sexta-feira, 24 de maio de 2019

Sobre o lugar de fala





Olá, pra quem não me conhece, meu nome é Karla Costa, sou membra do GPOSSHE, e hoje nós vamos discutir sobre o famoso e polêmico lugar de fala. Inicialmente, eu queria começar apresentando as condições gerais desse estudo, tanto pra mim como pesquisadora e como feminista, quanto pro grupo da qual eu faço parte, ainda há muitas autoras a serem estudadas e que debatem a questão do feminismo, não foi um tema no qual eu me debrucei muito cedo, então, tenho estudado esse tema a partir de agora, porque algumas posições no interior do feminismo, em algumas falas, que partem de mulheres que se localizam na esquerda tem me incomodado, eu pensei, então, ir estudar alguma coisa sobre isso, pra debater de maneira mais fundamentada.

Hoje a gente vai discutir o lugar de fala com base nesse livro da Djamila Ribeiro, que a gente já falou a esse respeito no vídeo sobre "Quem tem medo de feminismo negro", já apresentei pra vocês, ela é super conhecida, é mestra em filosofia pela UNIFESP, e foi secretária adjunta de direitos no governo da prefeitura de São Paulo do Fernando Haddad, então, é a partir desse livro, é o mais famoso, é o que sistematiza essa categoria de lugar de fala, então eu acredito que seja interessante a gente partir dele, e por que estou dizendo que as minhas leituras ainda são incipientes nessa área. Ela apresenta, no começo, uma série de autoras, uma lista grande de autoras, que vão se debruçar sobre o feminismo, o feminismo negro, e dessas autoras ainda tenho muita coisa pra ler. Mas, esse livro, nos dá a possibilidade de discutir o lugar de fala por ele mesmo, os debates, as críticas que a gente vai tirar daqui estão no interior da própria obra, então, é a partir daqui que a gente tá falando.

A Djamila vai explicar pra gente que o termo "lugar de fala" não tem um surgimento preciso, mas que ele tá intimamente ligado ao feminismo negro e, portanto, também está ligado ao conceito de interseccionalidade, que nós já tratamos aqui e o link do vídeo vai estar na descrição, e aí ela vai citar algumas autoras que são fundamentais pra construção desse conceito, como a Patricia Hill Collins, Bell Hooks e a Grada Kilomba. Essas autoras, e outras, não vão tratar diretamente do conceito de lugar de fala, mas vão apresentar debates importantes, por exemplo, sobre a localização social, sobre quem pode falar e quem não pode falar, quem tem privilégio da fala e epistemológico, esses debates eles vão dar substância a categoria de lugar de fala, e aqui a gente já entra na discussão da própria autora, ela vai partir da premissa de que é preciso abdicar de uma estrutura universal para identificar outras interações.

Por que? Porque a fala, o pensamento e o conhecimento são hegemonizados pra quem tem o privilégio social, quem não tem esse privilégio social não pode falar, não tem seus conhecimentos valorizados. Dentro dessa percepção da realidade ela vai lutar contra a colonização do pensamento, então, ela vai trabalhar pela descolonização do pensamento, e isso é dar voz aos indivíduos que, na lógica da colonização, foram postos em lugares subalternizados. E aí ela também refuta a ideia de neutralidade epistêmica, ou seja, o conhecimento tem um lugar, ele parte de um lugar, e esse lugar não é neutro, portanto, então, todo conhecimento, fala e discurso, tem uma intencionalidade por trás.

Nesse sentido, ela vai se perguntar, então, quais são as vozes que são legitimadas, e aí ela já vai debatendo já negando as críticas que o lugar de fala recebe, então ela vai dizer, que o lugar de fala não esquece a opressão de classe, pois essa é uma das críticas que essa categoria recebe, nós vamos voltar pra isso daqui a pouco, e também não é uma violência identitária, que é aquela que vai dizer "eu posso falar, pois estou nesse lugar e você que não está, não pode falar". Então, não é essa a crítica que a gente vai fazer aqui, então, nesse sentido dessas duas críticas que ela está refutando, ela vai dizer que a política identitária não é diversa da luta de classes, pauta com a qual nós concordamos, que a política identitária não se opõe a luta de classes, ela é uma parte da luta de classes na nossa opinião, mas ela não é a parte principal, ela não é a parte central, ela não é o momento predominante, a gente vai discutir também o porquê.

Então, a gente vai concordar com a Djamila Ribeiro, quando ela vai dizer que é importante identificar o discurso, é importante localizar socialmente de onde parte esse discurso, de onde partem esses indivíduos e também perceber as desigualdades, então, com isso concordamos. Mas, é preciso saber quem cria as desigualdades, não podemos partir da desigualdade como algo eterno historicamente, a desigualdade já está dada ela não tem um fundamento, é como se a desigualdade fosse inerente a natureza humana e isso é incorreto, a desigualdade ela é proveniente de uma estrutura social que a causa, e a gente precisa entender que estrutura é essa.

