quinta-feira, 23 de maio de 2019

A tragédia em Brumadinho



Foto:Bob Blob

Este texto é uma tentativa de identificar as causas dos rompimentos das barragens de rejeitos de mineração ocorridos em Mariana, no ano de 2015, e em Brumadinho, ocorrido neste ano de 2019, no Estado de Minas Gerais. A barragem de Mariana pertence à Samarco, empresa que tem como sócias a Vale e a BHP Biliton, esta última uma multinacional anglo-australiana. A barragem de Brumadinho pertence à Vale, empresa que era estatal e que foi privatizada em 1997 no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Essas barragens foram construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração de minério de ferro, ou seja, o material proveniente da lavra do ferro que é descartado por não ter valor econômico. O rompimento da barragem em Mariana é considerado o desastre que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração. A lama de rejeitos chegou ao Rio Doce e interrompeu o fornecimento de água para pelo menos 39 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. 19 pessoas morreram em razão do rompimento da barragem, entre moradores e funcionários da Samarco.

O rompimento em Brumadinho causou a morte de 308 pessoas, sendo que 102 corpos não foram localizados, estão soterrados na lama dos rejeitos da mineração. As vítimas são funcionários da Vale e moradores da região. A maior parte da produção da Vale de minério de ferro tem como destino a exportação para outros países. Entre 2002 e 2011 o preço do minério de ferro no mercado mundial subiu muito, em razão do forte crescimento da economia chinesa, que consumia esse minério em suas indústrias siderúrgicas e na construção de grandes obras de infra-estrutura.

Ocorre que a partir do ano de 2010 começou a ocorrer uma desaceleração do crescimento da economia chinesa, que continuou crescendo porém a um ritmo mais lento. Isso fez com que o consumo de ferro pela China caísse, o que causou forte redução do preço do ferro no mercado mundial. De fato, o preço do ferro caiu de 126 dólares a tonelada em 2011 para cerca de 40 dólares em 2015.

Com a queda do preço do ferro o lucro da empresas mineradoras caiu e os seus acionistas passaram a não receber dividendos. Ocorre que as mineradoras são financiadas por acionistas que pressionam para receberem os maiores dividendos possíveis, o que não é possível se o lucro cair. Para manter a margem de lucro que permitisse a remuneração dos acionistas a solução foi reduzir os custos operacionais das empresas, como aqueles relacionados ao monitoramento e a manutenção das barragens.

É preciso ainda ressaltar que nos anos de alta do preço do ferro houve um grande crescimento dos projetos de infra-estrutura das mineradoras, que incluíram a construção de barragens de rejeitos de minério, de ferrovias, minerodutos, etc. Assim muitas barragens com elevada capacidade de armazenamento de rejeitos de minérios foram construídas nessa época de bonança. Quando houve a queda do preço do ferro no mercado mundial e a necessidade de reduzir os custos operacionais das mineradoras se impôs, formou-se um quadro em que as empresas passaram a reduzir os custos de monitoramento e manutenção dessa imensa infra-estrutura, inclusive das barragens de rejeitos, com vistas ao atendimento dos interesses de seus acionistas, fazendo com que os risco de rompimento das barragens, por exemplo, aumentasse exponencialmente. Quando se junta a redução de custos operacionais das empresas com a imensa escala dos projetos de infra-estrutura das mineradoras, os impactos dos “acidentes” serão muito maiores em termos de volume e gravidade. Foi exatamente o que aconteceu em Mariana em 2015 e em Brumadinho em 2019.

Outro aspecto que precisa ser ressaltado é que as barragens que romperam em Mariana e em Brumadinho são do tipo “barragem à montante”, que é a alternativa mais barata para o descarte dos rejeitos da mineração. Especialistas afirmam , porém, que esse é o tipo de barragem com o maior risco de rompimento e, portanto, a mais perigosa, sendo responsável por 76% dos acidentes em barragens de rejeitos de mineração. O Chile e o Peru baniram este tipo de barragem e a África do Sul possivelmente vai proibi-la em breve.

Na verdade, já há alternativas que dispensariam o uso de barragens de rejeitos de mineração. O professor e pesquisador Rodrigo Salles Pereira dos Santos, do grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista ao canal EcoDebate e veiculada no site Outras Mídias, em 05.02.2019, informou que a própria Vale começou a desenvolver projetos que envolvem tecnologias que eliminam a geração de grandes volumes de rejeitos de mineração para não ter que dispô-los em grandes barragens. Porém, com a redução dos preços do ferro no mercado mundial, continua o professor, a Vale teria deixado de investir nessas tecnologias que não produzem o risco de perdas de vidas humanas e teria voltado a fazer o que já fazia antes, ou seja, utilizar as tecnologias mais arcaicas e mais arriscadas justamente porque são as mais baratas.

Segundo a Agência Nacional de Águas, existem 790 barragens de rejeitos no Brasil e 204 delas têm potencial alto para causar danos. Após o desastre em Mariana, pesquisadores chegaram à conclusão de que o caso da SAMARCO não tinha sido um episódio esporádico e sim um exemplo do modo como a indústria extrativa brasileira operava, o que de fato restou confirmado pela ocorrência do rompimento da barragem de Brumadinho.

O Brasil possui uma legislação ambiental considerada avançada, mas há uma notória deficiência na fiscalização da instalação e da operação dos empreendimentos, fruto da falta de estrutura dos órgãos ambientais responsáveis por essa fiscalização.

Soma-se a isso o fato de que há uma pressão cada vez maior de setores políticos ligados ao agronegócio e à própria mineração para que seja flexibilizada a legislação ambiental, enfraquecendo-se os mecanismos legais de proteção do meio ambiente, bem como para que haja menos fiscalização por parte de órgãos ambientais como o Ibama, tudo no interesse da obtenção do máximo lucro com o menor custo operacional possível, ou seja, no exclusivo interesse da acumulação do capital em claro detrimento das condições necessárias à sobrevivência digna das pessoas afetadas por tragédias como a de Mariana e Brumadinho, assim como das próximas gerações.

Domingos Sávio
Promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente