainda em setembro do mesmo ano, o imperialismo estadunidense buscou uma mediação entre a FAO e Somoza via a Organização dos Estados Americanos (OEA), mas a intransigência do ditador e a desintegração da FAO impediram o acordo. A marcha dos acontecimentos já conduzia à única solução: a insurreição geral.

No período da Páscoa de 1979, colunas da FSLN ocuparam a cidade de Esteli com apoio massivo da população. Em maio, começou o levante geral em todo o país. Em 3 de maio, a cidade de Leon ao Norte de Manágua, a segunda do país, se rebelou. No dia 4 de junho, os sandinistas convocaram a Greve Geral Revolucionária. No dia 5, levantou-se Matagalpa em uma heroica luta de rua por rua, casa por casa, que durou um mês. Os subúrbios mais pobres de Manágua começaram a se organizar para o levante. Desde meados de junho, povoados pequenos e médios caíram sob a direção da FSLN enquanto as tropas somozistas refugiaram-se em quarteis.  No final de junho, Masaya é libertada e, no dia 9 de julho, Leon é totalmente liberada tornando-se capital provisória, onde instalou-se a Junta de Gobierno de Reconstruccción Nacional (JGRN). Em 17 de julho, o ditador Somoza fugiu para Miami e deixou em seu lugar o tenente Urcuyo. A Guarda Nacional desintegrou-se em 19 de julho, Urcuyo renunciou, as tropas sandinistas entraram em Manágua onde se instalou, no dia seguinte, a Direção Nacional da FSLN e o novo governo revolucionário. Os 17 meses de rebelião popular e repressão custou aproximadamente a vida de 50 mil pessoas, milhares de órfãos e sem-teto devido aos bombardeios da Guarda Nacional.

O ascenso revolucionário das massas nicaraguense não evoluiu para uma saída socialista, como em Cuba. A revolução democrática e anti-imperialista não transbordou para a expropriação da burguesia e o estabelecimento de um regime de transição, sob hegemonia das massas assalariadas. Num país devastado pela ditadura e sua sangrenta guerra contra as massas, a direção da FSLN optou por uma estratégia de derrotas: a aliança com a burguesia nicaraguense, estruturalmente vinculada ao imperialismo e ao latifúndio.

 Já no período de mobilização revolucionária contra o regime ditatorial, quando a FSLN conquistou a direção política das massas, sua orientação foi a de frente popular, subordinando os interesses da população em luta aos propósitos da burguesia. Com a vitória, em nome da “reconstrução nacional”, da “democracia pluralista” e da “unidade nacional”, a colaboração com a burguesia interna significou barrar a execução de medidas democráticas e nacionais, impedindo a auto-organização do proletariado e da maioria da população em novas estruturas de poder. Isso para garantir a colaboração da burguesia.

Resultado: depois de 10 anos da vitória da Revolução Sandinista, o sandinismo foi derrotado eleitoralmente por uma representante conservadora da burguesia. Hoje, a Nicarágua é uma sombra do que foi no período em que as massas construíam o futuro contra o imperialismo, a burguesia interna e o latifúndio.

A revolução nicaraguense nos trouxe duas grandes lições. Primeira, a evidência de que as massas organizadas podem vencer, em unidade na diversidade com operários, camponeses, marxistas, cristãos, jovens, mulheres, indígenas. Segunda, a colaboração com os inimigos da revolução por meio de gigantescas concessões políticas e econômicas à burguesia interna, de garantias democráticas aos agressores contrarrevolucionários do país financiados do estrangeiro e de aplicação de planos do FMI, levaram à derrota um importante processo de emancipação social na América Central.

Então, o que nos diz a Revolução Nicaraguense? Devemos confiar na mobilização e protagonismo das massas assalariadas e populares. Para os companheiros de luta do PT, PC do B, PSOL e PCB, um alerta: a colaboração com a burguesia e suas representações políticas não soma, porque os interesses das massas trabalhadoras e da burguesia, nas questões fundamentais (previdência pública, política econômica, educação, reforma agrária, soberania nacional, desigualdades regionais, democratização das esferas de poder, combate às opressões, governo Bolsonaro, por exemplo), são antagônicos.

Frederico Costa
Professor da UECE - Universidade Estadual do Ceará
Diretor do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE/ANDES-SN
Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário-IMO