Segundo a autora as desigualdades vão ser criadas pelo modo como as identidades são articuladas pelo poder, observem que, o que ela está dizendo, que as desigualdades são criadas pelo modo como as identidades são articuladas, aqui ela está fazendo uma inversão ontológica, não são as desigualdades que são criadas pelo modo como a sociedade se articula, modo como a sociedade se articula, existe dessa forma porque o mundo é desigual, então, a desigualdade é um fundamento estrutural da sociedade e da forma como a gente a enxerga, a gente vai discutir um pouco depois sobre a compreensão dela em relação a desigualdade e uma negação que faz com que a teoria seja contraditória em si, mas, também, um pouquinho mais pra frente a gente discute sobre isso.

Então, qual é o fundamento? Qual é o fundamento da desigualdade? O fundamento da desigualdade é a exploração do trabalho e a propriedade privada dos meios e do resultado desse trabalho, então, por que a Djamila não chega aqui? Ela não chega no fundamento da desigualdade, e isso vai ser tema de um próximo vídeo que iremos debater, ela não chega aqui por causa da negação da teoria marxista.

A negação do Marx, segundo elas, e a gente ainda vai debater isso no vídeo, por o Marx ser homem, héterossexual, branco, europeu, e ele está localizado, dentro da sociedade, num lugar de privilégio, ela vai negar a teoria marxista apenas por essa configuração, sem entender que o que legitima a teoria marxista não é o lugar de onde ela parte, mas a correspondência dessa teoria com a sociedade, a negação do Marx, da compreensão qualitativa das classes, que eu estou chamando aqui de compreender que há explorados e exploradores nessa sociedade, e é essa estrutura na qual o ser humano se vê no direito de explorar o trabalho de outra pessoa, de entender essa pessoa como uma mera parte da produção, portanto, como uma coisa, como qualquer outra coisa necessária para produzir mercadorias, é essa estrutura que vai gerar as desigualdades, então ela não vai chegar aqui.

Então temos acordo com esse livro e com a autora quando ela vai dizer o seguinte, falar do ponto de vista das mulheres é necessário, pessoas negras, ao reivindicarem voz estão lutando pela própria vida, isso também é verdade, o feminismo foi levado a uma perspectiva burguesa, branca, hegemonicamente, isso também é verdade, e a gente precisa responsabilizar as mulheres brancas em lutar por uma sociedade mais justa, tudo isso é verdade, toda essa análise que é feita nessa obra da construção da sociedade, está correta, a solução que é apresentada que é problemática.

E aí ela vai dizer na página 66, que o problema seria quando as diferenças significam desigualdade, então, novamente ela faz uma inversão ontológica, não é uma questão de significar desigualdade, eu não sou desigual por ser diferente, isso eu acho que a gente já superou, esse debate, então, do interior desse debate ela vai dizer, então, qual é o problema? "É não reconhecer que partimos de lugares diferentes e que experienciamos as opressões de maneira diferente", não é suficiente reconhecer, identificar que partimos de lugares diferentes, se esse reconhecimento não levar a superação dessas desigualdades, então, o ponto de vista feminista, segundo ela, vai enfatizar menos as experiências individuais do que as condições sociais de desigualdade do grupo, veja, aqui há uma contradição, quando ela coloca que o ponto de vista feminista enfatiza menos as experiências individuais e mais as condições sociais do grupo, aqui ela tá falando de um ponto de vista ontológico, pois a minha experiência como mulher negra não necessariamente vai fazer com que eu identifique teoricamente o racismo como uma estrutura da sociedade capitalista.

E por que é uma contradição? Ao mesmo tempo que a Djamila está apresentando autoras, que apesar de eu ainda não ter lido, mas pelas citações que ela escolhe, essas autoras terem uma posição de classe e esse exemplo que acabei de dar é exemplar pra isso que estou dizendo, quando ela está falando que a experiência individual não deve ser mais enfatizada do que as condições sociais do grupo, essa é uma perspectiva de classe, e ela está apresentando essa autora pra gente, numa citação ou um comentário rápido, mas está aqui, então, há uma mistura de autoras que são notoriamente feministas liberais, e autoras que são feministas de classe, radicais, ou feministas negras radicais, enfim.

