quarta-feira, 24 de julho de 2019

O programa FUTURE-SE e a busca pela consolidação do capitalismo acadêmico brasileiro




No dia 17 de julho foi lançado pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub do governo de Extrema-direita Jair Bolsonaro, o Programa Instituto e Universidades Empreendedoras e Inovadoras (FUTURE-SE). De acordo com a minuta encaminhada às universidades e institutos federais [1], o programa objetiva o "fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior - IFES, por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de recursos próprio". O Future-se é sistematizado em três eixos: 1) gestão, governança e empreendedorismo; 2) pesquisa e inovação; e 3) internacionalização.

A suposta “revolução” da matriz das universidades e institutos federais influenciada por programas e ações empreendidas no hemisfério norte implica o aprofundamento da lógica do capitalismo acadêmico brasileiro. Na obra Academica Capitalism: politics, policies, and the entrepreneurial, de autoria de Sheila Slaughter e Larry Leslie, foi analisado a particularidade da realidade da universidade norte-americana, apontando a reorganização das atividades e práticas rotineiras das universidades em busca de lucratividade. As instituições de ensino superior se habilitaram em comercializar suas produções. Esse processo tornou-se exequível através da organização acadêmica, bem como das práticas individuais de seus docentes.

Weintraub busca refletir a lógica da New American University (Silva Jr, 2017) nas universidades brasileiras. Mas é preciso considerar que as universidade americanas possuem investimentos privados, mensalidades exorbitantes, além de contar com a cultura que para garantir a educação dos(as) filhos(as) é necessário, pelas famílias, constituir a prática do acúmulo de poupança. Some-se a isso a lógica da filantropia e das elites empresariais que direcionam fundos significativos para o desenvolvimento de P&D (Pesquisa e desenvolvimento). Desde a década de 1960, as fundações privadas financiam o ensino norte-americano que dissemina, ideologicamente, as bases do Acordo de Bretton Woods.

O estrangeirismo do Future-se é nítido até para o mais míope quando propõe estabelecer autonomia financeira para Instituições Federais de Educação Superior (IFES) por meio de capitação de recursos junto ao setor privado, através de parcerias público-privadas, fundos patrimoniais, de investimento, imobiliários, e mercantilizando do patrimônio imobiliário da união. No que diz respeito à gestão, as Organizações Sociais de direito privado executarão essa função. O MEC, em seu entreguismo ao setor financeiro, recorrerá ao Naming Rights, ou seja, as empresas e patrocinadores poderão nomear os campi das universidades, seguindo exemplo dos estádios de futebol.

O programa apregoa a criação de Fundos de Investimento em que seu valor aproxima-se de R$ 100 bilhões, no qual será custeado através da alienação do patrimônio imobiliário das IFES, incentivos fiscais, recursos da Lei Rouanet, entre outros. Nessa esteira, além do problema da geração de recursos próprios das IFES, a problemática se localiza na utilização deste, visto que o governo “contingenciou” o financiamento da educação superior pública/estatal.

O Secretário de Ensino Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, afirmou que, através do Future-se, “o cargo professor universitário será o melhor emprego do Brasil. Por quê? Ele terá o salário dele garantido e a receita própria que ele conseguir captar vai ser dele, vai ter natureza privada, desde que, ele exporte o que a gente tem de melhor o conhecimento” [2]. Esse discurso está alinhado a lógica do empresariamento da produção do conhecimento a partir da política de patentes que é muito disseminada na New American University, com isso, o professor incorpora a função de empreendedor, buscando recursos privados para financiarem suas pesquisas, bem como a venda dos produtos delas. Todavia, é lícito ressaltar que para o desenvolvimento, com excelência, de pesquisa científica é necessário estrutura, material e softwares atualizados para garantir o trabalho do pesquisador.

É válido ressaltar que em escala global os recursos engendrados pelas próprias IFES possuem finalidade complementar. Ora, as atividades de P&D, formação, são mantidas pelo Estado, até as universidades que ocupam o topo dos rankings internacionais, como Oxford e Harvard. Esse processo se dá em decorrência à lógica da diversificação das fontes de manutenção das instituições de educação superior. Na periferia capitalista esse processo é aprofundado, porquanto a lógica dos cortes no financiamento das IFES condiciona ao sucateamento das instituições decorrendo no abocanhamento dos empresários da educação.

Com a implementação do programa todos os espaços da universidade serão explorados pelos setores empresariais, com liberdade e direito. Os fundos, constituídos por fundos públicos, serão administrados pelo setor privado e irão executar suas ações de acordo com as diretrizes do mercado financeiro. A busca incessante pela rentabilidade implicará na aplicação de recursos no mercado de ações, prática comum do mercado financeiro que impulsiona o capital especulativo e parasitário. Esse cenário não é novo no Brasil, a lógica da financeirização abocanhou os fundos de pensão nos governos FHC e Lula da Silva buscando impulsionar ainda mais o mercado nacional.

De acordo com Weintraub e o Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, as universidades federais que aderirem o Future-se poderão efetuar contratações de professores sem necessidade de concurso, pois seriam realizadas via CLT, através das Organizações Sociais. Com efeito, foi dado início a consulta pública [3] da proposta do programa, em outubro o governo neoconservador pretende compilar as propostas e encaminhar para o Congresso. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), comunicou que os reitores não foram consultados na elaboração do programa [4]. Nesse contexto, se o MEC alega que a adesão é voluntária, com os desdobramentos dos processos, o receio da lógica dos Contratos de Gestão se tratarem de uma imposição é real e perigosa.

O capitalismo acadêmico no Brasil é aprofundado a passos largos. Não é nenhuma novidade o cenário de mercantilização da educação superior, a predominância do quantitativo de instituições e concentração de matrículas por partes do setor privado já é real. Contudo, com a implementação do Future-se o desmonte da educação superior pública/estatal será consolidado, portanto é necessário construir um movimento de luta em defesa da educação pública, laica e democrática. É preciso se opor e resistir as medidas neoconservadoras, privatistas e subserviente deste governo.

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[1] https://ufla.br/images/arquivos/2019/07-julho/Minuta_Programa_Future-se.pdf
[2] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/projeto-future-se-mec-quer-parceria-de-universidades-federais-com-iniciativa-privada
[3] https://isurvey.cgee.org.br/future-se
[4] https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/proposta-do-mec-permite-contratar-professor-sem-concurso-em-universidades

Alisson Slider do Nascimento de Paula
Doutor em Educação pela Universidade Estadual do Ceará - UECE.