quinta-feira, 23 de maio de 2019

Quem tem medo do feminismo negro?



Olá! Pra quem não me conhece, meu nome é Karla Costa, eu sou membra do GPOSSHE, Grupo de Pesquisa Ontologia do Ser Social, História, Educação e Emancipação Humana, e hoje irei discutir um pouco sobre o livro QUEM TEM MEDO DO FEMINISMO NEGRO? da Djamila Ribeiro.

A Djamila Ribeiro e uma filósofa muito conhecida atualmente dentro da luta feminista, é quase uma celebridade, tem feito propagandas pra indústria de cosméticos, tem feito diversos programas de televisão e convidada pra emissoras de grande porte, como a rede Globo, tem feito palestras, é coordenadora de uma série de publicações que envolvem o feminismo e as lutas identitárias, chamada Feminismos Plurais, que já tem publicações como: O QUE É INTERSCCIONALIDADE, O QUE É LUGAR DE FALA, O QUE É EMPODERAMENTO, O QUE É RACISMO ESTRUTURAL.

Mas a gente veio discutir aqui alguns aspectos que são um pouco problemáticos, tanto dentro do que essa autora defende, nos vários espaços em que ela está, e o que ela representa, pois a questão aqui não é fazer uma crítica à pessoa da Djamila Ribeiro, mas, queremos aqui fazer uma crítica à consequência social para a luta de classes dessas ações, pois as ações, historicamnte, tem consequências. Esse livro ficou muito famoso tanto na militância negra e classista, quanto nos espaços da burguesia brasileira, nos espaços da classe de artistas brasileiros, muitas autoras da Rede Globo não apenas leram o livro como divulgaram e tomaram uma posição à favor desse feminismo negro, e a gente precisa entender o que isso representa pra classe dos trabalhadores.

É uma coletânea de ensaios publicados entre 2014 e 2017 na Carta Capital, e a gente precisa entender que, por ser uma coletânea de ensaios, são textos curtos, e são textos nos quais ela não poderia desenvolver mais profundamente o seu pensamento, aquilo que ela defende, mas, mesmo assim, o que está posto aqui, entendendo os limites do gênero, e entendendo a dificuldade de um aprofundamento… ainda assim são questões problemáticas, no nosso entender, por isso que o debate vai girar em torno desse livro. Inicialmente, e pra quem tem livro ou quem já leu o livro, vou dizer as páginas onde estão esses pontos, eu acho que esses pontos que escolhi pra falar aqui, são singulares, são pontos essenciais, alguns deles se repetem ao longo de outros ensaios, mas eu demarquei algumas coisas pra contar, então, por exemplo, na página 17, a autora vai dizer o seguinte:

Foi preciso reconfigurar o mundo a partir das perspectivas do mundo, ou dos brancos, das pessoas com quem a gente convive socialmente e, essa reconfiguração, ajudou a, finalmente, ela se sentir confortável no mundo, foi um divisor de águas na minha vida.

Pra mim isso foi muito característico tanto da teoria quanto dos resultados sociais do que essa autora tem produzido. Se sentir confortável num mundo onde a miséria, a exploração, a fome, a violência, o feminicídio só crescem... essa palavra “confortável", acho que não cabe e não caberia a uma filósofa que defende um feminismo negro, que deveria ser, antes de tudo, um feminismo classista.

Outra característica importante é a forma como aparece aqui o termo Interseccionalidade. Nós já fizemos um vídeo discutindo um pouco sobre interseccionalidade, a gente vai deixar o link na descrição pra quem quiser acessar. A autora parte desse conceito de interseccionalidade que compreende as opressões de maneira articulada. Outro aspecto importante é a defesa que a autora faz pela "não universalização" das categorias, "não universalização" da categoria “mulheres"... a autora explica que não há a mulher universal, pois cada mulher vive a sua identidade e está inserida na sociedade de uma maneira diferente, ela faz a defesa das diferenças, depois discutiremos essas diferenças.

Nessa urgência de não universalizar essa categoria, sob o risco de manter, na invisibilidade, aquelas que combinam ou entrecruzam opressões, e aqui ela está desenvolvendo a categoria da Interseccionalidade, que já foi discutida em outro vídeo, aqui, a crítica que ela faz a "não universalização” é muito importante de a gente entender, a gente entender que essa crítica está vinculada a um antimarxismo, que as autoras tem defendido e que há um vídeo, inclusive, em um evento, onde estavam, Djamila Ribeiro e Carla Akotirene, por exemplo, e que elas vão, expressar um antimarxismo claro, a Carla Akotirene é autora do livro da Interseccionalidade, e ela vai partir da premissa de que não podemos pensar o mundo partindo de uma visão eurocêntrica, branca, e ela está fazendo uma crítica clara ao marxismo e isso fica expresso no livro dela, então, quem quiser, depois, pode ler o livro dela, O QUE É INTERSECCIONALIDADE, e conferir isso.

Mas a categoria da universalidade, a gente pode pensar de duas formas, pode pensar uma universalidade ideal, a priori, já existente, e isso não é marxismo, a universalidade para o marxismo é uma expressão das singularidades, então, o que é universal é aquilo que está no singular, que está nos indivíduos, não é um a priori, é uma categoria que expressa elementos universais, no sentido de que eles são sociais. Outra crítica importante nesse contexto da universalidade, da negação dessa universalidade, é a ideia de alargar o conceito de humanidade, algo que foi muito complicado pra eu entender, dentro dessa obra, o que ela quer dizer com alargar o conceito de humanidade, pois, até onde eu entendo, a partir das leituras que tenho do marxismo, a noção de humanidade é justamente abarcar as diversas singularidades, as diversas identidades, e que essas diferenças não sejam usadas pra discriminar, ou para colocar os homens em situação de desigualdade.