E aí ela vai dizer na página 66, que o problema seria quando as diferenças significam desigualdade, então, novamente ela faz uma inversão ontológica, não é uma questão de significar desigualdade, eu não sou desigual por ser diferente, isso eu acho que a gente já superou, esse debate, então, do interior desse debate ela vai dizer, então, qual é o problema? "É não reconhecer que partimos de lugares diferentes e que experienciamos as opressões de maneira diferente", não é suficiente reconhecer, identificar que partimos de lugares diferentes, se esse reconhecimento não levar a superação dessas desigualdades, então, o ponto de vista feminista, segundo ela, vai enfatizar menos as experiências individuais do que as condições sociais de desigualdade do grupo, veja, aqui há uma contradição, quando ela coloca que o ponto de vista feminista enfatiza menos as experiências individuais e mais as condições sociais do grupo, aqui ela tá falando de um ponto de vista ontológico, pois a minha experiência como mulher negra não necessariamente vai fazer com que eu identifique teoricamente o racismo como uma estrutura da sociedade capitalista.

Então, Djamila Ribeiro, a teoria dela, essa obra em si, e muitas teorizações que estão aqui em volta desses feminismos plurais, os que eu li por enquanto, eles são, então, na minha opinião contrarrevolucionários e, pra mim, uma frase desse livro deixa isso muito claro, que é quando ela vai dizer que, todo mundo tem lugar de fala, e eu acho que todo mundo ter um lugar de fala é uma obviedade, todo mundo fala de um lugar, todo mundo se localiza socialmente em algum lugar, mas a questão fundamental é que todo mundo tenha um lugar de prática, ou seja, o lugar que eu me situo na sociedade ele precisa ser um lugar no qual eu me identifique com a transformação social, não basta eu entender onde me localizo, entender onde os indivíduos estão nessa opressão mas eu querer superar, eu querer transformar essa sociedade e acabar com a opressão, então, o limite desse feminismo negro da Djamila Ribeiro é o limite da transformação social, não há perspectiva de mudança, há perspectiva de melhoria, algumas reformas, que são importantes, mas que não podem ser o horizonte pra luta.

E aí, nesse sentido, o feminismo dela vai ser um feminismo que casa muito bem com a necessidade da classe dominante de se sentir mais confortável no seu lugar de opressão, pois eles são capazes de identificar seus privilégios, se localizar socialmente, identificar que estão em uma situação dominante, e nessa situação de dominação, olhar para o dominado, para o oprimido com uma certa condescendência, amizade, enfim, mas, no limite desse reconhecimento da classe dominante, das atrizes, hollywoodianas, que estão pedindo melhores salários, das atrizes globais que estão pedindo o direito de mostrar o corpo na internet, tudo isso é importante, a liberdade do corpo da mulher, de pensamento, condições de trabalho, mas, o limite dessas ações vai estar no momento que elas precisarem abrir mão da riqueza, pois identificar que elas tem riqueza, que estão num lugar de privilégio, isso é tranquilo demais, a questão é, até onde você vai do meu lado na luta pra transformar essa sociedade.

E aí ela vai dizer na página 66, que o problema seria quando as diferenças significam desigualdade, então, novamente ela faz uma inversão ontológica, não é uma questão de significar desigualdade, eu não sou desigual por ser diferente, isso eu acho que a gente já superou, esse debate, então, do interior desse debate ela vai dizer, então, qual é o problema? "É não reconhecer que partimos de lugares diferentes e que experienciamos as opressões de maneira diferente", não é suficiente reconhecer, identificar que partimos de lugares diferentes, se esse reconhecimento não levar a superação dessas desigualdades, então, o ponto de vista feminista, segundo ela, vai enfatizar menos as experiências individuais do que as condições sociais de desigualdade do grupo, veja, aqui há uma contradição, quando ela coloca que o ponto de vista feminista enfatiza menos as experiências individuais e mais as condições sociais do grupo, aqui ela tá falando de um ponto de vista ontológico, pois a minha experiência como mulher negra não necessariamente vai fazer com que eu identifique teoricamente o racismo como uma estrutura da sociedade capitalista.

E, principalmente, confunde a classe trabalhadora, no sentido de que essas mulheres, ao invés de estarem lutando por uma transformação social substantiva, por condições de existência substantivas, elas estão lutando por representatividade, sororidade e lugar de fala. Então, volto a reafirmar aqui que o importante não é o discurso, o centro não é a linguagem, não é a fala, é a prática, a transformação social, então, eu queria encerrar esse vídeo com alguns versos de uma música interpretada pela Elza Soares, que diz o seguinte:

"Mil nações moldaram a minha cara
Minha voz uso pra dizer o que se cala
O meu país é o meu lugar de fala."


Karla Raphaella Costa Pereira
Doutoranda em Educação (PPGE/UECE)