Então, não há aqui uma explicação do que seria esse alargamento, ela faz, então, um convite pra um mundo no qual diferenças não signifiquem desigualdades. Isso é muito importante dentro dessa obra, que a gente percebe em alguns ensaios, que, segundo ela, o que gera desigualdade é a diferença, e não é isso, não é essa a questão, as diferenças não geram a desigualdade, o que gera desigualdade é a apropriação de uma classe, pequena, do trabalho dos trabalhadores, se apropria do trabalho da maioria da população, isso gera as desigualdades, as diferenças, não.

Na página 44, ela vai dizer que o objetivo do feminismo é uma sociedade sem hierarquia de gênero, o gênero não sendo utilizado para conceder privilégio ou legitimar opressão, e ela tem razão, mas ela não explica que é preciso uma mudança social pra que isso ocorra, uma mudança na estrutura social, as soluções dadas, as críticas dadas, estão no nível da superficialidade, no nível das relações apenas entre os indivíduos, como me relaciono na minha diferença com outra diferença, e, novamente, ela coloca na página 47, a necessidade de combater a universalização da categoria “mulheres", pois essa universalização deixa de fora muitas mulheres e alimentam as estruturas de poder, pra exemplificar que essa noção da diferença, e que pra ela é a diferença que gera a desigualdade, a gente pode identificar isso na página 111, quando ela diz, o que é a diferença pra ela, eu só me torno diferente se a pessoa branca se vê como referência, como a norma da qual me difiro, eu me torno diferente através da discriminação.

E aqui é um pouco confuso, você se torna diferente através da discriminação, então, ela coloca, o patamar da desigualdade, que ela tinha falado antes, na relação entre um indivíduo, entre como eu me identifico como superior, se eu me identifico como alguém superior nessa sociedade, os outros me são inferiores, então se trata de como eu me relaciono com o outro. Não está posto aqui, que, a classe dominante, majoritariamente branca, é dominante não porque ela se entende dominante, ou porque ela pensa que é dominante, é porque ela detém os meios de produção, ela detém o resultado do trabalho dos trabalhadores, ela é objetivamente classe dominante, ela não é subjetivamente classe dominante, então, pra mudar a compreensão dos indivíduos de que eles são superiores aos outros, é preciso mudar a objetividade dessa relação, aquela relação que os coloca num patamar econômico superior.

Na página 129, a autora faz a seguinte afirmação:

Há aqui, a confusão de atrelar valores democráticos a valores capitalistas, de confundir emancipação e ascensão econômica.

Nesse ponto, e vocês podem ver no ensaio, ela não explica se é positivo confundir, se não é positivo, como superar... então, ela não explica o que é emancipação, nem o que é ascensão econômica, ela perde ricas oportunidades de explicar o que causa o racismo, e aí ela vai dizer que o racismo é estrutural, que é uma relação de poder, mas ela não explica o que causam essas relações de poder.

E aí a gente pode pensar que é só um fato que ocorre por conta do espaço do ensaio, e eu já ouvi diversas vezes essa defesa, mas por mais que o espaço do ensaio seja pequeno, negar essas estruturas materiais e objetivas que estruturam as classes, que formam as classes e que são responsáveis pela exploração dessas mulheres negras, que estão sendo defendidas aqui, não é por acaso, a gente não pode dizer que uma filósofa, com formação em mestrado, com conhecimento dentro do feminismo negro, está simplesmente esquecendo a prioridade ontológica da exploração das classes, e isso é um feminismo que vende, que tornou essa autora celebridade, recentemente, tendo feito propaganda pra AVON, uma empresa que é expressão da exploração, de muitas mulheres trabalhadoras, que não acessam o emprego, que vendem os produtos dessa marca, ou de outras marcas de cosméticos pra sustentar suas famílias.

Então, ao mesmo tempo em que ela está fazendo uma defesa dessas mulheres negras, a partir desse feminismo que, não vamos dizer que elas tenham consciência de que é um feminismo liberal, mas que é claramente influenciado por uma compreensão liberal de classes, então, ao mesmo tempo que a Djamila faz a defesa, do feminismo negro, destacando, através da interseccionalidade, que essas mulheres estão em uma estrutura acidentada, por diversas opressões, ela é garota propaganda dessa marca de cosméticos que é representação da opressão dessas mesmas mulheres, então, você tem, num nível, a questão do empoderamento da necessidade de representatividade, através, da propaganda dessas marcas, então, você tem o capitalismo se apropriando desse discurso pra vender mercadoria, e pra aumentar a exploração dos trabalhadores, essa é a consequência desse feminismo negro, por isso que precisamos combater, não a pessoa, mas aquilo que as ideias representam, então, representam um aprofundamento da exploração de classe quando se defende marcas e empresas, você está defendendo o sistema capitalista, e isso ocorre porque essa teoria, ela não é prejudicial ao sistema capitalista, ela não rompe com o sistema capitalista, ela não diz pra classe trabalhadora que ela precisa entender que, a produção da riqueza feita por ela mesma, ela não diz isso, então, para o sistema capitalista, não há nenhum problema em divulgar, em vender, em convidar, em usar essas feministas pra fazer propaganda de suas marcas, então, nesse sentido, é uma obra que a gente precisa entender, pois ela é uma resposta alienada para uma situação alienada, é uma resposta que está sendo dada, então, como militante, nós precisamos entender isso, entender esses discursos, entender esse contexto, pra combater na luta de classes, o resultado dessas ações.

Então, eu agradeço a atenção de vocês, e que possamos dialogar sobre outros temas nesse universo.


Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação (PPGE/UECE)